SMALL, David. Cicatrizes. Leya Cult, 2010.
CARROL, Lewis. Alice: Aventuras de Alice no país das
maravilhas & Através do espelho e o que Alice encontrou lá. Tradução de
Maria Luiza X. A. Borges. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2010.
Esse quadrinho é uma
autobiografia de David Small, autor e ilustrador desse livro. Ele vai expor
alguns momentos dolorosos que viveu, enquanto morava com seus pais. Na
infância, a personagem David teve um câncer na garganta que afetou a sua voz.
David anuncia que viver
sem voz será absolutamente significativo para a formação da personalidade dele.
No início, ele faz um levantamento das linguagens sonoras da família. A mãe se
impõe com os sons dos pratos na pia. O irmão se impõe com o som da bateria. O
pai, (se eu não me engano), se impõe com o som da máquina de Raio X (não tenho
certeza). A linguagem de David, para chamar atenção das pessoas, era ficar
doente.
Quase sempre, David tinha
algum problema de saúde. O pai sempre fazia uma centena de exames com Raio X
para verificar a causa e os desenvolvimentos da doença, esse procedimento era
padrão. Entretanto, por conta da quantidade de raios ultravioletas numa
criança, David acabou desenvolvendo um câncer. O quadrinho conta a origem das
cicatrizes que ele tem no pescoço e como isso foi significativo para formar a
sua mentalidade no universo adulto.
O quadrinho traz uma referência
literária famosa. A personagem David é fascinada pelo universo de “Alice no
país das maravilhas”. Isso é absolutamente relevante para o desenvolvimento do
enredo e a formação de personagem desse quadrinho. Quando criança, David
acredita que a Alice entra no universo das maravilhas, onde flores falam,
animais desaparecem e etc, porque essa garotinha possui cabelos dourados. Por isso,
ele coloca uma toalha amarela e brinca no quintal, fingindo que possui cabelos
dourados para entrar no universo das maravilhas de Lewis Carroll.
David entra na juventude
e faz uma terapia. E, finalmente, entraremos no que essa resenha gostaria de
discutir. David faz terapia com um coelho. (Particularmente, preferia fazer
terapia com um gato, já que é o meu personagem favorito desse livro. Porém, eu
imagino que o gato não me deixaria mais calma e sim mais confusa. Ele diria: “depende
bastante de para onde quer ir?, disse o gato (...) Então não importa que
caminho tome (...) Contanto que eu chegue em algum lugar, Alice acrescentou à
guisa de explicação. Oh, isso certamente vai conseguir, afirmou o Gato, desde
que ande bastante” [CARROLL, 2010, p. 48] ).
Por que o coelho? Eu juro
que fiquei pensando sobre isso. Fazer terapia com o coelho faz mais sentido do
que fazer terapia com o gato. Afinal, os gatos são budistas e anarquistas, na
verdade, eles confundem as pessoas a agir de acordo com o caos e contrário a
moral vigente. Os felinos estimulam que as pessoas sejam malucas, pensem por si
mesmo e inventem a sua própria ética. Esses animais fazem isso através de suas
ações, sem precisar conversar muito. Não faz menor sentido fazer terapia com o
gato, ele não está aí para apontar caminhos, e sim para observar os andares de
quem passa por esses caminhos. De certa maneira, até conta quem passa por esses
caminhos, até avisa para Alice que, por um caminho, a garotinha vai encontrar a
Lebre de Março e, no outro caminho, vai encontrar o Chapeleiro Maluco. Mas, o
Gato, jamais, vai dizer: “vá ver a Lebre de Março” ou “vá ver o Chapeleiro
Maluco”.
O Coelho leva a Alice
para os mundos subterrâneos de seus sonhos. Alice corre atrás desse animal,
porque sente curiosidade com a figura que o Coelho expressa, correndo
apressadamente, enquanto grita que está atrasado. É esse animal que leva a
Alice para as suas lágrimas, para as suas experiências de diminuir e aumentar,
para a Rainha de Copas, louca, para lebre de março e para o Gato. De certa
maneira, somente o Coelho, levaria ao entendimento das relações familiares e
íntimas que David possui com a sua família.
Assim, David se
transforma completamente, depois do encontro com o Coelho. Porque, desse jeito,
ele entra e consegue interpretar a sua atitude com seus pais, consegue entender
o universo psicológico de tensões e indiferença que existe na sua família. E,
portanto, entende que a tempestade e as lágrimas, mais cedo ou mais tarde,
seriam inevitáveis na sua vida. O Coelho
é quem faz a Alice atravessar as portas da realidade para o mundo das
maravilhas. Nesse caso, esse animal faz o mesmo com David, com a diferença, é
que, nesse quadrinho, não há um mundo fantástico.
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