domingo, 23 de novembro de 2014

Educação Amorosa: a vela profissional

Ao lado das meninas da tribo, eu fui uma vela profissional na escola. Uma vela tão presente na vida das meninas que pude criar um método, elaborar uma teoria e explicar para qualquer um que desejar técnicas para ser uma vela profissional. 

Durante o Ensino Fundamental, eu acreditava que seria impossível beijar na boca de uma pessoa, ficar com um menino e namorar. Passei anos, criando e elaborando métodos para ser invisível, assim procurando modos de ser mais aceita na tribo. Me esqueci completamente desses relatos. Caramba! Eu preciso mesmo escrever sobre os momentos mais marcantes da minha vida amorosa. 

Eu tinha esquecido de escrever esses relatos, não podia terminar Educação Amorosa sem essas narrativas. É até cômico. Vou voltar aos momentos que antecedem a minha aceitação total de deslocamento. Vou contar minhas experiências de vela profissional, os pensamentos que fizeram parte desse momento. 


Décima segunda lição - método para ser vela 

Quando Miranda começou a namorar Caio, eu não pensei nada, fiquei mesmo muito feliz por ela. Mas, confesso que, de todas essas felicidades, eu dispensaria a minha experiência de vela que eu tive quase dois anos com essa colega de escola. Eu era uma vela tão próxima e tão cultivada que o casal não deveria esquecer de mim no dia do aniversário de namoro. 

Caio e Miranda eram dois namoradinhos, terrivelmente apaixonados, curiosos por experimentar os segredos do sexo e do amor. Eu, que sempre descia com o casal de namoradinhos, ficava de vela. O que é uma vela? Vela é um objeto nas igrejas que serve como adorno. No relacionamento de Miranda e Caio, o qual eu vi desenvolver, crescer e acabar, foi tão intenso e tão mágico que qualquer escritor mamão com açúcar adoraria escrever, a minha participação, entre os dois, era um papel de coadjuvante, eu era um adorno que eles precisavam inserir no cenário. 

Miranda costumava discutir os assuntos sérios de namoro com Aninha, às vezes, ela discutia comigo, mas era muito raro. Confesso que eu ficava brava, a vontade que eu tinha de dizer era que eu estava lá o tempo inteiro, falando com os pais dela, acompanhando pacientemente os seus beijos demorados com Caio, ouvindo os seus suspiros longos, esperando e esperando. Nunca cobrei isso dela, eu não conseguiria cobrar mais atenção dela também, eu era muito covarde, mas tenho que admitir que ficou dentro de mim uma sensação de ingratidão por muito tempo. 

- Bruna, fica aqui tá, vou lá com Caio e se você ver alguma coisa avisa pra gente, tudo bem?
- tudo bem! - eu disse 

A primeira regra para ser vela é ser invisível, a segunda regra fundamental é ter paciência. Aliás, ter paciência é, realmente, a regra máxima para ser uma grande vela, porque os amantes nunca vão "se pegar" rapidinho. O tempo para os apaixonados é relativo. Eu procurava mexer com os meus pés, cantar música, ver as nuvens e etc; porém, sempre quando eu olhava o relógio, os cinco minutinhos de Miranda e Caio se expandiam milagrosamente. 

Eu chegava próximo deles, estavam no clima tão quente que eu não atrapalhei. Então, quando dava a hora, que não correspondiam ao cinco minutos exatos, me aproximava e dizia:

- Miranda, vamo? 

Eu precisava dizer com tom de autoridade. Miranda respeitava. Caio beijava as orelhas e as bochechas de Miranda, se despedindo apaixonadamente. Quando descíamos a rua Amaral Gama, Caio olhava, encantado, os andares de Miranda com uma postura soberba. (Tudo bem! Vamos perdoar os pombinhos, quando nos apaixonamos até os clichês mais idiotas, da noite para o dia, ficam bonitos). 

Houve um dia que eu briguei com a Miranda sobre essa história de ficar de vela o tempo inteiro, ela podia deixar a minha participação coadjuvante de lado às vezes. Foi a nossa primeira briga feia, depois de cinco minutos, voltamos a conversar. Mesmo eu não sendo parte da tribo das meninas, confesso que gostava muito de Miranda, ela foi uma boa amiga, não fazia piadinhas desnecessárias e era muito engraçada também. Principalmente, quando estávamos sozinhas. 

Depois desses dois anos de vela, posso dizer que nós deveríamos parar de escrever histórias de amor. Deveríamos escrever histórias sobre as velas. Na escola, as festas de namoro deveriam premiar as velas profissionais. Pois, são elas que acompanham a urgência dos relacionamentos amorosos da adolescência, escondem as histórias dos pais, criam a paciência para aguentar casais jovens de apaixonados. Entretanto, as velas das histórias de amor mamão com açúcar são completamente esquecidas nessas narrativas.  

