domingo, 16 de novembro de 2014

Educação Amorosa: sexo e moda

Depois da aprendizagem esquizofrênica de sedução que eu tive com as meninas, retomando o último episódio. Aprendi que, ao se interessar por uma pessoa, o correto é não demonstrar o interesse afetivo, ou seja, a pessoa precisa ser um adivinha para entender o que está sentindo por ela. Portanto, a comunicação amorosa efetiva é aquela que não se comunica, inventa uma linguagem esquizofrênica.

Essa comunicação amorosa possibilita a falta de entendimento do não que alguns meninos insistem em reafirmar que essa negativa tem o significado oposto, na realidade, não é só um outro modo de dizer sim. A palavra talvez também é outro modo de dizer sim. Entretanto, a palavra sim significa apenas que a menina é uma dada, portanto, uma vadia, piriguete, funkeira, que não merece ser respeitada pela comunidade escolar.

Depois dessa aprendizagem edificante, comecei os primeiros passos para iniciar a minha vida amorosa. Aqui, vamos a sexta lição que aprendemos na escola sobre Amor. 

Sexta lição: aprendendo a moda do sexo 

Se pensar que, em menos de 50 anos, os costumes do Brasil mudaram radicalmente. Quando a minha mãe era jovem, a moda era a virgindade. Quando a Leila Diniz era ainda viva, andando pelo Rio de Janeiro cantando a música Papo firme, de Roberto Carlos, (pelo menos, é essa representação mítica que eu tenho na minha cabeça da figura de Leilinha), os anticoncepcionais eram consideradas armas perigosas. 

Meninas adolescentes com anticoncepcionais na bolsa eram consideradas prostitutas, por isso, marginais. Se pensar que a invenção dos anticoncepcionais e a informação da AIDS foram conhecimentos e técnicas de natalidade bem recentes na sociedade. A ideia da minha adolescência ser muito sexualizada por conta das haves, das drogas mais acessíveis e da liberdade herdada de 1970 não parece ser tão descolada ou mesmo impossível. 

A moda era fazer sexo, não era ser virgem. Esse foi um salto da modernidade muito bonito, pensar que as mulheres podem decidir quando e com quem elas vão começar a sua vida sexual, dar o direito autônomo de decidir a sua vida. A frase da Leila Diniz: eu dou pra todo mundo, mas não dou pra qualquer um, é uma frase revolucionária. A mulher está constituído o seu direito como sujeito da sua vida amorosa e sexual. Uma Julieta do século XVI, de Shakespeare, por exemplo, quando empoderou esse direito, ela terminou morta, porque correu o risco da subversão da família tradicional. Esse salto da modernidade foi incrível, devemos muito das nossas vidas à 1970 e 1980, (levando consideração que a década de 80 foi o boom do rock nacional). 

Um dos principais fatores que fez esses sonhos desabarem, (que deu bosta!), foi o processo de globalização intensificado e o modelo econômico capitalista que se tornou hegemônico depois do fim da União Soviética. Desse modo, o padrão de vida de sucesso das pessoas era ter poder de consumo e dinheiro para realizar as suas vontades. As liberdades e as exigências da contracultura de 1970 foram jogadas para debaixo do tapete e transformadas em moda. Sexo não era uma forma de conhecimento, mas uma forma de consumir o outro e mostrar poder. 

Eu era virgem, demorei para começar transar, segundo as exigências imperativa da minha geração. Aos 14 anos de idade, estávamos vivendo o governo federal de Lula. Tudo parecia revolucionário demais, belo e divino. Então, por que a angústia com Sexo? Por que aprender sobre sexualidade parecia tão perturbador do que era nas juventudes anteriores? Por que o moralismo era tão presente nas nossas vidas ainda? Por que o sofrimento de seguir tantas exigências da modernidade parecia ser um peso árduo dos anos que nós precisávamos carregar? Por que o sexo ainda era uma aprendizagem de violência?

Do meu ponto de vista, ainda era uma aprendizagem de violência, porque não superamos as intolerâncias da sociedade. Simples assim. Mas, as explicações são múltiplas.  A primeira menina que começou a transar da tribo foi Aninha. Era uma menina que tinha a aparência de rockeira, ia para escola de preto, parecia uma pessoa super "prafrentex". Entretanto, era só mais uma aparência de liberdade.

- pra transar com alguém é preciso esperar mais ou menos dois anos - disse Alice
- tem que ser um cara legal - afirmou Aninha
- bonito - disse Miranda, -  e com um puta corpão
- com pegada - disse Aninha

Todas riram.

