sexta-feira, 26 de setembro de 2014

O deserto da arte

E aí, a arte serve ou não serve para alguma coisa? Essa é a dúvida que assombra qualquer um, que minimamente, se interessa por arte. O que é arte? É útil conversar o que define uma obra de arte? É melhor Picasso ou Leonardo da Vinci? Capela Sistina ou a privada de Dupret? Estudantes de literatura, artes plásticas, cinema e teatro já passaram por essas perguntas em algum momento da vida e olharam para si mesmos e se perguntaram, espantados: ora, será que tudo isso que estou estudando tem alguma utilidade? 

Não quero responder essa pergunta. Pessoalmente, eu ainda não consegui responder. Já tive discussões calorosas defendendo o valor de Picasso, Beatles e literatura da modernidade. E, mesmo assim, diante de todas as possibilidades de argumento, fico pasma por ainda ter dúvidas a respeito disso. Afinal, qual é a utilidade para perceber técnicas de narração, que fogem da tradição aristotélica ocidental?; músicas aparentemente muito simples dominaram a mente de multidão de pessoas; teatro que mataram com as noções aristotélicas, (até então, inquestionáveis). O assassinato do autor, a morte da personagem, a valorização da inação, textos literários que se confundem com filosofia e etc. Centenas de novidades artísticas que parecem não ter nenhuma utilidade prática. 

Um amigo, certa vez, disse que era mais contagiado com alguém que tivesse a capacidade de desenhar um rosto humano do que alguém que desenhasse a desconstrução de um rosto humano. Esse amigo sentia mais emoções com Leonardo da Vinci do que com Picasso, para ele, eram dois artistas que não poderiam ter o mesmo nivelamento. Eu respondi que não, para mim, o contágio era igual, sentia emoções tanto com a desconstrução de um rosto humano quanto com a capacidade de desenhar uma figura humana. Me afeto com Picasso e, igualmente, com Leonardo da Vinci. Para terminar a discussão, eu disse: "isso aqui vai virar masturbação intelectual, daqui a pouco, vamos relativizar o que é bom e o que é ruim. Não vamos avançar muito sobre o que é uma obra de arte e o que não é, se tudo terminar na frase 'eu gosto, porque sim'". Tenho a impressão, às vezes, que esses debates estéticos terminam em listas que discorrem a natureza do gosto particular de cada um. 

A modernidade rebateu as grandes poéticas, criando gêneros de discursos diferenciados, por exemplo Romance, Poemas em Prosa e contos. Essa atitude tinha um caráter revolucionário, as regras não definiram mais o que um artista poderia fazer, a inspiração orientaria a produção de obras artísticas. A nova ordem para produção da arte seria o novo. Octávio Paz define isso como a tradição da ruptura. O novo é a sensação do momento, é preciso chocar o público, não apenas proporcionar deleite e prazer pela obra de arte. Essa orientação romântica deu margem para produzir obras de arte, que tinham conteúdos de denúncia social, também possibilitou uma renovação no pensamento ocidental. Agora, qualquer um poderia ser um artista, já que não havia mais necessidade de ter livros de poéticas. 

De certa maneira, nós, o mundo pós-guerras, ficamos escravos do novo e da novidade. A indústria cultural coaptou isso muito bem, criando sempre novas personalidades artísticas (às vezes, vazias e irrelevantes), valorizando mais o autor do que, propriamente, uma obra literária. Enfim, o novo virou, além de uma obra de arte, também um comportamento, uma performance, não basta produzir arte, também é preciso ser a própria produção artística. Daí que está a orientação da moda. A moda é alimentada, constantemente, pela novidade, sem essa efemeridade, ela não faria o menor sentido. Não basta fazer o novo, é preciso ser o novo e a novidade também. 

Depois de tudo isso, diante de uma professora de língua portuguesa ou de literatura, um aluno poderia perguntar: "mas, professora, de que adianta ter conhecimentos de técnicas de narrativa?". Não sei. De que adianta ter uma religião? De que adianta vestir roupas? De que adianta comer chocolates? De que adianta jogar videogames? Fumar cigarros? Eu, realmente, fico espantada em não conseguir responder essa pergunta, às vezes, sou inclinada em dizer a verdade. Não serve para nada no mundo prático. E, às vezes, diante de tanta insensibilidade, dá vontade de dizer que serve para expandir a imaginação e trocar de fantasias. Alguém poderia dizer que isso é uma masturbação intelectual. E eu poderia dizer que a masturbação é bastante necessária para uma vida sexual saudável. 

Eu não sei responder. O que eu sei que a tendência de criticar esse pensamento romântico não é de todo inválida, mas também não é de toda válida. Afinal, assumindo uma posição mais tradicional. Os quadrinhos e o videogame não poderiam ser considerados como arte, a moda não poderia ser uma forma de arte,  o rock n' roll não pode ser considerado uma arte. Arte seria apenas aquilo que os antigos faziam, (texto literário, pintura e escultura, nada além disso).  Enfim, um monte de produções artísticas, que fazem parte de nossa vida, dentro dessa perspectiva, não poderia ganhar o astuto de arte, simplesmente, porque elas não seguiram as regras. E voltamos ao começo, (vou terminar da pior maneira possível), o que é, então, arte? Não sei. Mas, continuo gritando no meio do deserto que a arte é importante, continuo acreditando que ela pode, efetivamente, dar sentido a busca da vida.  Afinal, é possível pensar numa sociedade sem língua oral, o que não é possível imaginar, é uma sociedade sem linguagem.

Essa autocrítica é uma característica forte, principalmente em duas áreas, a filosofia e as artes (literatura, teatro, artes plásticas). Me parece, às vezes, que as ciências, em geral, não possuem essas perguntas como uma sombra constante. A linguística sabe que é importante, atua assim. A sociologia e a ciência política sabe da importância que têm, (o Brasil que não reconhece a importância delas na escola pública), mas elas atuam apenas. A matemática sabe que é importante, simplesmente atua com isso. Essas outras áreas (filosofia e arte) sempre são balançadas com a possibilidade de, talvez, a existência delas podem ser apenas um luxo da humanidade para passar o tempo. E aí, será que esse texto teve alguma utilidade? Eu, realmente, não sei. 



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