sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Educação Amorosa: o primeiro amor

Estou tentando lembrar alguma coisa boa que aprendi na escola sobre amor. Juro que estou me esforçando, mas, realmente, o assunto de amor foi uma educação de violência, intolerância e preconceitos. Para conseguir escrever esse texto, vou continuar tentando lembrar o ódio que eu tinha de ir à escola. 

Quarta Lição: aprendendo sobre os primeiros amores  

Era aula de matemática. Subitamente, não era ouvido nenhum cochicho indelicado e desnecessário. Estávamos aprendendo sobre as equações de primeiro grau, era um assunto que eu tinha muita dificuldade. A professora Maria Antonieta era uma senhora de cabelos loiros, olhos claros e poucas falas. Explicava matemática como se contasse anedotas. Era visível a sua relação amorosa e rotineira com os números. 

Eu não era diferente das outras meninas, também ficava muda, quando a senhora alta e silenciosa entrava na sala de aula. Esbanjando sabedoria, sem gritarias e, absolutamente, plena de si mesmo, domava alunos entre doze e catorze anos, com paciência, sem gastar a garganta com gritos e um silêncio monumental. Começava a lecionar sem explicações enfeitadas, era a matemática do dia-a-dia, visível no mundo e presente nas nossas jovens vidas também. Eu tinha muito medo da professora Maria Antonieta, principalmente, quando nos olhava com olhos serenos e rígidos, ficava apavorada quando ela pedia a resposta de equações. 

Ela enchia os nossos cadernos com vários problemas e exercícios de matemática, costumava dizer que a matemática é um exercício cerebral, é preciso fazer, repetir e repetir. Não era importante o resultado, mas os caminhos que percorremos para elaborar um raciocínio. Muitas vezes, costumamos xingar os nossos professores da escola, dizer que são ruins, mas alguns são surpreendentes. A professora Maria Antonieta foi a minha melhor professora de matemática, foi uma pessoa surpreendente na minha vida.  

Muitas histórias para contar sobre essa professora, mas esse não é exatamente o foco do texto. As meninas estavam mandando entre si bilhetinhos que guardavam histórias sobre a vida amorosa e outros assuntos que nunca soube direito. Nunca recebi esses bilhetinhos nas aulas de matemática, o que me dava a impressão que, realmente, não pertencia à tribo. Tentava relaxar e distrair com as equações de primeiro grau, mas tinha mesmo muita dificuldade com matemática. Nunca tive uma ligação forte com os números, era uma estudante dedicada apenas, havia algo naquelas aulas que, realmente, aumentava o meu interesse pelos estudos. 

A aula acabou, a próxima aula era vaga. Decidi que ia atrás das meninas e descobrir o que elas escreveram nos bilhetinhos. Aproximou-se da tribo uma menina da 7B, nós éramos da 7A. Essa menina da 7B era chamada Márcia, tinha cabelos curtos pintados de roxo. Era muito amiga de Miranda, falava muito. Márcia foi criada apenas com o pai, a mãe parece que abandonara quando ainda era um bebê. Eu acreditei que nós duas iríamos nos identificar imediatamente, afinal, meu pai era uma figura que odiei até os meus 21 anos de idade com muita intensidade na minha vida, sempre considerei apenas a criação materna, o ódio do meu pai foi constitutivo da minha personalidade, me definia inclusive. Entretanto, não foi isso que aconteceu, Márcia era uma menina muito carente, queria só chamar atenção, tagarelava, tagarelava e não escutava ninguém. 

- eu estou apaixonada, meninas - disse Miranda 
- eu também estou apaixonada - disse Márcia 

As meninas escutavam como se fosse um acontecimento radical na vida de todas. 

- o primeiro amor a gente não esquece - disse Miranda 

- nós temos uma essência, ela acompanha gente por todos os lugares. O primeiro amor é para sempre, marca a gente - disse Alice

Eu sempre achei uma bobagem essa história de primeiro amor, porém, era uma menina muito covarde para falar o que eu pensava. 

- eu já me apaixonei por alguém, mas ele está no Hélio Motta, nunca mais vi ele - disse 

Era outra mentira. Depois da primeira mentira, as outras saem com mais naturalidade. No fundo, o primeiro amor, para mim, era uma espécie de mito. Uma bobagem que contavam às meninas para elas sentirem culpa ao longo da vida inteira. Os filmes de comédia romântica atrapalham muito a realidade dos relacionamentos amorosos, todas nós, em menor ou maior dosagem, alimentamos as nossas imaginações com esses filmes. Isso é um tanto nocivo, na verdade, é um veneno mesmo. 


