sábado, 15 de novembro de 2014

Educação Amorosa: sedução e esquizofrenia

De acordo com muitos amigos meus, eu sou a pior pessoa para dar conselhos amorosos. Eles não estão errados, só que tenho outra ambição, escrevo sobre amor, porque desejo escrever ficção científica. Bukowski já aconselhou aos jovens escritores para escrever alguns péssimos poemas de amor, transar com belas mulheres, esquecer de pagar o cartão de crédito, bater forte na máquina de escrever e beber cerveja. Eu estou somente seguindo os conselhos dele. 

No caso, não sou uma escritora marginal, sou mais uma jovem escritora, mais uma anônima. Mas, isso não importa, o que realmente importa é escrever sobre a educação amorosa que se aprende nas escolas. O resto é só papo furado. Continuando a série de textos terríveis, com fúria e ódio. 


Quinta Lição: aprendendo a seduzir 

Na adolescência, escrevi poesias, elas não eram boas. Cheguei à conclusão que, na verdade, meu desejo de poetisa era fazer poemas como Waldick Soriano ou textos semelhantes à canções como Negue, Toca Fita do carro e etc. Na realidade, eu queria ser a Maria Bethânia cantando Negue e Explode coração. Era o meu sonho enrustido de adolescente.  

Mas, o máximo, que eu chegava, era escrever dois ou três versos idealistas. Toda a forma de idealismo é nojenta, principalmente, quando o ideal é deslocado da realidade, regado a bondade e a virtude que desumaniza qualquer pessoa. Na realidade, esses dias pensei num poema que, talvez, pudesse ilustrar meus pensamentos eróticos dessa fase. Era algo mais ou menos assim:


A tua boca

na tua boca 
transborda 
solta 
a língua 

a tua boca 
morde 
minha boca
mordo 
a tua boca 

a tua boca 
come 
minha garganta
que come 
tua boca

a tua boca 
lambe
minha orelhas 
que come 
a tua boca

a tua boca 
engole 
minha sede
que lava 
a tua boca

a tua boca 
me come 
sou comida 
da boca 
que eu como

o boca-boca 
não desafoga 
o corpo 
dos afogados 


Dizem que a Literatura Mundial é contada por causa dos poemas que falam de amor e sexo. Uma vez, virei amiga de um escritor carioca. Ele costumava dizer que o amor é a palavra que mais move pessoas numa guerra. É a palavra mais contaminada de sangue na História. As pessoas são capazes de matar e morrer por amor. Deus também é uma palavra assim. Por Deus e Amor, a barbárie é justificada ao longo dos anos. 

Escrever poesias era minha distração na escola, quando iniciei a escrita de diários. Eu passava horas, esperando as aulas vagas intermináveis acabar, escrevendo poemas de amor inglórios e idealistas. Era divertido, confesso, escutava músicas o dia inteiro, enquanto escrevia poemas, anotações e observações do comportamento dos outros. Sempre achei que não era uma grande observadora, a minha vida era tagarelar, tagarelar e tagarelar. Falava demais, soltava palavras por impulso. Eu era fogo. Brincava com isqueiro, porque eu tinha fascinação de ver as coisas sendo queimadas ao olho nu.

Falava, falava e falava. Não era muito adepta ao silêncio, fui aprender a importância disso mais tarde. Mas, nunca perdi a fascinação de queimar fotos, textos, poemas e passar o dedo na chama quente, buscando o risco de queimar.   

Nesse dia, quando eu estava escrevendo mais um extraordinário poema de amor, (ao menos, na minha cabeça!). Apareceu um menino na escola que chamou a minha atenção, roubou minha distração e, por alguns minutos, preencheu a minha imaginação de desejos que eu jamais havia sentido. Esses desejos não estão relacionados ao amor, pelo menos, não era o amor idealista e abstrato que cultivamos na nossa mente, criamos futuro e alimentamos insistentemente, acreditando na sua cruel bondade. Naquele momento, eu desejei no fundo do coração engolir o menino com a minha boca, eu não conhecia o sexo, o máximo que imaginava era um beijo na boca. 

O beijo na boca era um acontecimento; quando nos apaixonamos, ficamos um tanto crianças e mostramos algumas fragilidades. Eu fiquei sem jeito e pedi para uma das minhas amigas me ajudar a lidar com esses desejos. Miranda, então, tentou me ensinar a seduzir um menino. 

- então, você tá gostando do menino novo? - ela perguntou
- eu sim, na real, acho ele bonitinho, - eu disse, - o que eu faço pra ficar com ele? 
- primeiro lugar, você não pode falar com ele - disse Miranda
- mas, se eu não posso falar com ele, como é que ele vai saber que eu quero ele? 
- ele tem que perceber, você tem que mandar alguns sinais. Tipo, passar a mão no cabelo - Miranda passou a mão no cabelo, - agora, faça você e sorria 

Eu repeti o mesmo gesto e sorri. Me senti uma idiota. 

- não é assim, Bruna, você tem que passar a mão no cabelo desse jeito. Tem que ser mais delicada - Miranda explicou didaticamente 

- me diz, isso funciona? 
- o quê?
- essa coisa de passar a mão do cabelo e o menino adivinhar o interesse. Funciona ou não? 
- não é adivinhar, Bruna, é perceber, entendeu?
- tudo bem, isso funciona, Miranda, essa história de mandar um sinal e o cara advi, perdão, perceber?
- ah, funcionou comigo, o Caio percebeu, eu fiquei com ele e eu amo ele, vai funcionar com você. Mas, você tem que fazer do jeito que eu estou falando

Miranda parecia a Monalisa, eu parecia um idiota tentando imitar a Monalisa original. Depois de passar o ridículo da imitação, eu senti vontade de sair correndo e fingir que não estava sendo uma pessoa idiota, esqueci o interesse fugaz que senti pelo menino novo do colégio. O menino não reparou nos meus sinais, foi uma das cenas mais ridículas que já vivi. Olhei para Miranda, senti desejo de dizer: "por que eu não faço do meu jeito?" Para variar, não falei, fiquei observando a minha covardia e a cena ridícula de passar a mão do cabelo que eu estava me submetendo.  

- vem cá, quanto tempo demora pra isso funcionar? - eu perguntei
- não sei, às vezes, meses ou anos, mas ele que tem que perceber - Miranda respondeu
- deixa eu ver se entendi. Se eu gosto de um menino, ele não deve saber que eu gosto, é isso?
- não, se você gosta de um menino, ele tem que perceber
- mas, como é que ele vai perceber, se eu não contar? Quer dizer que ele tem obrigação de ser um adivinha?
- Bruna, ele tem que perceber e pronto - disse, irritada, Miranda. 
- Miranda, mas ele vai perceber como? Ele é profeta por acaso?

Miranda ficou brava comigo, parou de conversar comigo. Eu ri, o menino novo foi embora do recinto. Terminei voltando para escrita de poemas de amores imaginários, (pelo menos, o ridículo era autoral). Naquele dia, escrevi A Canção de amor, depois, guardei na gaveta. 

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