sábado, 27 de setembro de 2014

Deus e a falta de humor no cristianismo

Ano passado, fiz uma declaração inocente para minha mãe a respeito de Deus. Falei o que eu pensava e no que, sinceramente, acreditava:

- o único Deus que eu acredito. É num Deus como uma criança pentelha que fica brincando, inocentemente, com a via láctea e com o planeta Terra. Nos colocando em situações absurdas, já que, para esse Deus, a inocência é a sua maior característica. Ele mesmo não sabe o que é bem e o que é mal.  Eu prefiro acreditar que Deus é uma criança pentelha do que acreditar num Deus, pai, autoritário, sem senso de humor e incapaz de dar uma risada. 

Ao dizer isso, eu dei gargalhadas sinceras. Minha mãe respondeu como se eu tivesse feito uma grande heresia:

- para de fazer isso!

- por que? É melhor um Deus palhaço? Os palhaços são muito tristes, mamãe. Prefiro acreditar num Deus criança, pentelhinho, distraído e estabanado

- filha, para de fazer essas piada, 

- mas, eu não estou fazendo piadas

- não se deve brincar com Deus

- por que?

- não se faz piadas com Deus 


Imediatamente, me lembrei dessa imagem sobre a ideia de não se brincar com Deus (fonte: http://www.umsabadoqualquer.com/?s=com+deus+n%C3%A3o+se+brinca ):



sexta-feira, 26 de setembro de 2014

O deserto da arte

E aí, a arte serve ou não serve para alguma coisa? Essa é a dúvida que assombra qualquer um, que minimamente, se interessa por arte. O que é arte? É útil conversar o que define uma obra de arte? É melhor Picasso ou Leonardo da Vinci? Capela Sistina ou a privada de Dupret? Estudantes de literatura, artes plásticas, cinema e teatro já passaram por essas perguntas em algum momento da vida e olharam para si mesmos e se perguntaram, espantados: ora, será que tudo isso que estou estudando tem alguma utilidade? 

Não quero responder essa pergunta. Pessoalmente, eu ainda não consegui responder. Já tive discussões calorosas defendendo o valor de Picasso, Beatles e literatura da modernidade. E, mesmo assim, diante de todas as possibilidades de argumento, fico pasma por ainda ter dúvidas a respeito disso. Afinal, qual é a utilidade para perceber técnicas de narração, que fogem da tradição aristotélica ocidental?; músicas aparentemente muito simples dominaram a mente de multidão de pessoas; teatro que mataram com as noções aristotélicas, (até então, inquestionáveis). O assassinato do autor, a morte da personagem, a valorização da inação, textos literários que se confundem com filosofia e etc. Centenas de novidades artísticas que parecem não ter nenhuma utilidade prática. 

Um amigo, certa vez, disse que era mais contagiado com alguém que tivesse a capacidade de desenhar um rosto humano do que alguém que desenhasse a desconstrução de um rosto humano. Esse amigo sentia mais emoções com Leonardo da Vinci do que com Picasso, para ele, eram dois artistas que não poderiam ter o mesmo nivelamento. Eu respondi que não, para mim, o contágio era igual, sentia emoções tanto com a desconstrução de um rosto humano quanto com a capacidade de desenhar uma figura humana. Me afeto com Picasso e, igualmente, com Leonardo da Vinci. Para terminar a discussão, eu disse: "isso aqui vai virar masturbação intelectual, daqui a pouco, vamos relativizar o que é bom e o que é ruim. Não vamos avançar muito sobre o que é uma obra de arte e o que não é, se tudo terminar na frase 'eu gosto, porque sim'". Tenho a impressão, às vezes, que esses debates estéticos terminam em listas que discorrem a natureza do gosto particular de cada um. 

A modernidade rebateu as grandes poéticas, criando gêneros de discursos diferenciados, por exemplo Romance, Poemas em Prosa e contos. Essa atitude tinha um caráter revolucionário, as regras não definiram mais o que um artista poderia fazer, a inspiração orientaria a produção de obras artísticas. A nova ordem para produção da arte seria o novo. Octávio Paz define isso como a tradição da ruptura. O novo é a sensação do momento, é preciso chocar o público, não apenas proporcionar deleite e prazer pela obra de arte. Essa orientação romântica deu margem para produzir obras de arte, que tinham conteúdos de denúncia social, também possibilitou uma renovação no pensamento ocidental. Agora, qualquer um poderia ser um artista, já que não havia mais necessidade de ter livros de poéticas. 

De certa maneira, nós, o mundo pós-guerras, ficamos escravos do novo e da novidade. A indústria cultural coaptou isso muito bem, criando sempre novas personalidades artísticas (às vezes, vazias e irrelevantes), valorizando mais o autor do que, propriamente, uma obra literária. Enfim, o novo virou, além de uma obra de arte, também um comportamento, uma performance, não basta produzir arte, também é preciso ser a própria produção artística. Daí que está a orientação da moda. A moda é alimentada, constantemente, pela novidade, sem essa efemeridade, ela não faria o menor sentido. Não basta fazer o novo, é preciso ser o novo e a novidade também. 

Depois de tudo isso, diante de uma professora de língua portuguesa ou de literatura, um aluno poderia perguntar: "mas, professora, de que adianta ter conhecimentos de técnicas de narrativa?". Não sei. De que adianta ter uma religião? De que adianta vestir roupas? De que adianta comer chocolates? De que adianta jogar videogames? Fumar cigarros? Eu, realmente, fico espantada em não conseguir responder essa pergunta, às vezes, sou inclinada em dizer a verdade. Não serve para nada no mundo prático. E, às vezes, diante de tanta insensibilidade, dá vontade de dizer que serve para expandir a imaginação e trocar de fantasias. Alguém poderia dizer que isso é uma masturbação intelectual. E eu poderia dizer que a masturbação é bastante necessária para uma vida sexual saudável. 

Eu não sei responder. O que eu sei que a tendência de criticar esse pensamento romântico não é de todo inválida, mas também não é de toda válida. Afinal, assumindo uma posição mais tradicional. Os quadrinhos e o videogame não poderiam ser considerados como arte, a moda não poderia ser uma forma de arte,  o rock n' roll não pode ser considerado uma arte. Arte seria apenas aquilo que os antigos faziam, (texto literário, pintura e escultura, nada além disso).  Enfim, um monte de produções artísticas, que fazem parte de nossa vida, dentro dessa perspectiva, não poderia ganhar o astuto de arte, simplesmente, porque elas não seguiram as regras. E voltamos ao começo, (vou terminar da pior maneira possível), o que é, então, arte? Não sei. Mas, continuo gritando no meio do deserto que a arte é importante, continuo acreditando que ela pode, efetivamente, dar sentido a busca da vida.  Afinal, é possível pensar numa sociedade sem língua oral, o que não é possível imaginar, é uma sociedade sem linguagem.

