domingo, 21 de setembro de 2014

O riso e o humor

Esse é um tema espinhoso também, mas absolutamente interessante. Vamos conversar sobre humor?Sim. Vamos.

Eu fiz uma oficina de teatro na minha puberdade. Nessa oficina, tive uma professora marcante e ela sempre costumava dizer: 

- " eu não gosto de comédia" 

Nós, jovens ignorantes e apaixonados estudantes, respondíamos:

- "mas, por quê?" (Como algum ser humano no mundo pode não gostar de comédia? Isso é, realmente, possível). 

Ela, firmemente, respondia:

- "Não é todo o mundo que sabe fazer direito, porque a comédia é uma das coisas mais difíceis de fazer. Na maioria das vezes, os esteriótipos do mundo são sempre usados como muleta. Bom, não gosto, prefiro ver drama". 

Podíamos dizer que essa minha professora de teatro era de outro planeta. (Afinal, ela é uma solene aquariana). E, por muito tempo, sempre tive essa pulguinha na minha cabeça, era verdade que nem todos sabiam fazer humor? Comédia é o gênero mais difícil de trabalhar? Ela falou com tanta sinceridade e honestidade que preferia drama, que, para mim, me parecia inconcebível existir alguém assim. Provavelmente, eu não faria muito sucesso na escola, convidando meus amiguinhos para assistir Hamlet, de um grupo de teatro da Lutânia, no Centro Cultural de São Paulo. Os meus amiguinhos do colégio fariam a mesma expressão de espanto, que eu fiz, quando descobri que havia alguém no mundo que preferia drama a comédia.  

Stand- up e etc 

Eu não conheço na minha idade, na classe média paulistana,  alguém que nunca assistiu um show de stand-up. Mas, conheço muitas pessoas, na classe média, que nunca assistiu uma peça de teatro, mesmo tendo todas as condições para ver um espetáculo. Na maioria das vezes, eu escuto: "ah, eu prefiro ver cinema. Ou, até gosto de teatro, mas prefiro ver as peças engraçadas. Ou, teatro é muito caro assistir". 

O que é um show de stand-up? Para mim, durante algum tempo, era uma pessoa estúpida fazendo comentários de rosto limpo sobre coisas que qualquer um poderia fazer. A sensação era, mais ou menos assim, imagina uma reunião familiar e um tio, que todo o mundo gosta, mas ele (esse tio) vive fazendo comentários machistas e racistas na mesa do jantar. Piadas sexistas, comentários esdrúxulos sobre o mensalão, o bolsa-família e etc. O que se faz nessas situações? Muitas vezes, rimos para não perder a cordialidade entre os parentes e pedimos para os nossos duendes da guarda adiar o horário para ir embora. 

O riso, que soltamos, não é verdadeiro. É um riso para manter as aparências, é uma cordialidade detestável entre os parentes. É muito semelhante, por exemplo, quando estamos entre meninos. Sempre convivi mais com meninos do que com meninas, (aliás, acho que é mais fácil conviver com homens). As brincadeiras de criança dos meninos bagunceiros evoluem para conversas descompromissadas da mesa do bar, não tenha dúvidas, mesmo o homem mais esclarecido vai soltar uma piada desnecessária. Entre as meninas, isso também acontece, fazer piadas desnecessárias a respeito da sexualidade dos homens, são piadas ruins que servem para manter a ordem e as aparências. Qual é o riso comum na maioria das vezes nessas situações? É o riso, que eu chamo, de pena. 

A maioria da plateia, nesses shows de stand-up, quando riem. Alguns soltam o riso verdadeiro, porque acreditam nesses esteriótipos dados que nos foram oferecidos. Outros riem para manter as aparências e por cordialidade. É até engraçado, alguns moralistas dizem que o que falta no Brasil é respeito. Na minha opinião, ao ver as plateias atuais, acho que respeito existe demais. Dá vontade de ver o que se pregava antigamente sobre os teatros gregos. Ver o público levantando, não aplaudindo e etc. Não, somente, aos shows de stand-ups, como outros espetáculos de teatro e cinema.

Mudei minha opinião sobre os stand-ups, quando conheci um ateu chamado George Carlin e uma artista argentina, que faz piadas sobre a homossexualidade e a heterossexualidade, as drogas e etc. O George Carlin está aqui:  (https://www.youtube.com/watch?v=qzMZulL52Bk) . E a comediante Argentina é possível encontrar no documentário do Pedro Arante " O riso dos outros", está aqui: https: (//www.youtube.com/watch?v=uVyKY_qgd54). 

A escolha: passar a mão na bunda do mendigo ou não?



Eu procurei uma imagem, que me chamou mais atenção, no documentário " O riso dos outros" ( https://www.youtube.com/watch?v=uVyKY_qgd54 ), de Pedro Arantes. Não encontrei nenhuma. Por isso, resolvi desenhar. Por que escolhi essa imagem acima? Por causa do depoimento de Antonio Prata, escritor, eu decidi que essa, talvez, fosse a melhor imagem do que é humor. O depoimento é este: "Quando você ofende uma pessoa que não pode ser ofendido, esse humor é grande. É passar a mão na bunda do guarda. Essa é uma piada que eu acho ofensiva pro guarda, mas o guarda tem uma arma e um cassetete, é engraçado porque você tá se arriscando. Passar a mão na bunda de um mendigo... ". 