- é preciso sempre esperar a hora certa, - disse Aninha, - mas, a gente tem que fazer sexo - perguntou Aninha, - e você, Bruna, quando é que você vai fazer?
- não sei, quando for pra fazer - eu disse
- mas, você não tem nenhum menino? - perguntou Alice
- não
- por acaso, você tem alguma menina? - debochou Aninha
- também não - respondi com desconforto
- gente, é muito bom fazer sexo, é algo que muda a sua vida total, você passa a enxergar as coisas de um modo diferente, sabe

É claro que a curiosidade é muito grande, quando existe algo que nunca se fez e existe alguém falando desse assunto. Todas perguntaram imediatamente para Aninha:

- aí, doeu?
- só um pouquinho no começo, mas depois ficou bom
- tô pensando em fazer sexo com Caio - disse Miranda

Todas olharam, surpresas. Eu disse:

- mas, quando?
- hoje - disse Miranda, -, eu tive uma ideia. Mas, você vai ter que me ajudar, Bruna!

Eu ouvi atentamente.

- a gente costuma descer juntas. Então, as outras meninas vêm comigo até a casa do José, o Caio vai ficar lá o dia inteiro e você, Bruna, me dá cobertura, desce sozinha e fala pros meus pais que eu tive que ficar mais tarde, porque estava fazendo trabalho com as meninas, entendeu? - disse Miranda

- pera aí, vocês todas vão cabular aula e eu vou ficar na escola? - perguntei

- pra me dar cobertura, por favor, Bruna - pediu Miranda

- tudo bem, eu dou cobertura - disse


Eu fiquei na escola, vivendo seis intermináveis aulas vagas naquele dia. Quando terminou, desci sozinha até a minha casa, esperando e torcendo que a Miranda chegasse antes que os pais dela. Ao me distrair com as nuvens de novo, Miranda desceu correndo e puxou o meu cabelo para acabar com as minhas distrações do mundo.

- e aí, deu tudo certo? - perguntei
- não, nem aconteceu nada - respondeu Miranda
- como assim?
- quase aconteceu, Bruna, mas eu fiquei com medo, sei lá, ele me puxou pra ele, beijou o meu pescoço, deu aquele beijo com mordidinha que eu gosto. Foi tudo muito gostoso, mas quando começou a passar a mão na minha bunda, fiquei com medo e saí do quarto. As meninas estavam brincando com o sobrinho do José, é um bebê bonitinho, acabei ficando lá e deu a hora. Aí, a gente foi embora - disse Miranda
- então, não aconteceu nada? - repeti - , puxa!
- puxa? Por que?
- por nada

Ficamos silenciosas. Miranda fez uma pergunta repentina:

- o que você acha dessa história de fazer sexo cedo?
- eu não tenho uma opinião formada - eu disse
- fala, Bruna
- eu não faria, não conheço ninguém bacana pra fazer. Quero fazer, sinto curiosidade, mas, fico me perguntando se eu vou fazer isso pra mim ou se eu vou fazer isso por causa de vocês
- como assim?
- se eu fazer sexo pra mim, não preciso ficar contando histórias; agora, se eu fazer sexo pra vocês, vai dar muito trabalho, nem sei se eu vou ficar feliz, porque eu vou ter que contar histórias
- mas, Bruna, a gente tem que fazer
- eu sei, a gente tem que fazer, mas, agora, o beijo na boca, pra mim, ainda é muita informação

Paramos de conversar.

- você acha que eu devia transar com Caio?
- eu não sei
- diz, Bruna -  Miranda exigiu uma resposta
- eu acho que não

Depois de muito silêncio, ela me perguntou:

- já quase aconteceu com você?
- com meu amigo lá do Hélio Motta

Menti descaradamente.

- mas, você ficou com medo também?
- também saí correndo

As nuvens estavam fazendo formatos de cachorros, parei de prestar atenção à descrição épica do beijo e dos carinhos maravilhosos de Caio. Senti vontade de perguntar à Miranda se ela também se masturbava, mas fiquei envergonhada, fiquei com medo de sentir que eu era uma otária.

- você quando beijou o Edu, você guardou o cheiro dele? - perguntou Miranda

O Edu é o episódio do meu primeiro beijo, depois eu explico.

- não guardei nada, senti vontade de sair correndo - disse
- o cheiro do Caio é tão demais - suspirou Miranda
- eu nunca guardei cheiro nenhum
- então, talvez, é porque você nunca beijou alguém que você gostava, né Bruna
- é, talvez - disse sem força

Miranda começou a descrição detalhada do cheiro maravilhoso e suave de Caio. Eu sorri com dentes amarelos, senti repulsa por minhas atitudes de beijar garotos que eu não sentia sequer desejo, eles, apenas, eram empurrados para mim, como restos e sobras. Já estava perdida dentro de mim, introspectiva, querendo contar o que me machucava, mas ouvia atentamente as confissões amorosas de Miranda. As nuvens estavam perdendo o formato de cachorro e ficando disformes; eu estava sozinha.

- ah! O cheiro do Caio! - suspirou Miranda

Os pais de Miranda apareceram para buscá-la, beijei o rosto de Miranda e me despedi dos pais dela. Ela foi embora, eu fiquei mais alguns minutos observando os formatos das nuvens disformes. Minha mãe me viu sozinha sentada na calçada e gritou pela janela:

- filha, venha pra casa, já tá ficando tarde
- tá bom, Mãe 


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