Essa autocrítica é uma característica forte, principalmente em duas áreas, a filosofia e as artes (literatura, teatro, artes plásticas). Me parece, às vezes, que as ciências, em geral, não possuem essas perguntas como uma sombra constante. A linguística sabe que é importante, atua assim. A sociologia e a ciência política sabe da importância que têm, (o Brasil que não reconhece a importância delas na escola pública), mas elas atuam apenas. A matemática sabe que é importante, simplesmente atua com isso. Essas outras áreas (filosofia e arte) sempre são balançadas com a possibilidade de, talvez, a existência delas podem ser apenas um luxo da humanidade para passar o tempo. E aí, será que esse texto teve alguma utilidade? Eu, realmente, não sei. 



terça-feira, 23 de setembro de 2014

LUCY (2014)


Direção: Luc Besson
Nacionalidade: França
Duração: 1h29min
Elenco: Scarlett Johasson, Morgan Freeman, Ming-Sin Choi, Amr  Waked, Pilou Asbaek e etc.


Uma pessoa usa 10% de sua capacidade cerebral, imagine se uma pessoa usasse 100%? O que poderia acontecer? Esse filme usa isso como a preposição fundamental para orientar o enredo. O filme, inicialmente, possui dois momentos paralelos. Uma palestra com Professor Norman (Morgan Freeman), explicando detalhes da tese, que ele trabalhou por 20 anos, sobre o desenvolvimento cerebral dos seres humanos até 20%. E uma discussão entre dois jovens na frente de um edifício empresarial, Richard (Pilou Asbaek) obriga Lucy (Scarlett Joahsson) entregar drogas para uma máfia coreana. Richard é assassinado na frente do edifício. Lucy é obrigada a traficar drogas dentro do estômago. 

Essa droga não possui um efeito comum de outras drogas. Ao ser absorvida, ela promove a mesma energia do nascimento, aumentando as conexões do cérebro e, portanto, subindo a capacidade cerebral. Lucy deixa de ser uma mulher inocente, que frequentava balada e tinha algumas bebedeiras, para se transformar numa heroína durona e incapaz de sentir medo. É uma mistura de Nikita, Kill Bill e outras mulheres fantásticas do cinema. Com o resto meigo e angelical da atriz Scarlett Johasson, a heroína é capaz de fazer atos inimagináveis, sangrentos e apáticos. Até risíveis. Ela vira uma assassina sagaz, uma super intelectual capaz de alcançar conhecimentos com rapidez e precisão, uma mutante poderosa ( tipo filmes do X-men) e etc. Lucy é uma mistura de vários heróis. 

O que chama atenção do filme. É a arrogância da modernidade, de colocar o homem no centro do universo. Uma valorização estupenda do indivíduo em relação ao coletivo. Uma mente, complemente desenvolvida, é capaz de transformar a realidade. Entender o conhecimento da via láctea e do planeta acumulado por bilhões e bilhões de anos, viajar no tempo e no espaço, enganar o tempo e a morte, não sentir medo, paixões e afetações. É uma mulher capaz de ter as mesmas possibilidades da natureza. Ela cria, não é constrangida por ninguém e por nada. 

De certa maneira, é uma valorização e uma ode ao deus do liberalismo, a abstração da ética. Uma pessoa, completamente livre, é capaz de realizar qualquer coisa sem obstáculo ou impedimento moral. A natureza é completamente livre, ela não age de acordo com as leis dos homens, não tem religião, não tem moral, não escolhe quem vai morrer por conta da economia. Não é possível negociar com a natureza, a transformação dela envolve morte, às vezes, de alguns seres humanos. E o desenvolvimento da humanidade e da tecnologia envolve morte e destruição da natureza. Não é possível um acordo entre essas partes. Ou é um, ou é outro. 

Lucy é uma figura de oposição radical ao povo. O destino dela é desaparecer no final do filme. Deixando nas mãos dos cientistas, o conhecimento que acumulou na experiência de viver uma vida completamente livre dos anseios e temores de uma consciência humana primitiva. O legado dela é compilado em um simples pen drive. Assim, fazendo-se desaparecer, transformando-se em matéria. 

Destaque para cena que Lucy faz uma ligação para mãe. Dizendo que se lembra de tudo, de todos os beijos que ela recebeu da mãe quando era bebê, do gosto do leite materno, do pelo macio do gato que ela sentia próximo (essa era uma memória da infância muito remota). A mãe fica surpreendida, dizendo que essas lembranças não poderiam ser imagináveis. Lucy não sente nenhum constrangimento pela autoridade maternal, é uma corpo que se sustenta por si mesmo, não necessidade de nada além de si. 

Também vou destacar uma fala dessa heroína. Quando Lucy ameaça o chefe da máfia (Ming-Sin Choi): "o processo de aprendizagem é doloroso. Imagine os ossos crescendo no seu corpo. Eu sou capaz de lembrar o barulho dos ossos, é dolorido. Antes eu ficava pensando quem sou eu, o que eu vim fazer aqui. Não sabia que o que me caracterizava humana, era justamente o que me fazia primitiva". Lucy tinha cravado duas facas nas mãos do chefe da máfia, enquanto dizia: "você, por exemplo, você não é nada mais além do que a dor que está sentido nas mãos". 

É um filme de ficção científica, que particularmente, possui enredo bem simples. Ideias criticáveis. Entretanto, foi bem feito. Eu gostei. Existem momentos que, realmente, são bem bonitos no filme. As duas cenas, que eu destaquei, merecem um elogio. Me parece, às vezes, a sensação que eu tenho de alguns católicos. Jesus Cristo, para os cristãos, era um ser humano que tinha uma consciência iluminada e era oposta a qualquer um, ele morreu, foi crucificado e ressuscitou. O que ele deixou? Os ensinamos orais deles escritos por outros apóstolos no Antigo Testamento. Depois de todo esse conhecimento, Jesus morre e diz: "toma, agora é a vez de vocês". Lucy faz a mesma coisa, copila todo o conhecimento acumulado e diz: "toma, cientistas, agora vocês têm que ver o que farão com esse conhecimento todo". Obviamente, como tudo pode ser interpretado, pode ter milhares de explicações do universo e gerar centenas de possibilidades de conflito. Um outro filme interessante seria ver o que os cientistas fizeram depois de Lucy. 

domingo, 21 de setembro de 2014

O riso e o humor

Esse é um tema espinhoso também, mas absolutamente interessante. Vamos conversar sobre humor?Sim. Vamos.

Eu fiz uma oficina de teatro na minha puberdade. Nessa oficina, tive uma professora marcante e ela sempre costumava dizer: 

- " eu não gosto de comédia" 

Nós, jovens ignorantes e apaixonados estudantes, respondíamos:

- "mas, por quê?" (Como algum ser humano no mundo pode não gostar de comédia? Isso é, realmente, possível). 

Ela, firmemente, respondia:

- "Não é todo o mundo que sabe fazer direito, porque a comédia é uma das coisas mais difíceis de fazer. Na maioria das vezes, os esteriótipos do mundo são sempre usados como muleta. Bom, não gosto, prefiro ver drama". 