Para vocês, caros leitores, que são velas profissionais também. Eu não esqueci de vocês. Alguns vivem o primeiro amor na escola. Outros vivem uma experiência de sexo e drogas na escola. Muitos outros podem contar experiências significativas de aprendizagem intelectual. Mas ninguém conta as narrativas solitárias das velas profissionais. Eu não esqueci de nós, meus leitores, eu vou escrever também sobre as pessoas que viveram a experiência fantástica de acompanhar os namoros dos outros. 

Nós, as velas profissionais, descobrimos que mexer os pés é uma ótima maneira de passar o tempo. Ficar sozinho com dois casais de namorados apaixonados pode ser uma experiência terrível, porém, facilmente quebrável depois de uma leve dose de humor matinal, (por exemplo, digam: vocês aí, porque não vão pro motel?), essa tática sempre funciona, principalmente, quando o clima está para dois e não para três. Descobrimos que aprender a ouvir o silêncio é uma questão de necessidade, não de cultura. Descobrimos que contar elefantinhos é sempre uma tarefa árdua e fundamental. Cada vela, elabora a sua própria tática, a sua própria estratégia e seu modo de ação. Todas as velas são adoráveis!

Naquele dia, eu contei elefantinhos azuis no céu, esperando e esperando os beijos demorados entre Caio e Miranda. O tempo é relativo para os apaixonados. Mas, para uma vela profissional, o tempo é longo e eterno demais. Imagino que a eternidade deve ser tão chata tal como esperar beijos demorados de casais apaixonados. Deve ser assim o céu, pessoas se beijando sem sexo, eu olhando para cada uma delas, tocando harpa eternamente e sentindo inveja de não ser beijada também.

Romeu e Julieta, por exemplo, quem foi a vela de Romeu e Julieta? Tenho certeza que, nesses três dias de namoro do casal mais famoso da literatura ocidental, havia uma vela que esperava os longos beijos demorados e as declarações de amor mais ridículas. Ah sim! Claro, a vela profissional ganhava para isso, era a Ama. Aliás, foi a Ama quem ajudou Julieta elaborar os planos de fuga, arrumar um remédio que mentiria a morte dela e casar escondido com Romeu. Por que nós esquecemos das ações de Ama? Ela foi fundamental para o casal viver a narrativa de morte, mais famosa da literatura.

Eu olhei de longe os beijos demorados entre Caio e Miranda. Já estava no número quinhentos de elefantinho azul, cansada de mexer os pés. Ah! Paciência é fundamental, fundamental! Minhas caras velas, é preciso pensar em outra coisas. Por exemplo, como era o nome daquela música?

- estava à toa na vida
o meu amor me chamou
pra ver a banda passar
cantando coisas de amor - cantei

Repeti o mesmo verso, sutilmente, mais alto.

- estava à toa na vida
o meu amor me chamou
pra ver a banda passar
cantando coisas de amor

Repeti ainda mais alto.

- estava à toa na vida
o meu amor me chamou
pra ver a banda passar
cantando.... coisas... de... AmoR

Caio percebeu a minha impaciência. Me aproximei dos dois e disse:

- e aí? Podemos ir, já tá tarde, não? - perguntei
- ah, desculpa, Bruna, esqueci de você, vamo sim

Caio puxou-a pela cintura. Deu-lhe um beijo de cinema. Eu segurei o fichário de Miranda, esperando os longos e intermináveis minutos de beijos apaixonados.

- eu te amo, Miranda - disse Caio
- ah, eu também te amo, seu bobo - disse Miranda

Finalmente, descemos a rua. Caio sempre fazia aquela postura de homem do filme Casablanca.  Eu ficava ainda mais silenciosa, sentia que não deveria estar inserida nessas cenas.

- ah, você viu que lindo! - ela disse, - ele disse que me ama! Bruna, ele disse que me ama!
- é, eu vi sim, Miranda

Não preciso dizer que ela passou o dia falando com detalhes todos os beijos demorados e intermináveis que Caio lhe dava. Eu percebia que a boca dela se mexia, era um movimento constante, de abrir e fechar da boca, o som saía da boca. Miranda falava, eu que não escutava. Pois, estava distraída tentando lembrar os versos da canção de Chico Buarque, como é que eu tinha esquecido a música inteira, ia tocá-la no próximo domingo. Falei baixinho:

- o velho fraco se esqueceu do cansaço
- que foi, Bruna?
- que foi o que?
- que você disse?
- eu disse que o fedelho do Caio não se cansou de beijar você hoje, não é?
- ah! Você viu! Ah que lindo que é ele!
- é, sim! Quase não deixou você voltar pra casa
- pois é, é que ele é demais, Bruna, blá blá blá blá blá

Ah! Meus duendes verdes, me proteja sempre da breguice insuportável de se apaixonar pela primeira vez. Amém!

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