quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Videogames e Violência

“Na fase final da cultura grega
Cansado de si e de seus gestos
Tentou o homem a representação
Do rosto. Abandonando o volume
Reproduzia a desconfiança da
profundidade, do discurso em espiral
que desceram em torno de si.
A filosofia findara”.  (MAGALHÃES, 1977)

Os jogos de videogame são violentos. É, por conta disso, que as crianças pegam a arma do pai e assassinam seus coleguinhas da escola. A atribuição da culpa pode ser dada aos jogos, afinal são eles que mostram uma realidade, onde as crianças podem matar, ultrapassar os limites de velocidade, atropelar pessoas e desrespeitar as leis livremente. Eles brincam com jogos violentos e acreditam imediatamente que é possível vivenciar as mesmas coisas na vida.
Esse é o argumento mais comum, conciliando a violência e o videogame, que afirma uma relação direta. A causa dessa violência escolar está no fato de as crianças brincarem com videogame. Simplesmente, pelo fato de brincar com jogos violentos, o efeito disso é criar uma possível esquizofrenia nas crianças. Assim, não distinguindo a realidade da ficção, vivenciando uma realidade, onde não há castração dos adultos e eles podem ser os mais fortes.
Segundo Freud, negar a violência e o sexo é ignorar as duas pulsões mais importantes na condição humana. A Bíblia também é muito violenta, existem cenas de incesto, estupro e sangrentas chacinas. Os gregos acreditavam que o herói trágico precisava despertar o terror e a piedade no público: “Como a composição das tragédias mais belas não é simples, mas complexa, e além disso deve imitar casos que suscitam o terror e a piedade (porque tal é o próprio fim dessa imitação)” (ARISTÓTELES, 1991, p. 251-252).
A necessidade de se aproximar mais fielmente possível do real é antiga. Pode-se acreditar que ela se desenvolveu mais no século XVIII ou no XIX na literatura, por conta dos positivistas e da influência do realismo nos gêneros narrativos como Romance e Crônica. Entretanto, esse debate é antigo, Platão, por exemplo, negava a poesia mimética, dizendo que ela era perigosa para a República, expulsando os poetas, afinal os artistas fingiam ser outras pessoas e não conseguiam exatamente explicar a utilidade da arte na vida em sociedade. Mímesis, uma palavra grega, que ganhou diversas traduções ao longo da história como: imitação, verossimilhança, teatralidade e etc. Aristóteles, ao contrário, defende a poesia mimética como uma meio de chegar ao conhecimento e a filosofia. Nos jogos de videogame atuais, essa necessidade de criar jogos que se aproximam do mundo real é só mais uma face antiga da humanidade apreender e expressar as coisas que existem no mundo, também aperfeiçoada com a tecnologia. 
“Édipo Rei”, “Medéia” e “Prometeu acorrentado” são tragédias que também se ancoram em situações fictícias violentas. Na maioria das vezes, o herói precisa tomar uma decisão que mudará o rumo de toda a sua trajetória. Édipo vê o suicídio de sua própria mãe e, em seguida, fura os seus dois olhos, cegando-lhe completamente. Medéia assassina a noiva de Jasão e também assassina seus próprios filhos. Prometeu, após o ato tempestuoso contra os deuses, é castigado para sempre, amarrado numa pedra, enquanto é comido por urubus. A antiguidade nunca negou essas leituras para as crianças. Havia uma crença que, através da arte, era possível aprender e se aproximar do conhecimento.
Jesus Cristo foi crucificado, torturado e humilhado. Sempre, nas sessões da tarde, fazem questão de mostrar essa cena de violência. Insistindo, de todas as formas possíveis, que esse ato de Cristo foi um símbolo de Amor (Ágape).  O cordeiro de Deus, que tirou os pecados do mundo, na verdade, fez esse sacrifício pela humanidade. Não é novidade, a religião precisa do medo e da violência para ensinar conteúdos aos seus crentes.
Os videogames não incitam violência. Na verdade, a violência já existe no sujeito. Pode-se trabalhar a agressividade para outros alvos. No dicionário, a palavra  violento significa: “adj. 1. Que se atua com força ou grande impulso; impetuoso. 2. Irascível. 3. Agitado, tumultuoso. 4. Intenso. 5. Contrário ao direito, à Justiça”. Matar uma pessoa é uma ação que a humanidade já fazia sem precisar de videogames. A doença não está no objeto. Uma mente incapacitada de separar a realidade da ficção é capaz de fazer isso com a Bíblia, as tragédias e etc, colocando a culpa pelos seus atos em Deus ou em escrituras sagradas. A desigualdade social cria tensões suficientemente mortais para resultar em desastres sangrentos.
Não me incomodo com a violência dos jogos de videogames, elas são parecidas com a violência da grande Literatura Clássica e da Bíblia. A diferença é que a imagem se apresenta fenomenalmente. O que é natural, não existe mais uma cultura livresca, há pelo menos dois séculos. É a imagem que conduz a elaboração de pensamentos do mundo contemporâneo. Fico mais incomodada com a violência desmedida e, aparentemente, banal nos jornais matutinos que passam na televisão. Essa violência, observada como algo natural, e que não provoca nenhuma indignação do público. Pode ser motivo de mais estranhamento e revolta, afinal os jornais não são neutros em sua opinião política.

Fonte:

ARISTÓTELES. Poética. Tradução , comentários e índices analíticos e onomástico de Eudoro de Souza. São Paulo: Nova Cultura, 1991. (Os pensadores)
MAGALHÃES, Joaquim Manuel. Vestígios. Coimbra: Centelha, 1977.
Canal mas poxa vida:  Balões, Videogames e Massacres. https://www.youtube.com/watch?v=adKUo2mClNg

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