Podíamos dizer que essa minha professora de teatro era de outro planeta. (Afinal, ela é uma solene aquariana). E, por muito tempo, sempre tive essa pulguinha na minha cabeça, era verdade que nem todos sabiam fazer humor? Comédia é o gênero mais difícil de trabalhar? Ela falou com tanta sinceridade e honestidade que preferia drama, que, para mim, me parecia inconcebível existir alguém assim. Provavelmente, eu não faria muito sucesso na escola, convidando meus amiguinhos para assistir Hamlet, de um grupo de teatro da Lutânia, no Centro Cultural de São Paulo. Os meus amiguinhos do colégio fariam a mesma expressão de espanto, que eu fiz, quando descobri que havia alguém no mundo que preferia drama a comédia.  

Stand- up e etc 

Eu não conheço na minha idade, na classe média paulistana,  alguém que nunca assistiu um show de stand-up. Mas, conheço muitas pessoas, na classe média, que nunca assistiu uma peça de teatro, mesmo tendo todas as condições para ver um espetáculo. Na maioria das vezes, eu escuto: "ah, eu prefiro ver cinema. Ou, até gosto de teatro, mas prefiro ver as peças engraçadas. Ou, teatro é muito caro assistir". 

O que é um show de stand-up? Para mim, durante algum tempo, era uma pessoa estúpida fazendo comentários de rosto limpo sobre coisas que qualquer um poderia fazer. A sensação era, mais ou menos assim, imagina uma reunião familiar e um tio, que todo o mundo gosta, mas ele (esse tio) vive fazendo comentários machistas e racistas na mesa do jantar. Piadas sexistas, comentários esdrúxulos sobre o mensalão, o bolsa-família e etc. O que se faz nessas situações? Muitas vezes, rimos para não perder a cordialidade entre os parentes e pedimos para os nossos duendes da guarda adiar o horário para ir embora. 

O riso, que soltamos, não é verdadeiro. É um riso para manter as aparências, é uma cordialidade detestável entre os parentes. É muito semelhante, por exemplo, quando estamos entre meninos. Sempre convivi mais com meninos do que com meninas, (aliás, acho que é mais fácil conviver com homens). As brincadeiras de criança dos meninos bagunceiros evoluem para conversas descompromissadas da mesa do bar, não tenha dúvidas, mesmo o homem mais esclarecido vai soltar uma piada desnecessária. Entre as meninas, isso também acontece, fazer piadas desnecessárias a respeito da sexualidade dos homens, são piadas ruins que servem para manter a ordem e as aparências. Qual é o riso comum na maioria das vezes nessas situações? É o riso, que eu chamo, de pena. 

A maioria da plateia, nesses shows de stand-up, quando riem. Alguns soltam o riso verdadeiro, porque acreditam nesses esteriótipos dados que nos foram oferecidos. Outros riem para manter as aparências e por cordialidade. É até engraçado, alguns moralistas dizem que o que falta no Brasil é respeito. Na minha opinião, ao ver as plateias atuais, acho que respeito existe demais. Dá vontade de ver o que se pregava antigamente sobre os teatros gregos. Ver o público levantando, não aplaudindo e etc. Não, somente, aos shows de stand-ups, como outros espetáculos de teatro e cinema.

Mudei minha opinião sobre os stand-ups, quando conheci um ateu chamado George Carlin e uma artista argentina, que faz piadas sobre a homossexualidade e a heterossexualidade, as drogas e etc. O George Carlin está aqui:  (https://www.youtube.com/watch?v=qzMZulL52Bk) . E a comediante Argentina é possível encontrar no documentário do Pedro Arante " O riso dos outros", está aqui: https: (//www.youtube.com/watch?v=uVyKY_qgd54). 

A escolha: passar a mão na bunda do mendigo ou não?



Eu procurei uma imagem, que me chamou mais atenção, no documentário " O riso dos outros" ( https://www.youtube.com/watch?v=uVyKY_qgd54 ), de Pedro Arantes. Não encontrei nenhuma. Por isso, resolvi desenhar. Por que escolhi essa imagem acima? Por causa do depoimento de Antonio Prata, escritor, eu decidi que essa, talvez, fosse a melhor imagem do que é humor. O depoimento é este: "Quando você ofende uma pessoa que não pode ser ofendido, esse humor é grande. É passar a mão na bunda do guarda. Essa é uma piada que eu acho ofensiva pro guarda, mas o guarda tem uma arma e um cassetete, é engraçado porque você tá se arriscando. Passar a mão na bunda de um mendigo... ". 

Me surpreendi vendo esse documentário. Não sabia que diversos artistas, que fizeram Comédia MTV, também eram artistas de Stand-up. Paulinho Serra é uma figura, que sempre achei muito engraçada no comédia MTV, (https://www.youtube.com/watch?v=SVgMhFlfXnE ) , e outros comediantes também, que passaram no documentário. Esses artistas do Comédia MTV, me parecem, que, assim como Rafinha Bastos, também confundiram as coisas. E, para justificar a ignorância, respondem cinicamente: " é só uma piada". 

Voltando para o depoimento de Antonio Prata. O que significa passar a mão na bunda? Significa desrespeitar alguém. Charles Chaplin desrespeitava a autoridade, quando passava a mão na bunda de um guarda. É como se dissesse: "olha, você não me pega, você, seu bobão, não vai conseguir me matar, ao contrário, eu vou enganar você. Lero Lero lero!" É o mesmo que ri da tirania, do desrespeito, da violência policial e etc. É uma ofensa grande. Ele foge da possibilidade de morrer pelas mãos do Estado. E o contrário. O que é passar a mão na bunda de um mendigo? Também é desrespeitar alguém. Nesse caso, é desrespeitar alguém que não tem dinheiro sequer para comprar um pedaço de pão. É atingir alguém que, muitas vezes, não vai conseguir devolver a ofensa. É desrespeitar um sujeito que não tem uma arma, não tem poder de fogo e, sem dúvida, não vai atacar de volta.

Danilo Gentili, no documentário, faz uma piada sobre os mudos. Quando ele tenta justificar a piada, piora mais a sua atitude do que se não tentasse explicar. Segundo esse humorista, quando essa piada foi apresentada, não houve nenhuma reação violenta, havia somente uma pessoa muda na plateia que viu a piada, mas não ouviu. A piada do mudo era a seguinte: Gentili perguntava para plateia: "Por que um mudo tenta falar?". Depois, reiterava: "eu nunca vi um cego, tentando ver. Mas, o mudo sempre tenta falar". Após isso, Danilo Gentili imitava, que nem um retardado, a maneira como um deficiente auditivo tenta se expressar em público. Ele prefere passar a mão na bunda dos mendigos, afinal, por não ter uma arma de fogo, esse humorista não corre nenhum perigo de morte.

No Dragon Ball Z, um desenho animado que passava na TV Globinho, acontecia um procedimento muito interessante com os heróis. Depois que Gohan ou Goku levavam muita porrada, ficavam cansados e cuspiam sangue. A raiva deles também aumentava. Essa força produzia uma elevação no seu QI. Aì, eles ficavam mais fortes, violentos e intensos na luta. É uma metáfora, que é meio infantil, da reação dessas minorias historicamente oprimidas,  (mulheres, negros, deficientes e etc), com relação algumas piadas desses artistas. Esses grupos políticos já levaram muita porrada, ouviram uma outra porrada em forma de piada, então, decidiram entrar na luta. Aì, ganharam os processos judiciais.