Me surpreendi vendo esse documentário. Não sabia que diversos artistas, que fizeram Comédia MTV, também eram artistas de Stand-up. Paulinho Serra é uma figura, que sempre achei muito engraçada no comédia MTV, (https://www.youtube.com/watch?v=SVgMhFlfXnE ) , e outros comediantes também, que passaram no documentário. Esses artistas do Comédia MTV, me parecem, que, assim como Rafinha Bastos, também confundiram as coisas. E, para justificar a ignorância, respondem cinicamente: " é só uma piada". 

Voltando para o depoimento de Antonio Prata. O que significa passar a mão na bunda? Significa desrespeitar alguém. Charles Chaplin desrespeitava a autoridade, quando passava a mão na bunda de um guarda. É como se dissesse: "olha, você não me pega, você, seu bobão, não vai conseguir me matar, ao contrário, eu vou enganar você. Lero Lero lero!" É o mesmo que ri da tirania, do desrespeito, da violência policial e etc. É uma ofensa grande. Ele foge da possibilidade de morrer pelas mãos do Estado. E o contrário. O que é passar a mão na bunda de um mendigo? Também é desrespeitar alguém. Nesse caso, é desrespeitar alguém que não tem dinheiro sequer para comprar um pedaço de pão. É atingir alguém que, muitas vezes, não vai conseguir devolver a ofensa. É desrespeitar um sujeito que não tem uma arma, não tem poder de fogo e, sem dúvida, não vai atacar de volta.

Danilo Gentili, no documentário, faz uma piada sobre os mudos. Quando ele tenta justificar a piada, piora mais a sua atitude do que se não tentasse explicar. Segundo esse humorista, quando essa piada foi apresentada, não houve nenhuma reação violenta, havia somente uma pessoa muda na plateia que viu a piada, mas não ouviu. A piada do mudo era a seguinte: Gentili perguntava para plateia: "Por que um mudo tenta falar?". Depois, reiterava: "eu nunca vi um cego, tentando ver. Mas, o mudo sempre tenta falar". Após isso, Danilo Gentili imitava, que nem um retardado, a maneira como um deficiente auditivo tenta se expressar em público. Ele prefere passar a mão na bunda dos mendigos, afinal, por não ter uma arma de fogo, esse humorista não corre nenhum perigo de morte.

No Dragon Ball Z, um desenho animado que passava na TV Globinho, acontecia um procedimento muito interessante com os heróis. Depois que Gohan ou Goku levavam muita porrada, ficavam cansados e cuspiam sangue. A raiva deles também aumentava. Essa força produzia uma elevação no seu QI. Aì, eles ficavam mais fortes, violentos e intensos na luta. É uma metáfora, que é meio infantil, da reação dessas minorias historicamente oprimidas,  (mulheres, negros, deficientes e etc), com relação algumas piadas desses artistas. Esses grupos políticos já levaram muita porrada, ouviram uma outra porrada em forma de piada, então, decidiram entrar na luta. Aì, ganharam os processos judiciais.

Quando há uma decisão em fazer comédia. A primeira pergunta que precisa responder é: "eu vou passar a mão na bunda do guarda ou vou passar a mão na bunda do mendigo?". Essa pergunta pode definir toda a orientação do seu trabalho.

A crueldade e o humor 


Certa vez, eu ouvi de alguém que o humor é cruel. A bunda da piada é sempre feia. Não é possível fazer piada se existe esperança, fé ou otimismo. A origem da piada é a falta de fé, o acaso e o pessimismo. Quando eu penso em humor, necessariamente, me vem a figura do Coringa, personagem do Batman (quero ainda escrever somente sobre ele). No quadrinho, de Alan Moore, " A piada mortal", Coringa era um palhaço, que não conseguia fazer a plateia rir, não conseguia sustentar sua família. Por isso, entrou para criminalidade. Muitas vezes, como diz o Coringa, " é por conta de um dia", que nos transformamos para vida inteira.

É o gênero mais difícil de trabalhar, mas ele pode afetar as pessoas da maneira mais imprópria. Um gênero traiçoeiro. E, talvez, seja o melhor gênero para estimular o pensamento matemático, para humilhar a lógica, para humilhar as autoridades, para rir dos sanguessugas da miséria humana, para humilhar a arrogância humana. A comédia possui esse dom, talvez, nem seja um dom tão nobre. Entretanto, é o que ela tem e o que pode nos oferecer.

Não vou dizer que prefiro comédia a drama. Mas, sou inclinada a dizer que, muitas vezes, tenho mais prazer de ler personagens com senso de humor exaltado a personagens com tendências suicidas por conta de suas crises morais ou éticas. Rir é o pior remédio, mas é o mais divertido sem dúvida.

Choremos.


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