“Na fase
final da cultura grega
Cansado de si
e de seus gestos
Tentou o
homem a representação
Do rosto.
Abandonando o volume
Reproduzia a
desconfiança da
profundidade,
do discurso em espiral
que desceram
em torno de si.
A filosofia
findara”. (MAGALHÃES, 1977)
Os jogos de videogame são
violentos. É, por conta disso, que as crianças pegam a arma do pai e assassinam
seus coleguinhas da escola. A atribuição da culpa pode ser dada aos jogos,
afinal são eles que mostram uma realidade, onde as crianças podem matar,
ultrapassar os limites de velocidade, atropelar pessoas e desrespeitar as leis
livremente. Eles brincam com jogos violentos e acreditam imediatamente que é
possível vivenciar as mesmas coisas na vida.
Esse é o argumento mais
comum, conciliando a violência e o videogame, que afirma uma relação direta. A
causa dessa violência escolar está no fato de as crianças brincarem com
videogame. Simplesmente, pelo fato de brincar com jogos violentos, o efeito
disso é criar uma possível esquizofrenia nas crianças. Assim, não distinguindo
a realidade da ficção, vivenciando uma realidade, onde não há castração dos
adultos e eles podem ser os mais fortes.
Segundo Freud, negar a
violência e o sexo é ignorar as duas pulsões mais importantes na condição
humana. A Bíblia também é muito violenta, existem cenas de incesto, estupro e
sangrentas chacinas. Os gregos acreditavam que o herói trágico precisava
despertar o terror e a piedade no público: “Como a composição das tragédias
mais belas não é simples, mas complexa, e além disso deve imitar casos que
suscitam o terror e a piedade (porque tal é o próprio fim dessa imitação)”
(ARISTÓTELES, 1991, p. 251-252).
A necessidade de se
aproximar mais fielmente possível do real é antiga. Pode-se acreditar que ela se desenvolveu mais no século XVIII ou no XIX na literatura, por conta dos positivistas e da influência do realismo nos gêneros narrativos como Romance e Crônica. Entretanto, esse debate é antigo, Platão, por exemplo, negava a poesia mimética, dizendo que ela era perigosa para a República, expulsando os poetas, afinal os artistas fingiam ser outras pessoas e não conseguiam exatamente explicar a utilidade da arte na vida em sociedade. Mímesis, uma palavra grega, que ganhou diversas
traduções ao longo da história como: imitação, verossimilhança, teatralidade e
etc. Aristóteles, ao contrário, defende a poesia mimética como uma meio de chegar ao conhecimento e a filosofia. Nos jogos de videogame atuais, essa necessidade de criar jogos que se aproximam do mundo real é só mais uma face antiga da humanidade apreender e expressar as coisas que existem no mundo, também aperfeiçoada com a tecnologia.
“Édipo Rei”, “Medéia” e “Prometeu acorrentado” são tragédias que também se ancoram em situações fictícias
violentas. Na maioria das vezes, o herói precisa tomar uma decisão que mudará o
rumo de toda a sua trajetória. Édipo vê o suicídio de sua própria mãe e, em
seguida, fura os seus dois olhos, cegando-lhe completamente. Medéia assassina a
noiva de Jasão e também assassina seus próprios filhos. Prometeu, após o ato
tempestuoso contra os deuses, é castigado para sempre, amarrado numa pedra,
enquanto é comido por urubus. A antiguidade nunca negou essas leituras para as
crianças. Havia uma crença que, através da arte, era possível aprender e se
aproximar do conhecimento.
Jesus Cristo foi
crucificado, torturado e humilhado. Sempre, nas sessões da tarde, fazem questão
de mostrar essa cena de violência. Insistindo, de todas as formas possíveis,
que esse ato de Cristo foi um símbolo de Amor (Ágape). O cordeiro de Deus, que tirou os pecados do mundo,
na verdade, fez esse sacrifício pela humanidade. Não é novidade, a religião
precisa do medo e da violência para ensinar conteúdos aos seus crentes.
Os videogames não incitam
violência. Na verdade, a violência já existe no sujeito. Pode-se trabalhar a
agressividade para outros alvos. No dicionário, a palavra violento
significa: “adj. 1. Que se atua com força ou grande impulso; impetuoso. 2.
Irascível. 3. Agitado, tumultuoso. 4. Intenso. 5. Contrário ao direito, à
Justiça”. Matar uma pessoa é uma ação que a humanidade já fazia sem precisar de
videogames. A doença não está no objeto. Uma mente incapacitada de separar a
realidade da ficção é capaz de fazer isso com a Bíblia, as tragédias e etc,
colocando a culpa pelos seus atos em Deus ou em escrituras sagradas. A desigualdade
social cria tensões suficientemente mortais para resultar em desastres
sangrentos.
Não me incomodo com a
violência dos jogos de videogames, elas são parecidas com a violência da grande
Literatura Clássica e da Bíblia. A diferença é que a imagem se apresenta
fenomenalmente. O que é natural, não existe mais uma cultura livresca, há pelo menos
dois séculos. É a imagem que conduz a elaboração de pensamentos do mundo
contemporâneo. Fico mais incomodada com a violência desmedida e, aparentemente,
banal nos jornais matutinos que passam na televisão. Essa violência, observada
como algo natural, e que não provoca nenhuma indignação do público. Pode ser
motivo de mais estranhamento e revolta, afinal os jornais não são neutros em
sua opinião política.
Fonte:
ARISTÓTELES. Poética. Tradução , comentários e índices analíticos e onomástico de Eudoro de Souza. São Paulo: Nova Cultura, 1991. (Os pensadores)
MAGALHÃES, Joaquim
Manuel. Vestígios. Coimbra: Centelha,
1977.
Canal mas poxa vida: Balões, Videogames e Massacres. https://www.youtube.com/watch?v=adKUo2mClNg
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