Quando há uma decisão em fazer comédia. A primeira pergunta que precisa responder é: "eu vou passar a mão na bunda do guarda ou vou passar a mão na bunda do mendigo?". Essa pergunta pode definir toda a orientação do seu trabalho.

A crueldade e o humor 


Certa vez, eu ouvi de alguém que o humor é cruel. A bunda da piada é sempre feia. Não é possível fazer piada se existe esperança, fé ou otimismo. A origem da piada é a falta de fé, o acaso e o pessimismo. Quando eu penso em humor, necessariamente, me vem a figura do Coringa, personagem do Batman (quero ainda escrever somente sobre ele). No quadrinho, de Alan Moore, " A piada mortal", Coringa era um palhaço, que não conseguia fazer a plateia rir, não conseguia sustentar sua família. Por isso, entrou para criminalidade. Muitas vezes, como diz o Coringa, " é por conta de um dia", que nos transformamos para vida inteira.

É o gênero mais difícil de trabalhar, mas ele pode afetar as pessoas da maneira mais imprópria. Um gênero traiçoeiro. E, talvez, seja o melhor gênero para estimular o pensamento matemático, para humilhar a lógica, para humilhar as autoridades, para rir dos sanguessugas da miséria humana, para humilhar a arrogância humana. A comédia possui esse dom, talvez, nem seja um dom tão nobre. Entretanto, é o que ela tem e o que pode nos oferecer.

Não vou dizer que prefiro comédia a drama. Mas, sou inclinada a dizer que, muitas vezes, tenho mais prazer de ler personagens com senso de humor exaltado a personagens com tendências suicidas por conta de suas crises morais ou éticas. Rir é o pior remédio, mas é o mais divertido sem dúvida.

Choremos.


sábado, 20 de setembro de 2014

Vamos contar uma história de racismo

Eu não gosto de falar desse tema. Não é pela razão de que é um assunto muito polêmico e espinhoso. Não é isso. Temas polêmicos precisam e devem ser discutidos por pessoas que se interessam minimamente por estudos nas humanas e pela dignidade humana, (sem dúvida, também pelos artistas que, na minha opinião, pode se dar ao capricho de não precisar ter todas as fontes científicas e referências eruditas a respeito de tudo. O que eu quero dizer com isso.Um artista não necessariamente será um bom artista, porque ele é comunista, feminista, ateu ou gay. Ele vai ser bom artista se fizer uma boa arte. Simples assim. Mas, deixemos isso para outro assunto). 

Eu não gosto desse assunto, simplesmente, porque eu não sou a vítima direta do racismo e - digamos, usando uma expressão coloquial do português, - "eu não manjo dos paranauê teórico, entendeu?". Então, decidi escrever sobre esse assunto através de uma crônica. Afinal, elas (as crônicas) não necessariamente precisam ter um formato rígido, e não preciso me esforçar muito para checar informações, procurar referências e etc. Posso apenas contar uma história pessoal e comentar minhas impressões dela que eu tenho a respeito. 

O que me incomoda mais do preconceito, não é somente a violência física. Obviamente, ter a consciência da morte de milhares de negros em periferias e lugares marginais é bastante perturbador. Mas, sejamos sinceros, sem hipocrisia, por mais perturbador que isso seja, eu durmo tranquilamente à noite. Eu acordo, pego ônibus, escuto minha rádio F.M. no meu celular, vou para faculdade, escuto os professores doutores me jogarem teorias e livros goela abaixo e vivo muito bem. Obrigada. Nada acontece, para mim ao menos, já que não nasci com a cor negra estampada na minha pele. O que eu tenho é sangue negro, mas não tenho cor, por incrível que isso pareça, a cor negra é um traço de distinção social altamente relevante. 

Eu estudei em escolas públicas minha vida inteira. Estudei em três colégios diferentes, todos foram escolas estaduais. Sempre achei natural que as meninas negras fossem humilhadas pelos meninos bagunceiros, afinal, cabelo cacheado é feio. Essas verdades foram se apresentado prontas para mim. Não houve sequer nenhuma contestação de que, talvez, a ideia de cabelo cacheado ser feio fosse uma invenção social. Eu estudava em um colégio estadual chamado Frontino Guimarães, tinha uma menina na minha sala, que agora não vou recordar o nome dela, que era dentuça, tinha cabelos cacheados que sempre os deixava preso e era negra. Ela tinha um apelido "carinhoso" na sala de aula, os meninos bagunceiros chamavam essa menina negra de Dengue. Aliás, os meninos bagunceiros tinham a mania irritante de humilhar essa menina e outras meninas, aparentemente, isso sempre foi visto com muita naturalidade. Afinal, são somente meninos, eles podem fazer piadas com as meninas. É só brincadeira de criança. 

Passou alguns anos. Eu fui uma exceção dentre vários colegas que estudaram comigo, consegui entrar numa universidade pública. É difícil de explicar para as pessoas o que significa entrar numa universidade pública. Depois de alguns anos fazendo faculdade, percebe-se que essa realização é uma besteira total, que a sociedade seria melhor governada por golfinhos. Entretanto, quando eu estudava em uma escola estadual, quando não estava fazendo uma graduação, a entrada em uma universidade pública era uma espécie de paraíso. Achava mesmo que todas as minhas angústias seriam resolvidas imediatamente, encontrando pessoas estranhas como eu e, finalmente, tendo a possibilidade de ter voz. (Isso pode acontecer no paraíso, mas não acontece em uma universidade pública brasileira). 

A literatura tem uma influência profunda na imaginação das pessoas, nas ideias e, às vezes, nos costumes e nos hábitos das pessoas. O Brasil é um país que não tem uma tradição de grandes leitores, na escravidão, os leitores pertenciam as classe sociais mais privilegiadas. No livro " A formação da literatura brasileira", Antonio Candido explica que o leitor-modelo mais presente na formação do que hoje conhecemos como literatura, era, na sua grande maioria, mulheres brancas e homens brancos, eruditos e pequenos Brás Cubas. Homens que poderiam olhar no andar de cima, diante dos meros mortais, sentar sobre as costas de um negro e dá risadas debochadas sobre a natureza humana. Não pense que isso é pouco. 

Nas escolas estaduais, não se ensina filosofia direito, sociologia direito e muito menos ciência direito. Não pense que isso pouco.  Há pouco tempo, não havia, se eu não me engano, nem sociologia nas escolas, eu não tive sociologia na escola. E tive uma filosofia fragmentada, pouco trabalhada, pouco estudada. (Tive um excelente professor de filosofia, Márcio Palharini, mas, eram duas aulas,  de cinquenta minutos, e muitos de nós com dificuldade enormes de leitura e indisciplinados. Mesmo um excelente professor, como ele é, teria muita dificuldade em ensinar bem sua disciplina diante de um cenário desses).  Ciência, enfim, isso é uma piada. É melhor não comentar sobre esse assunto. Estudar numa escola pública ensina: 1) você não tem chance de entrar numa universidade pública; 2) você não tem chance de melhorar em matemática; 3) você não tem chance de ser alguém na vida; 4) você não tem chance de melhorar em redação; 5) você não tem chance. 

Você não tem chance 

Isso é um mantra. Os professores repetem isso o tempo inteiro, o crescimento da autoconfiança negativa é acompanhado com as palavras. Você não tem chance. Você não tem chance. Você não tem chance. Ao lado de algumas violências escolares comuns, a dose de apoio, por parte da instituição pública, é bastante negativa também. A conclusão é bem simples. A maioria dos alunos da rede pública estadual tem uma autoconfiança abaixo de zero, bastante difícil de ser reconstruída. Por isso, repito, é muito difícil explicar para as pessoas a sensação de entrar numa universidade pública. Depois de ouvir centenas de vezes, você não tem chance. Você não tem chance. 

Agora, vamos para história de racismo. As ideias ficam arraigadas na nossa imaginação. Não é mesmo? Quando entrei na faculdade, eu me senti muito feliz. Uma sensação única. Conheci diversos autores. E um dos autores que mais me marcou, era um homem chamado Milton Santos. Até então, eu só tinha ouvido falar, superficialmente, a respeito das ideias dele, mas não tinha visto nenhuma foto dele. 

Como sempre fui uma pessoa curiosa. Resolvi procurar no mundo mágico do Yotube alguma entrevista dele. Boom! A surpresa. Milton Santos é um negro? Como?  Eu fiquei surpreendida, não conhecia o autor mesmo. Fiquei surpresa com a possibilidade de um homem tão culto e erudito ser um homem negro. De repente, eu entendi. O mantra "você não tem chance" é mais internalizado na sociedade do que eu imaginava. 

O lado bom disso: eu, realmente, comecei a desconfiar das imagens prontas que eu sempre aprendi 
O lado ruim disso: o racismo é aprendido como algo natural, há muito nele em mim que não conheço. 

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Por que os comedores de morango são assassinos


Os morangos me enojam

Eu não estou interessada em aceitar a possibilidade de existir outras pessoas que sentem o gosto de morango diferente de mim. Na realidade, o meu pressuposto é acreditar que o sentimento de nojo é verdadeiro. Devo entender, inclusive, como uma lei no universo. Pessoas que gostam de morango são naturalmente nojentas, libertinas e assassinas. 

O morango é uma fruta vermelha, mole, rasteira. Só há uma espécie de morango no planeta. Não existem outras espécies catalogadas, mesmo os pesquisadores falando que existem outras espécies. Eu não procuro, porque sou muito preguiçosa para pesquisar que gênero pertence esse fruto. Aliás, isso é um pseudo-fruto, podemos fazer um paralelo com tomate, por exemplo. Na bíblia, a Eva quando comeu o fruto do pecado, na realidade, ela comeu o morango. Não há nenhuma indicação de que a Eva comeu uma maçã. Poderia muito bem ser o morango, afinal essa fruta vermelha incita a sexualidade nas pessoas, por consequência, também é uma das determinantes da violência. Os afrodisíacos, como morango e frutos do mar, são alimentos que suscitam no cérebro possíveis surtos. Obviamente, todos os comedores de morangos estão suscetíveis a serem libertinos e assassinos por natureza. 

"Não esquecer por enquanto é tempo de morangos" (Clarice Lispector) 

Em primeiro lugar, não conheço essa mulher. Clarice Lispector não é uma escritora de autoajuda? Enfim, não importa. Essa frase está equivocada. Não estamos em tempo de morangos. O tempo é uma instância sem cheio e nem cor. E, como moramos em São Paulo, o tempo ganha alguma solidez. O nosso tempo é de trânsito. O cheiro é de óleo queimado, o ar tem a solidez de um concreto. Não faz o menor sentido dizer que o tempo é de morangos. Eu falo isso, porque eu não sou capaz de entender uma metáfora, tive uma péssima professora de literatura na escola. 

E se o tempo fosse de morangos, todos estariam suscetíveis a fazer sexo o tempo inteiro e produzir vitamina C. Aliás, eu não creio que os morangos produzem muita vitamina C, um fruto tão nojento quanto esse, não pode produzir boas vitaminas. Eu acredito que os cientistas criaram essa informação para vender mais morangos, porque, obviamente, a ciência está completamente associada ao pensamento de mercado. Elas servem aos moranguistas, aos tomatistas e todas essas criaturas nojentas que dizem que o nosso tempo é de morangos. Mas, não é verdade, o nosso tempo é de enlatados e McDonalds. 


os comedores de morangos são assassinos 

Eu não sou uma comedora de morango. A minha visão de mundo é a mais importante. A maneira como eu apreendo o mundo e o modo como não faço nenhum esforço para entender outros pontos de vistas.  Esses são os únicos pressupostos que realmente interessam. Se eu falo que o gosto de morango é de esgoto e barata, todos precisam imediatamente sentir o mesmo gosto. (Mesmo que eu nunca tenha passado necessariamente pela experiência de comer baratas ou experimentar a água do esgoto). 

Os comedores de morangos são assassinos, matam bactérias e as vitaminas C, que são necessárias no nosso planeta. Eles matam inocentes. Por isso, para resolver a questão da morte de bactérias e de vitaminas C, eu proponho matar todos os comedores de morangos, inclusive aqueles que foram obrigados a comer morangos, porque os pais disseram que comer frutas são importantes para o crescimento e o desenvolvimento natural. Essas pessoas que foram forçadas a comer morangos, precisam também morrer, porque foram corrompidas pela moral de minorias, como os moranguistas e os tomatistas. Esses grupos políticos, que insistem apresentar uma visão de mundo diferente da minha, na realidade, eles pagam cientistas para dizer que o morango e o tomate são frutas. E não são. São nojentas, são pseudo-frutas. 

o fruto não nasce morango, se torna morango

Essa frase que os moranguistas insistem em dizer é ridícula. Se o fruto não nasce fruto, ele nasce o quê? Ele nasce fruto e vai se tornando um peixe. Essas minorias não têm nenhuma coerência, precisam estudar português, não sabem escrever direito. Não sabem ler. Não sabem nada. Eu sei de tudo. 

a obrigação de comer frutas 

A sociedade nos obriga a comer frutas, porque é um alimento fundamental para nos fornecer vitaminas e energia. Mesmo entendendo a importância desse alimento natural, não consigo acreditar que o morango é uma fruta. Acho que, mesmo assim, o pseudo-fruto pode ter vitaminas C, mas incita a violência e a libertinagem, portanto, os comedores de morango assassinam os nutrientes e as bactérias, que produzem energia. Os moranguistas injetam essa quantidade de vitaminas C nesse pequeno fruto, porque eles são ricos e pagam cientistas para fazerem esses experimentos com os morangos. Não mudo a minha opinião, eles são assassinos, por isso, vamos deixar que eles morram. 

Aos que são obrigados a comer morango, mesmo não gostando de morango, também merecem que sejam submetidos à pena de morte. Não importa, eles foram corrompidos pela moral dos moranguistas. Eles são fracos, provocaram a fome e terminaram se alimentando desse pseudo-fruto nojento e horroroso. Por isso, matamos também aqueles que comem morangos, porque sentem fome.  

