quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Educação Amorosa: o última dia de aula

Eu escrevi dezesseis aprendizagens que eu tive na escola sobre amor. Fiz um esforço para equilibrar as coisas boas e ruins que aprendi no colégio, mas eram importante a fúria e o ódio na escrita desses textos. Afinal, durante oito anos, a melhor sensação que eu sentia era não estar dentro de uma escola. Era ir embora. 

Muitas vezes, eu escuto de pessoas mais velhas que elas adorariam reviver as suas experiências da juventude, tendo o corpo de vinte anos com a cabeça de quarenta ou cinquenta anos. Eu acho isso uma bobagem, além de uma asneira, eu acho que é uma espécie de fuga da vida, é uma fantasia. Funciona como álcool, cigarros ou drogas ilícitas. Pegamos o passado e lembramos somente das coisas boas, esquecendo completamente das coisas ruins que densaram as nossas vidas. Esquecendo, talvez, que se você perguntasse para a pessoa jovem que você era, caro leitor, provavelmente, não gostava de viver daquele jeito ou faria aquilo da mesma forma estúpida, (porque, naquele momento, o fazer-estúpido dava sentido a sua existência).  

A graça é essa, é o que torna a vida cômica e bela. (Pelo menos, na minha opinião). Não gostaria de voltar ao passado, não pagaria por nada para voltar à escola, ter a minha infância ou a minha adolescência de volta. Eu pagaria, se eu pudesse, para viver mais e cada dia mais, da maneira mais intensa e urgente possível. Até, finalmente, morrer como um ato final de surpresa. Afinal, somos passageiros da vida e as coisas passam. 

Décima sexta lição - o último dia de aula 


No último dia de colégio, nada demais aconteceu. O dia pareceu banal demais. Tivemos seis aulas vagas seguidas, as pessoas que nunca se falaram, passaram a se abraçar e escrever declarações carinhosas nos uniformes do colégio. Não tiramos fotografias, eu lembro que assinaram o meu uniforme, lembro de duas cartas que recebi das meninas da tribo e do sorvete que ganhei do Caio, (ex-ficante de Miranda). 

Eu fiquei sentada no chão do pátio, sentindo que minha vida não era impressionante. Feliz, porque sabia que não precisaria pisar os pés naquele colégio de novo. O pátio parecia enorme demais para os meus sonhos; eu parecia estar livre demais. Confesso que houve, por alguns momentos, uma sensação estranha de liberdade e alívio. Alice me abraçou e me disse:

- agora, tudo vai ser diferente

Pareceu um clima de ano novo, tinha um ar renovador na atmosfera. Eu tive a sensação que, na outra escola, sem a presença dessas pessoas, sem vestir esse uniforme escolar, sem o medo e a minha covardia, tudo poderia ser diferente. Senti alegria, Rafael me disse:

- finalmente, vamo sair dessa merda 
- pois é, Rafael 

Caminhei até a biblioteca da escola pela última vez. Me escondi lá pela última vez, olhei a placa escrita Arquivo Morto pela última vez. Cantei músicas de rock n' roll pela última vez. Apesar de fazer tudo isso pela última vez, não tinha aquela ar solene de último dia de aula, o clima ano novo era evidente. Mas, ninguém parecia notar a fragilidade que era viver aquele último dia de aula. Eu não notei, vivi com a mesma naturalidade dos outros dias, torcendo para acabar as aulas, torcendo para chegar a hora da saída. 

As meninas da tribo choravam. Alice abraçava Miranda. Miranda abraçava Aninha. Aninha abraçava as duas. Elas choravam e choravam. As três diziam que seriam amigas para sempre, cultivariam a amizade e seriam eternas. 

Os meninos jogaram futebol pela última vez. O gol de placa foi de Caio que dedicou ao amor da vida na escola, que não era segredo para ninguém, para Miranda. Ela o ignorou. Os meninos estavam todos suados, as meninas choravam.  Eu estava sentada olhando e recontando os números de tijolos que estavam no muro da frente, como eu fazia todas as vezes e todos os dias nas aulas de educação física e nas aulas vagas. 

Finalmente, bateu o horário para ir embora. O sol estava quente, cobria o nosso olhar de luz. Quando olhei para trás, o portão da escola ainda estava aberto, ainda saíram alunos chorosos. Rafael me disse:

- tchau, Bruna, até mais! - disse
- tchau, Rafael, até mais e se cuida! - eu respondi 

Fiquei parada algumas horas, pensando. Não sei bem o que estava pensando, alguns pensamentos voam para sempre e nunca mais retornam à cabeça. 

- Bruna, você podia me devolver a minha borracha? - perguntou Kevin
- ah sim, Kevin, desculpa - devolvendo a borracha, - tá aqui ela! 

Kevin guardou a borracha, olhou-me tranquilamente e disse:

- até mais, Bruna, se cuida 
- você também, Kevin

Foi tão banal, tão comum a despedida da escola. Mais tarde, encontrei-me com a Alice, foi a única das meninas da tribo que encontrei anos depois. Ela mudou radicalmente algumas opiniões, outras permaneceram iguais, transformou-se numa mulher sensual e muito atraente. Ela foi o meu último grito que precisava externar da minha adolescência; abandonar Alice na minha imaginação foi mais libertador do que cabular aula pela primeira vez. 

Quando a encontrei e conversamos. Cheguei, finalmente, à algumas conclusões sobre as coisas que eu aprendi na escola. Não quero escrever um desfecho, meu caro leitor, com uma moral da história. Até, porque, é um tanto impossível destilar uma moral depois de tantos acontecimentos desconexos e aparentemente absurdos. Entretanto, quero dividir com vocês, talvez, a maior explicação que posso dar para tantos acontecimentos banais no último dia, (que teoricamente deveria ser o mais solene). 

Não é possível imaginar o que um aluno vai ser depois da escola. Acho que o mais terrível para um professor é lecionar para cabeças tão diferentes entre si, com experiências tão distintas e singulares. Um professor na sala de aula fica apavorado, porque são várias cabeças pensando ao mesmo tempo, são pessoas vivendo ao mesmo tempo, criando novos conceitos ou sustentando os velhos dilemas. Não era possível prever a pessoa que eu me tornei hoje, nenhum desses acontecimentos determinaram a pessoa que eu sou e, muito menos, determinaram as mulheres que, um dia, já fizeram parte das meninas da tribo. 

A minha imaginação mudou, o que condicionou a mudança foi a própria experiência do tempo. A vida é bem malandra, não determina nada; ao contrário, ela trapaceia, tira as nossas meias e nossos tapetes. Não é possível prever uma pessoa através de um número de matrícula, de uma nota baixa ou de um uniforme escolar. Uma garota vestida com um uniforme escolar comete erros e também está vivendo, caminhando pelas ruas,(me lembrei dos versos de Bukoswki: ah! como eu queria trepar com essas menininhas do colégio, mas é impossível). Acho que essa foi a melhor declaração de amor que já fizeram às meninas do colégio.  Não é possível prever o que tempo pode fazer com elas. 

Vou terminar esse texto aqui, disse que não seria um grande texto, seria um texto modesto. Eu não gostei muito de escrever sobre mim, creio que é mais interessante escrever as histórias das galinhas. Na próxima vez, eu narro a vida amorosa das galinhas, a minha é insignificante. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário