quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Educação Amorosa: Beijo na Boca, Amizade e Amor

Até agora, eu só estou falando do Ensino Fundamental, acho que estou misturando as coisas. Mas, estamos entre a quinta e a oitava série, como isso é um tanto ficção, não vou ficar preocupada com o realismo desse texto.

Dizem que a melhor vingança são os anos que dão. A sorte de escrever sobre a Escola é a vingança que o narrador pode fazer através dos comentários. Vou ser sincera, estou escrevendo esses textos para me vingar dos meus coleguinhas da escola, é um desejo inocente e reprimido. Ridiculizar o outro é algo que nós aprendemos na escola. Eu já fiz muitas listas de vingança à la Kill Bill, mas sem a espada japonesa e sem o mar de sangue dos filmes de Tarantino. Dar a outra face é sinal de superação e bondade, mas se vingar é bem melhor. 

Caros leitores, leiam a vingança do narrador. A ficção é má, é brincadeira, caro leitor, estou brincando, não precisa levar esses textos com tanta seriedade. Na maioria das vezes, o que eu aprendi com a escrita de diários, durante esses dez anos, é que nós escrevemos muito para esquecer o dia anterior. 

Terceira Lição: A diferença entre Amizade, Amor e Beijo na boca 


Classicamente, as formas de amor foram divididas pela tradição grego-romana no texto chamado O Banquete (Platão). As três formas de amor são Philo, Ágape e Eros, sendo que, (porcamente falando), Philo se relaciona ao conhecimento científico, Ágape se relaciona ao âmbito religioso, Eros se relaciona diretamente à sedução e ao amor erótico. Não tive esse conhecimento na escola, fui aprender sobre Platão e Aristóteles em outros lugares que eram mais adequados. 

Na escola, a divisão é outra: Amor, Paixão e Amizade. Essa divisão é estranha, são sentimentos, que estão presentes na tradição grego-romana e são mais complexos do que se imagina segundo a Literatura ampla desse assunto. Entretanto, essas são consideradas, na Escola, formas de sentimento, elas são híbridas, não são, exatamente, bem definidas e funcionam de outra maneira. Como os alunos tinham muito tempo livre, constantemente, conversávamos sobre a natureza do amor, da amizade e da atração erótica. 

- amor é algo que não dá para explicar, o primeiro amor a gente nunca esquece, né - disse Amanda 

- amor é, tipo assim, quando você não consegue esquecer a pessoa, quando duas pessoas completam a frase do outro, quando há química - disse Aninha 

Rafaela estava comendo salgadinho de cebola com coca-cola, balançou a cabeça. Sempre há a menina, que conduz a conversa, nesse caso, as duas meninas, que manipulavam o diálogo, eram a Aninha e a Alice. 

- eu mesmo vou perder a virgindade com 15 anos - disse Rafaela 

As meninas olharam perturbadas com essa declaração. Eu disse:

- a amizade também é uma forma de amor, não?  

Aninha me respondeu discordando:

- eu não considero a amizade uma forma de amor 

- amor é outra coisa - disse Amanda 

- mas, eu sinto essas coisas todas que vocês falaram com amigos meus, não vejo muita diferença entre Amizade e Amor. Na verdade, até vejo diferença, mas acho que amizade também é um forma de amar - repliquei 

- mas, amor é diferente, Bruna, você nunca amou ninguém, você não sabe como é, no dia que você amar alguém, você vai descobrir que amar é algo maior que qualquer coisa na vida - explicando didaticamente Alice

Eu ouvi essas sentenças diversas vezes na minha vida, repetidas vezes, com o mesmo tom, com a mesma sensação de ignorância e com o mesmo sentimento que, na verdade, eu estava dois passos atrás de todas essas meninas. Elas patinavam com dois patins, eu mancava, correndo atrás delas; por muitos anos, tive esse sonho e essas sensação. As meninas corriam, tendo o vento como fiel amiga, deixando-as com aparência de modelos de verão, leves e sem preocupações na cabeça, patinavam. Eu mancava, o vento empurrava os meus dois pés para atrás, não conseguia alcançá-las. A sabedoria delas era a maior do mundo, elas eram inalcançáveis. O amor delas era impossível. 

- eu sei lá, viu, Rafaela, sabe que, para mim, uma vez, quase rolou de transar com alguém - retomou Aninha o assunto de Rafaela, - que você acha, Bruna?

- sobre o quê? - perguntei. Sempre fui muito distraída, eu tinha uma memória de peixe para assuntos imediatos, costumava me distrair com as imagens das nuvens e com os meninos jogando cartas. Às vezes, eu tinha vontade de abandonar as conversas das meninas para jogar cartas com os meninos, principalmente, quando ficava com a sensação de desconforto. Eu acabava mesmo me afastando das meninas e brincava com os meninos de jogar cartas. 

- sobre sexo, Bruna, você é meio lesada, hein? Não tá prestando atenção na conversa? Você vai perder a virgindade com quantos anos? - perguntou Alice 

- sei lá, eu não fico pensando que anos que eu tenho ter pra fazer as coisas. Eu acho que esperaria as coisas acontecer um pouco - disse 

- eu vou perder a virgindade com 15 anos - repetiu Rafaela 

15 anos era a idade desejada por todos nós. 

- vocês já beijaram na boca? - perguntou Aninha 

Pronto. Começamos a conversa mais esperada. O beijo na boca era o grande acontecimento, elas eram capazes de ficar três horas (ou mais!) conversando sobre esse assunto. Eu preciso dizer que, até esse momento, o máximo de contato que eu tive com alguém, foi um beijo na bochecha, um quase selinho e um toque de mãos. De resto, o meu entendimento era igual a uma jabuticaba. Todas balançaram a cabeça, afirmando que já experimentaram beijos na boca, depois de alguns anos, fico me perguntando se era somente eu quem mentia nessas histórias, porque vejam só: 

- gente, qual foi a sensação de vocês, hein? - disse Aninha, dando pulinhos de curiosidade, Miranda penteava os cabelos encaracolados dela. 

As meninas ficaram silenciosas. 

- vai, gente, responde. Como foi o seu Rafaela? - perguntou Aninha

- ah, o meu primeiro beijo foi incrível, foi maravilhoso, sabe, o menino tinha gosto de melão, a gente se beijou na escada, foi ele quem teve a iniciativa. Eu me senti flutuando nas nuvens, navegando via láctea e, aí, acordei. Eu fiquei muito sem graça - respondeu Rafaela 

- é isso aí, - disse Miranda -, ah, eu também me senti flutuando nas nuvens, foi maravilhoso também. Eu beijei, pela primeira vez, um primo meu. Eu parecia que ia voar, sabe

Sempre começavam esse tema com um suspiro longo e interminável.

- eu também me senti assim - disse Alice 

Eu balancei a cabeça também, concordando. Não tinha a capacidade de ironia, relevamos a minha falta de prática nesse momento da minha vida. Mas, sinceramente, beijo que nos faz voar! Que beijo é esse que confronta as leis da gravidade? Como os cientistas ainda não descobriram essa propriedade do beijo? Isso não é beijo na boca, isso se chama avião ou astronave, elas deviam fazer astronomia. 

- o meu primeiro beijo me levou a lua - disse Aninha 

Estou falando que elas deviam fazer Astronomia. Beijo que nos leva a lua? Agora, beijo também tem capacidade de teletransporte? Os cientistas podiam usar o beijo na boca para conseguir conquistar o planeta Marte, Imaginem isso: um beijaço terrestre no meio do apocalipse, para sairmos desse planeta inofensivo e covarde. Eu acredito que isso podia ser uma grande contribuição à humanidade. 

- e você, Bruna? É BV? - perguntou Aninha 

O maior arrependimento é que não respondi que o meu primeiro beijo me levou até Plutão, (porque ainda era considerado planeta, quando eu estudava), mas já disse que ironia é um refinamento que o tempo lhe ensina depois, é um presente aos menos privilegiados de beleza e sorte. 

- ah, meu primeiro beijo, me fez ver as nuvens também, foi com um primo meu - repeti a mesma ladainha das outras. 

- ah, o primeiro amor a gente nunca esquece, né, gente - repetiu Alice, - é a essência. Nós temos uma essência de nós. Amanda, satisfeita com a resposta, assentiu com a cabeça.

Eu prefiro não comentar essa tal essência, (pelo menos, ainda). Alice continuou com a tal revelação revolucionária:

- por exemplo, tava lendo a Bíblia, sabe gente, pensei assim num dos mandamentos de Deus. Aquele lá, sabe, que a gente não deve dizer o nome de Deus em vão. Então, tava assistindo novela e pensei que os maiores pecadores são os atores

A Alice sabia que um dos meus maiores sonhos, até então, era ser uma grande atriz. 

- por quê? - perguntei 

- ah Bruna! Os atores vivem falando de Deus nas novelas, ele falam o nome de Deus o tempo inteiro. Logo, eles dizem o nome de Deus em vão, estão pecando

No fundo do coração, eu discordei da afirmação de Alice. As meninas concordaram sem replicar. Eu tentei replicar, mas não consegui. Ficamos por isso mesmo, o meu sonho ficou uma espécie de sonho de pecador. Eu ia dizer o nome de Deus em vão, inclusive nesse momento, enquanto escrevo essas memórias, eu estou dizendo o nome de Deus em vão, já estou mais acostumada com a ideia do Inferno. Deus, Deus, Deus e Deus. Centenas vezes Deus. 

- mas, Alice, não é bem assim - eu tentei replicar 

Bateu o sinal. Era uma campainha horrível, entrou a professora de Matemática na sala de aula. A única professora que conseguia dar aula na Escola. A Professora Maria Antonieta era um senhora de olhos claros, muito silenciosa, alta e com tom de voz pausado e didático, ela era a mais odiada na escola, todos os alunos sentiam medo dela. Calamos repentinamente, a conversa tinha terminado.

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