Morte aos comedores de morango já! 


quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Listas de coisas impossíveis

Quando Alice entra no mundo avesso dos espelhos. Ela encontra a Rainha Branca, que explica sobre a ordem do tempo e a sua prática matinal de imaginar seis coisas impossíveis no café da manhã. Por que estou falando isso? Costumo fazer essa prática, acho muito interessante o que a imaginação pode nos revelar. 

Fazer uma lista de compras do mês no supermercado. Faz parte das atividades banais do nosso dia a dia. Não consideramos isso algo incomum. Todo o mundo já escreveu:

1) comprar ovos
2) comprar pacotes de suco tang
3) comprar filé de frango
4) três pãezinhos 
5) bananas 
6) absorventes 
7) 4 tomates 
6) alfaces 
7) arroz 
8) feijão 
9) café 

Aí, fazemos a lista, somamos o valor do produto e vemos quanto que podemos gastar no mês. É uma ótima prática econômica caseira, sabemos, dessa maneira, o que pode sobrar e gastar com outras perfumarias (roupas, livros, revistas e etc). E o que não podemos gastar. (Na maioria das vezes, o dinheiro não sobra muito, fazer o quê, né. Mas, não custa tentar). É uma ilusão acreditar que as listas, um dos gêneros mais objetivos, é um caminho correto e normativo para acontecer exatamente o que se planejou. 

Quando vamos ao supermercado. Mesmo tendo colocado oito itens, tendemos facilmente aos desvios. Compramos um chocolate, um bolo de laranja (para beliscar no meio do ócio), refrigerante e etc. Os desvios não são colocados nas listas, porque são os números decimais, não damos muito importância. Mas, eles existem. ( Não acreditamos em bruxas, duendes e espíritos, mas que eles existem, existem). As listas servem para nos fornecer um mundo concreto e ideal, por isso, nunca as respeitamos totalmente. 

"com certeza não tem muita prática, disse a Rainha, quando eu era da sua idade, sempre praticava meia hora por dia. Ora, algumas vezes cheguei a acreditar em até seis coisas impossíveis antes do café da manhã" (p. 147). 

Resolvi testar essa prática. Imaginar antes do café da manhã, pelo menos, seis coisas impossíveis. Descobri que a mente pode se divertir muito com essa prática. Afinal, listas de supermercado e listas de coisas a se fazer no ano vão minando a nossa capacidade de criar universos surreais. Faz parte da literatura a capacidade de ensinar a nossa imaginação que o impossível pode não ser tão intocável. Enquanto, outras ciências nos ensinam uma maneira de enxergar a realidade, a literatura nos ensina a utopia. Palavra grega que significa lugar nenhum.  

Façam o exercício em casa. Imaginem como a rainha branca seis coisas impossíveis. Alimentem as fantasias na cabeça de vocês. Aqui está alguma das minhas listas:

- voar sentada em um dragão
- encontrar um cachorro mago
- as baratas dominarem o mundo
- extraterrestres escrevendo poesia
-beber cerveja com as bruxas de Macabeth
- gatos anarquistas fazendo a revolução e confundindo a cabeça de crianças 
( lista do dia 6 de agosto de 2014)


- um dinossauro apresentando o programa do faustão 
- suicídio em massa de computadores
- uma bicicleta voadora que faz kamekamerra 
- um dragão fazendo stand-up
- golfinhos dominando a galáxia 
- Flores que xingam e são sisudas
(lista do dia 21 de agosto de 2014) 


Fonte:

CARROL, Lewis. Alice: Aventuras de Alice no país das maravilhas & Através do espelho e o que Alice encontrou lá. Tradução de Maria Luiza X. A. Borges. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2010. 

terça-feira, 9 de setembro de 2014

A Mulher-Gato

No quadrinho " ...e a maioria das fantasias ficam", a Mulher-Gato foge de uma confusão, enquanto veste a sua máscara. Explodem a sua casa. Ela vai morar com a sua amiga chamada Lola e assume a sua personalidade de Selina para trabalhar no Clã Ivgene da máfia russa. Mata um dos homens da máfia e corre para uma cobertura de um hotel.  

Nessa cobertura do Hotel Belle Monico, Batman aparece para conversar com a Mulher-Gato a respeito de suas confusões e dos riscos que ela entrou. Entretanto, a Mulher-Gato insiste transar com o detetive mais famoso de Gotham City. Ele protesta, mas desiste no final. Assim, eles transam usando máscaras e com a maioria das fantasias. 

Gotham City é uma cidade sombria, corrompida por dinheiro, violência e preconceito. Batman é o herói que essa cidade merece. E o que é a Mulher-Gato? Ela é uma pessoa que criou uma ética própria, não é dependente das leis e nem da moral dos vigilantes (dos heróis). A Mulher-Gato consegue tudo que deseja, simplesmente, porque tem potência para realizar os seus desejos mais obscuros. Segundo a própria Mulher- Gato: "Você já ouviu essa palavrinha, Principalmente, nos negócios. Ou nos namoros. Ou comendo frituras de uma carrocinha ambulante. Mas corremos risco o tempo todo, todos os dias, de mil maneiras. Dirigindo o carro. Falando com um estranho. Atravessando a rua. Essas são pequenas coisas em que nem pensamos. São as grandes coisas que tornam tudo interessante. Ao menos, para mim, são. Não estou certa se quero fazer alguma coisa a menos que isso possa me arrancar um membro. Afinal, é onde a diversão está, não é?".

A Mulher-Gato é uma pessoa que inventou uma ética independente, ela é alguém que pensa por si mesmo. Assumindo as consequências dos riscos que ela inventou. De certa maneira, a liberdade é uma maldição para essa mulher, afinal, ao aceitar as suas escolhas como possíveis, ela aceita também as consequências. A possibilidade de ser assassinada, o sofrimento de perder uma amiga, a possibilidade de ser odiada por Batman e etc.

Ela não é uma heroína. A ambiguidade de Mulher-Gato é fundamental para dar as características de humanidade e malícia que possui. Na verdade, ela é uma pessoa, absolutamente, apaixonada pelo perigo. Ao se envolver com Batman, a Mulher-gato se envolve também com o perigo, há um risco de ser capturada e presa pelo herói de Gotham City.  Antes de ser apaixonada pelo Batman, a Mulher-Gato é apaixonada pelo perigo e pelos riscos que há nesse relacionamento entre ladrões e vigilantes. Assim, a relação amorosa de Batman e Mulher-Gato não é ancorada no amor romântico, há muita malícia e provocação nos dois. Eles, na realidade, se relacionam com o estranho do outro, (uma hora, eu explico isso com mais calma). A Mulher-Gato traz à tona sentimentos conflituosos e contraditórios para o herói de Gotham City.

Fonte: http://hqonline.com.br/?page_id=629

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Cicatrizes

FONTE:

SMALL, David. Cicatrizes. Leya Cult, 2010.
CARROL, Lewis. Alice: Aventuras de Alice no país das maravilhas & Através do espelho e o que Alice encontrou lá. Tradução de Maria Luiza X. A. Borges. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2010.





