sábado, 22 de novembro de 2014

Educação amorosa: cabulando aula

Eu estava ouvindo as músicas que mais marcaram a minha vida. Sem dúvida, Nirvana foi uma banda de animais; mesmo assim, foram as músicas de Nirvana que filtraram a minha adolescência. Marcou minha fúria. Kurt Cobain cantava mal, na verdade, ele gritava. Essa banda não tinha nenhum refinamento musical, mas tinha o grito de ódio que precisávamos externar:

who knows? Not me 
We never lost control 
you´re face to face 
with man who sold the world

Nós todos morreremos sozinhos, vagando milhões e milhões de montanhas, procurando e procurando. Quem sabe até fazer amizade com o homem que vendeu o mundo? Não é um má ideia cultivar amizades assim. Kurt Cobain, você era um animal, ainda bem que gravou essa canção de Bowie. Ainda bem que os poetas fazem profecias sobre o mundo pós-apocalíptico. Pena que achamos que a poesia é perda de tempo. Pena! 

Rock n' Roll é um grito de ódio. É a recusa dos refinamentos musicais, é a certeza de que o mundo não pode mais produzir poesias depois de tantas guerras, sangue, mortes e torturas. O mundo só pode produzir gritos de indignação, só pode produzir o lixo cultural. Rock n' Roll é mais do que uma música, é o símbolo da decadência de uma época. Nós que temos manias de modernidade, temos fascínio pelos feios, péssimos e repugnantes. 

There is no future, como diz o punk, there is no future

Quando eu penso nessas coisas, lembro das minhas caminhadas para fugir da escola. Apesar de todas essas palavras intensas, o máximo que eu costumava fazer era cabular aula para ficar no Shopping. Fazer o quê? Isso aqui não é um livro de Henry Miller que você, meu caro leitor, vai encontrar cenas  quentes de sexo, drogas e música. Esse texto é mais modesto, eu tenho uma vida mais cretina. 

Décima primeira lição - cabulando aula 

Era sexta-feira, tinha acordado sem vontade de levantar da cama. Tomei café com leite, comi pão com manteiga, troquei o meu pijama pelo uniforme da escola, amarrei o meu cabelo e fui até a Escola. Chegando lá, os meninos estavam fumando cigarros, as meninas da tribo estavam conversando sobre os meninos. Kevin estava quieto, sentado na escada, esperando o portão abrir. Rafael jogando Yu Gih Oh, também esperando o portão abrir. 

Eu pensei que não podia estar tudo igual. Não era possível que as coisas se repetissem tanto, tudo estava exatamente no mesmo lugar. Eu falei para Rafael:

- vamo cabular aula? - perguntei
- a gente não pode, Bruna, a gente tem aula hoje, esqueceu?
- será que a gente vai ter aula mesmo? Ou a gente vai ter centenas de aulas vagas, incluindo professoras que dormem na sala de aula? Porque se for assim, qual é o problema de cabular aula? 
- eu não vou fazer isso, não, - disse o Kevin
- vocês querem assistir aula? - perguntei

Os dois balançaram cabeça, mencionando que não. 

- então, gente, a gente nunca fez isso, vamo fazer? - disse, - olha, eu não estou com vontade de assistir aula hoje, quero cabular e vou, querem ir comigo? 
- não, Bruna, não vou fazer isso não - disse Rafael - é errado 
 - tudo bem, não quer fazer, não faça - disse, - e você, Kevin, vai entrar?

Kevin pareceu indeciso, então, disse:

- eu não sei, minha mãe não vai gostar disso
- tudo bem, então, vão assistir aula, eu não vou entrar. Depois, vocês me falam como foi o dia de vocês. Eu pareço aqui na hora da saída depois 
- tudo bem! - os dois disseram 

Esperei o portão fechar. Era um portão cinza, minúsculo, que fechava dramaticamente nas nossas caras, se nós não chegássemos na hora certa. Quando esse portão fechou, pensei que estava livre, foi um sentimento imediato de libertação. Depois, eu pensei: mas e agora? Que eu vou fazer até meio dia?

Debaixo de uma árvore, pensei que as meninas da tribo, talvez, não sofressem com essa sensação de vazio, quando elas cabulavam aula, porque, afinal, elas nunca cabulavam sem uma tribo para acompanhar.  A culpa foi minha, eu que inventei de cabular aula sem tribos. Senti tristeza, talvez, eu era a errada na história, tinha dito à elas que sabia ficar sozinha. Entretanto, a primeira vez que cabulava aula sem tribos, o resultado disso foi sentir desespero, porque eu não sabia como me divertir sozinha. 

Me afastei das redondezas da escola, caminhei até o mercadinho próximo, tomei água e fui embora. Caminhei até a rua Alfredo Pujol, olhei os velhinhos desanimados e fui embora. Caminhei até o Center Norte e lá, não fiz nada até às dez e meia. Fiquei olhando as vitrines, lendo os livros da Livraria Saraiva, contando as horas para dar o horário da saída. 

Quando me cansei de ficar na Livraria Saraiva, caminhei até um banco e fiquei sentada. Pensando nas possibilidades da minha mãe descobrir que eu não tinha ido para escola hoje. Fiz um levantamento do que ela poderia fazer comigo: 1) dar uma bronca inesquecível; 2) não deixar assistir televisão; 3) me proibir de sair na rua pra brincar com os meninos. Fiquei apavorada com essas possibilidades, mas já era muito tarde para arrependimentos. Não ia conseguir entrar na escola, depois das sete. 

Cinco minutos depois, quando eu me distraí, apareceu um menino pedindo a minha coca-cola. Eu estava comendo salgadinhos com coca-cola. Esse menino parecia ser muito pobre,  por isso, ele me pediu e eu não consegui negar, oferecendo. Dei a minha coca-cola para tomar um gole, mas esse menino pobre acabou roubando o meu refrigerante e me deixando apenas com o resto de salgadinhos. Não era possível que alguém roubasse de mim uma coca-cola. Nada nessa vida para mim, é impossível, acho que as pessoas devem pensar: nossa que menininha delicada e pequena, deve ser fácil assaltar ela.  (Pior que é fácil me assaltar! Vamos relevar, esse menino roubou, porque devia estar com sede ou com fome, afinal, até meninos pobres querem tomar coca-cola). 

Nada demais aconteceu, fiquei olhando as nuvens depois. Contando os números dos degraus da escada, pensando que não deveria ter cabulado aula. 

Finalmente, deu horário de voltar para escola. Olhei o Kevin e Rafael, estavam sentados me esperando, as meninas da tribo já tinham ido embora, não as vi. Perguntei o que tinha acontecido na escola nessa manhã que faltara. Eles foram categóricos: não aconteceu nada, Bruna, nada. Kevin estava com olhar tristonho, senti que desejava não ter ido à escola pela manhã; Rafael estava com uma expressão cansada, também não queria ter acordado. Me despedi dos dois e fui embora para minha casa. 

Quando voltei, sentei no sofá e assisti ao desenho animado Tom e Jerry. Minha mãe perguntou como tinha sido a escola. Eu respondi:

- hoje, foi o melhor dia, mãe - disse

Eu estava rindo do Tom, enquanto era enganado por Jerry.  

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