- gente, eu estou apaixonada pelo Filipe, ele é tão lindo - disse Márcia, - ele me deu um beijo ontem. Ah! Imagine só ele me dando um anel de namoro

Suspiros intermináveis. Eu, às vezes, suspirava, às vezes, ficava calada, olhando as nuvens ou os meninos jogando cartas. A Alice percebeu que eu estava olhando um dos meninos fixamente, isso porque ele tinha uma carta que eu desejava do baralho de Yu Gui Uoh. Esse menino era Rafael, era um menino gay, visivelmente, gay, mas ele ainda não tinha aceitado essa sexualidade, também nem poderia. Já disse: o preço da diferença numa escola é muito alto. 

- olha, Bruna, por que você não fica com Rafael? - ela me puxou e me levou ao Rafael, - oi, Rafael, você tá gatinho, hein? Por que você não fica com a Bruna, ela também tá gatinha?

Nada contra a Alice. Ela era uma amiga muito especial. Mas, se tinha algo que me irritava nela, eram essas atitudes, como se eu fosse incapaz de cuidar da minha vida. 

- por que você não fica com ele, Bruna? - perguntou Alice

Eu fiquei vermelha de raiva, mas pareceu que era de timidez. De repente, ouvi os risinhos insuportáveis ao redor. Por que eu não ficava com Rafael? Porque ele era não queria, porque eu não queria e, porque, era óbvio que ele não gostava de meninas. Era uma violência dupla, tanto para mim e muito mais para ele. Afinal, estávamos lá, aprendi que a paquera precisava de uma segunda ou terceira pessoa para mediar. Nunca respeitei essa regra na minha vida, os homens que me envolvi mais tarde, não tive nenhuma mediação por terceiros. (Ainda bem). 

- não quero, vamo embora, Alice - disse 
- não quer, por que? Ele é bonitinho - disse Alice
- porque eu não quero, simples assim, vamo lá, olha, as meninas tão esperando a gente - disse 

Rafael ficou constrangido. Eu fiquei constrangida por ele e por mim. Fiquei muito brava com Alice, não demonstrei, mas meu desejo era não conversar com mais ninguém, ignorando-a, só que fiquei com medo que ela pensasse que eu era uma otária. Fiquei muito brava mesmo, porém, eu tinha um péssimo hábito de guardar as minhas raivas para ser aceita. 

- que foi, Bruna?
- não foi nada, eu vou caminhar um pouco

Quando eu falava que ia caminhar um pouco. Costumava me esconder na biblioteca. A biblioteca era um lugar que os alunos não podiam frequentar, era o lugar que os casais se escondiam para beijar na boca. Eu gostava de ir, porque não tinha ninguém, era silencioso e, às vezes, dava sorte de encontrar a biblioteca aberta, então, eu ficava escondida para ler livros lá. Entretanto, se a Diretora ou a Coordenadora da escola visse qualquer aluno na biblioteca, era levado imediatamente à Direção para receber uma advertência ou uma suspensão. Fui à mesa da Direção da escola, apenas duas vezes na minha vida, sempre pelo mesmo motivo: você está frequentando lugares que não devia. O curioso é que era, para mim, uma proibição irracional. Como alguém impede um aluno de frequentar a biblioteca? Não parece algo lógico, até hoje... 

Enfim, eu me escondi na Biblioteca, ela estava fechada. Era um lugar escuro, muito silencioso. Eu agarrava minhas pernas e ficava observando a porta azul com os escritos: Arquivo Morto. Desejava que o dia acabasse, orava no fundo da minha alma para não passar por nenhum constrangimento parecido. Na realidade, de novo, estava elaborando uma lista de vinganças na minha cabeça ou tentando elaborar algum feitiço para desaparecer de vez. Quando bateu o sinal, limpei algumas lágrimas que tinha espalhado no meu rosto e subi até a minha sala de aula. 

Estavam sentadas, discutindo sobre o tal primeiro amor. Miranda me convidou para sentar perto delas, eu me aproximei. Ela disse:

- você, Bruna, acha essa história de primeiro amor uma bobagem, porque você nunca se apaixonou, quando você se apaixonar vai parar de achar bobagem, vai até dar sentido pro pagode romântico

- eu nunca disse que acho essa história de primeiro amor uma bobagem, só não acho que a gente precisa ser tão dramática. Só isso, eu nem acho saudável

As meninas olharam para mim com os mesmos olhares de recriminação. Eu já estava muito brava, fingi que não percebi, fiquei calada. Elas falaram mais outras bobagens, eu contava nos dedos para ir embora para casa. O sinal, finalmente, bateu. 

Fomos embora. Eu não desejava voltar, se eu voltasse, meu sonho era ser muda e surda. 

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