Esse quadrinho é uma autobiografia de David Small, autor e ilustrador desse livro. Ele vai expor alguns momentos dolorosos que viveu, enquanto morava com seus pais. Na infância, a personagem David teve um câncer na garganta que afetou a sua voz.

David anuncia que viver sem voz será absolutamente significativo para a formação da personalidade dele. No início, ele faz um levantamento das linguagens sonoras da família. A mãe se impõe com os sons dos pratos na pia. O irmão se impõe com o som da bateria. O pai, (se eu não me engano), se impõe com o som da máquina de Raio X (não tenho certeza). A linguagem de David, para chamar atenção das pessoas, era ficar doente.
Quase sempre, David tinha algum problema de saúde. O pai sempre fazia uma centena de exames com Raio X para verificar a causa e os desenvolvimentos da doença, esse procedimento era padrão. Entretanto, por conta da quantidade de raios ultravioletas numa criança, David acabou desenvolvendo um câncer. O quadrinho conta a origem das cicatrizes que ele tem no pescoço e como isso foi significativo para formar a sua mentalidade no universo adulto.
O quadrinho traz uma referência literária famosa. A personagem David é fascinada pelo universo de “Alice no país das maravilhas”. Isso é absolutamente relevante para o desenvolvimento do enredo e a formação de personagem desse quadrinho. Quando criança, David acredita que a Alice entra no universo das maravilhas, onde flores falam, animais desaparecem e etc, porque essa garotinha possui cabelos dourados. Por isso, ele coloca uma toalha amarela e brinca no quintal, fingindo que possui cabelos dourados para entrar no universo das maravilhas de Lewis Carroll.
David entra na juventude e faz uma terapia. E, finalmente, entraremos no que essa resenha gostaria de discutir. David faz terapia com um coelho. (Particularmente, preferia fazer terapia com um gato, já que é o meu personagem favorito desse livro. Porém, eu imagino que o gato não me deixaria mais calma e sim mais confusa. Ele diria: “depende bastante de para onde quer ir?, disse o gato (...) Então não importa que caminho tome (...) Contanto que eu chegue em algum lugar, Alice acrescentou à guisa de explicação. Oh, isso certamente vai conseguir, afirmou o Gato, desde que ande bastante” [CARROLL, 2010, p. 48] ).
Por que o coelho? Eu juro que fiquei pensando sobre isso. Fazer terapia com o coelho faz mais sentido do que fazer terapia com o gato. Afinal, os gatos são budistas e anarquistas, na verdade, eles confundem as pessoas a agir de acordo com o caos e contrário a moral vigente. Os felinos estimulam que as pessoas sejam malucas, pensem por si mesmo e inventem a sua própria ética. Esses animais fazem isso através de suas ações, sem precisar conversar muito. Não faz menor sentido fazer terapia com o gato, ele não está aí para apontar caminhos, e sim para observar os andares de quem passa por esses caminhos. De certa maneira, até conta quem passa por esses caminhos, até avisa para Alice que, por um caminho, a garotinha vai encontrar a Lebre de Março e, no outro caminho, vai encontrar o Chapeleiro Maluco. Mas, o Gato, jamais, vai dizer: “vá ver a Lebre de Março” ou “vá ver o Chapeleiro Maluco”.
O Coelho leva a Alice para os mundos subterrâneos de seus sonhos. Alice corre atrás desse animal, porque sente curiosidade com a figura que o Coelho expressa, correndo apressadamente, enquanto grita que está atrasado. É esse animal que leva a Alice para as suas lágrimas, para as suas experiências de diminuir e aumentar, para a Rainha de Copas, louca, para lebre de março e para o Gato. De certa maneira, somente o Coelho, levaria ao entendimento das relações familiares e íntimas que David possui com a sua família.
Assim, David se transforma completamente, depois do encontro com o Coelho. Porque, desse jeito, ele entra e consegue interpretar a sua atitude com seus pais, consegue entender o universo psicológico de tensões e indiferença que existe na sua família. E, portanto, entende que a tempestade e as lágrimas, mais cedo ou mais tarde, seriam inevitáveis na sua vida.  O Coelho é quem faz a Alice atravessar as portas da realidade para o mundo das maravilhas. Nesse caso, esse animal faz o mesmo com David, com a diferença, é que, nesse quadrinho, não há um mundo fantástico. 

Videogames e Violência

“Na fase final da cultura grega
Cansado de si e de seus gestos
Tentou o homem a representação
Do rosto. Abandonando o volume
Reproduzia a desconfiança da
profundidade, do discurso em espiral
que desceram em torno de si.
A filosofia findara”.  (MAGALHÃES, 1977)

Os jogos de videogame são violentos. É, por conta disso, que as crianças pegam a arma do pai e assassinam seus coleguinhas da escola. A atribuição da culpa pode ser dada aos jogos, afinal são eles que mostram uma realidade, onde as crianças podem matar, ultrapassar os limites de velocidade, atropelar pessoas e desrespeitar as leis livremente. Eles brincam com jogos violentos e acreditam imediatamente que é possível vivenciar as mesmas coisas na vida.
Esse é o argumento mais comum, conciliando a violência e o videogame, que afirma uma relação direta. A causa dessa violência escolar está no fato de as crianças brincarem com videogame. Simplesmente, pelo fato de brincar com jogos violentos, o efeito disso é criar uma possível esquizofrenia nas crianças. Assim, não distinguindo a realidade da ficção, vivenciando uma realidade, onde não há castração dos adultos e eles podem ser os mais fortes.
Segundo Freud, negar a violência e o sexo é ignorar as duas pulsões mais importantes na condição humana. A Bíblia também é muito violenta, existem cenas de incesto, estupro e sangrentas chacinas. Os gregos acreditavam que o herói trágico precisava despertar o terror e a piedade no público: “Como a composição das tragédias mais belas não é simples, mas complexa, e além disso deve imitar casos que suscitam o terror e a piedade (porque tal é o próprio fim dessa imitação)” (ARISTÓTELES, 1991, p. 251-252).
A necessidade de se aproximar mais fielmente possível do real é antiga. Pode-se acreditar que ela se desenvolveu mais no século XVIII ou no XIX na literatura, por conta dos positivistas e da influência do realismo nos gêneros narrativos como Romance e Crônica. Entretanto, esse debate é antigo, Platão, por exemplo, negava a poesia mimética, dizendo que ela era perigosa para a República, expulsando os poetas, afinal os artistas fingiam ser outras pessoas e não conseguiam exatamente explicar a utilidade da arte na vida em sociedade. Mímesis, uma palavra grega, que ganhou diversas traduções ao longo da história como: imitação, verossimilhança, teatralidade e etc. Aristóteles, ao contrário, defende a poesia mimética como uma meio de chegar ao conhecimento e a filosofia. Nos jogos de videogame atuais, essa necessidade de criar jogos que se aproximam do mundo real é só mais uma face antiga da humanidade apreender e expressar as coisas que existem no mundo, também aperfeiçoada com a tecnologia. 
“Édipo Rei”, “Medéia” e “Prometeu acorrentado” são tragédias que também se ancoram em situações fictícias violentas. Na maioria das vezes, o herói precisa tomar uma decisão que mudará o rumo de toda a sua trajetória. Édipo vê o suicídio de sua própria mãe e, em seguida, fura os seus dois olhos, cegando-lhe completamente. Medéia assassina a noiva de Jasão e também assassina seus próprios filhos. Prometeu, após o ato tempestuoso contra os deuses, é castigado para sempre, amarrado numa pedra, enquanto é comido por urubus. A antiguidade nunca negou essas leituras para as crianças. Havia uma crença que, através da arte, era possível aprender e se aproximar do conhecimento.
Jesus Cristo foi crucificado, torturado e humilhado. Sempre, nas sessões da tarde, fazem questão de mostrar essa cena de violência. Insistindo, de todas as formas possíveis, que esse ato de Cristo foi um símbolo de Amor (Ágape).  O cordeiro de Deus, que tirou os pecados do mundo, na verdade, fez esse sacrifício pela humanidade. Não é novidade, a religião precisa do medo e da violência para ensinar conteúdos aos seus crentes.
Os videogames não incitam violência. Na verdade, a violência já existe no sujeito. Pode-se trabalhar a agressividade para outros alvos. No dicionário, a palavra  violento significa: “adj. 1. Que se atua com força ou grande impulso; impetuoso. 2. Irascível. 3. Agitado, tumultuoso. 4. Intenso. 5. Contrário ao direito, à Justiça”. Matar uma pessoa é uma ação que a humanidade já fazia sem precisar de videogames. A doença não está no objeto. Uma mente incapacitada de separar a realidade da ficção é capaz de fazer isso com a Bíblia, as tragédias e etc, colocando a culpa pelos seus atos em Deus ou em escrituras sagradas. A desigualdade social cria tensões suficientemente mortais para resultar em desastres sangrentos.
Não me incomodo com a violência dos jogos de videogames, elas são parecidas com a violência da grande Literatura Clássica e da Bíblia. A diferença é que a imagem se apresenta fenomenalmente. O que é natural, não existe mais uma cultura livresca, há pelo menos dois séculos. É a imagem que conduz a elaboração de pensamentos do mundo contemporâneo. Fico mais incomodada com a violência desmedida e, aparentemente, banal nos jornais matutinos que passam na televisão. Essa violência, observada como algo natural, e que não provoca nenhuma indignação do público. Pode ser motivo de mais estranhamento e revolta, afinal os jornais não são neutros em sua opinião política.

Fonte:

ARISTÓTELES. Poética. Tradução , comentários e índices analíticos e onomástico de Eudoro de Souza. São Paulo: Nova Cultura, 1991. (Os pensadores)
MAGALHÃES, Joaquim Manuel. Vestígios. Coimbra: Centelha, 1977.
Canal mas poxa vida:  Balões, Videogames e Massacres. https://www.youtube.com/watch?v=adKUo2mClNg

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

A faca


Um corte macio por um metal esquecido
a minha pele é separada em duas
(Talvez, a arma branca estava escondida em uma caixa de sapatos. Estou sendo irônico! É só uma piada)
Caixa de sapatos e suas tranqueiras é o verdadeiro mundo das maravilhas. Alice poderia muito bem se perder dentro de uma caixa de sapatos.
Ela preferiu ficar perdida nos seus subterrâneos oníricos. Todos nós! Todos nós! O que eu sonhei ontem à noite?
A faca suga palavras impossíveis. Esqueci qual era o nome da minha mãe. Um fantasma me impediu que eu fosse completar meu último ato. Não que eu acreditasse em fantasmas, nunca acreditei. Sou ateu; mas, sempre costumo esquecer a palavra que antecede o “adeus”. Aaaah! Um corte suave que desfigura lentamente meus braços e pernas. Eu esqueci, talvez, as palavras impossíveis em uma dessas caixas de sapatos, elas poderiam entrar na ferida que eu mesma criei, simplesmente, pelo prazer de criar machucados. Qual era o nome do irmão que minha mãe abortou? Qual era o nome do filho que eu ia ter com Maria? Qual era mesmo o nome dos meus pais? O sangue escorre quente, a faca alisa sua passagem como um tapete cinza, a coloração vermelha ilumina a frieza do metal. As palavras escorrem sem nomes, elas são pequenos sons caminhando na multidão indiscriminada do silêncio.
Um metal anônimo perdido no meio de monte de tranqueiras. Ao lado de listas banais e notas fiscais, a faca espera a palavra certa. O momento oportuno, para deixar de ser anônima, o metal anônimo deixará de ser uma tranqueira cega e esquecida dentro de um caixa de sapatos para virar uma faca de um suicida. O mundo costuma aplaudir os deprimidos e os drogados, facas de suicidas ganham fotos na primeira página de revistas famosas. Sugando palavras indizíveis, o sangue acalenta a frieza do ato. O tédio sucumbe, eu sinto prazer pelos meus machucados. Palavras que não são ditas, são doenças escondidas.  O fantasma é a fotografia que guardei dentro da caixa de sapatos.
A foto de uma pessoa que eu recortei com uma tesoura. Na verdade, existe apenas o contorno dessa pessoa. A fotografia é a imagem da ausência, é o alimento da minha imaginação. Afinal, o que é a memória do que um lugar onde o passado recebe o auxílio da criatividade e da imaginação. Não me recordo sequer da voz dessa pessoa, sou um homem que preferiu esquecer os nomes que fizeram parte da minha história. Os nomes só servem para atrapalhar. (Eu falo demais, falo demais, quero me calar).
A suavidade de um corte profundo na minha garganta aquietando qualquer possibilidade de produzir mais sons. Poderia enfiar essa faca manchada dentro da minha boca, eu paro assim de produzir sons. Inventar doenças também é parte das minhas atividades favoritas, eu me formei em medicina, porque era apaixonado por doenças infectuosas. Faço de mim mesmo a minha melhor cobaia, - óh! Cacete! Como dói inventar feridas.  Qual era o nome? Qual era o nome? A faca suga as palavras que me restam, não consigo mais produzir vogais, produzo pequenas vibrantes e bilabiais. Me reconheço como um bebê. Choro devagar, não há nenhum som reproduzido por mim, apenas a imagem sonora que ganha formas diante da multidão de silêncios dentro do sótão. A caixa de sapato grita: “A faca está cheia de história! A faca é a história”.
Cortei devagar minhas cordas vocais, destruí cada uma delas como um violão. É meio surreal, como é possível se manter vivo depois de cortar a garganta? Depois de perder tanto sangue? A faca grita: “ eu virei uma tagarela! Todos vão perguntar sobre você, o que eu vou falar? O que eu vou dizer?” Eu só consigo enxergar vagamente o desespero verborrágico das coisas, sinto pena, choro devagar. A fotografia diz: “ você pode me recortar, mas a sua imaginação sempre estará viva. A memória não vai deixar de existir”. O fantasma ainda está vivo, a faca de suicida terá a sua fama. Eu morro como um personagem literário, como morreu Édipo Rei. Eu sou ninguém.

A caixa de sapatos grita: “ele morreu! Ele morreu!”.