segunda-feira, 1 de abril de 2013

Ventre


A menstruação pode ou não estar ocorrendo em meu corpo, minha barriga clama e os meus ovários são o grande mistério. Será um filho ou um aborto? Estou prestes a me parir de novo ou vou parir outra vida iminente? As palavras fogem. Ainda tenho alguns defeitos, escrevo querendo agradar.
(Não deveria, sei que não deveria).
 A escrita imita tão bem a vida, às vezes a minha dúvida é tão grande que não sei bem se esse roteiro é meu ou se alguém escreve por mim. Sei só que a vida e a arte são irmãs gêmeas, bastante temperamentais. A vida só é limitada pela morte. A arte é só limitada pela eternidade.
Quero viver sem ter que pedir autorização ao mundo (autorização de ser eu mesma), mas tenho medo que a minha vida inteira seja uma ficção, um enorme fracasso. Meus pais possuem um controle vital de minhas ações a ponto de toda a minha identidade ter sido constituída por conta de nossa relação. O que eu sou de virtude e defeito, vieram deles. Eu os culpo, mas deveria culpar a mim que tenho medo de impor os meus valores e assumir as consequências desses atos. O meu ventre pode gerar um futuro que poderá me destruir ou poderá criar novos valores.
Tenho medo de morrer sozinha. Não falo de amor, quer dizer, de um homem ao meu lado, falo de pessoas que gostam de estar comigo. Talvez eu devesse abandonar completamente a ideia de ser artista, (ideia essa que suscita a perda total, inclusive de todo ou qualquer resquício de moralidade cristã e de tudo que relembre o paternalismo). Contudo, não saberia pensar a minha vida sem criação. Desde criança eu produzo coisas, produzo sonhos, aprendi a fazer brinquedos e a fantasiar a minha realidade. O meu corpo criava em mim o delírio da fome, eu inventava o alimento e, depois, produzia cocô. Não é por vaidade que invento de inventar coisas, é por necessidade de criação. Por isso, mesmo sabendo da minha possibilidade de fracasso total. Eu quero criar, qualquer coisa, qualquer merdinha ou patifaria furada. As palavras – fonte de sufocáveis inquietudes – são preciosas, porque alimentam a minha individualidade medíocre que me comporto. Assumo que o meu fracasso é inevitável, mas também assumo que me é indispensável continuar criando.
Talvez eu consiga me parir ainda esse mês, mas é sempre o mistério toda a irregularidade das minhas regras. É sempre presente o risco que eu tenho de ter problemas, viver na dúvida, viver nessa inteira confusão e nesse desespero. Poderia, assim, incitar o brotamento de palavras desconhecidas, como: gravidez, filho ou a pos-si-bi-li-da-de i-me-diata de aborto. Seriam palavras novas que produziriam a abertura de um novo mundo aos meus pés. A imaginação é sempre a metade da realização de uma vida, a outra metade é a ação.
Minhas palavras são todas medíocres. O mundo que eu vivo é mais banal, só sei produzir as palavras que todo mundo fala e diz no cotidiano entre amigos, primos e namorados (esses amores que nunca foram meus. Olho agora um beijo na boca de um casal e me imagino a menina beijada. Sonho em pé no meio da rua, entre os carros e no caos. Estórias de amor que eu invento da minha cabeça e que, depois, como vingança as destruo, já que nunca foram minhas). Na verdade, eu sou uma roubadora de mundos, de frases e sotaques. Roubo tanto as pessoas, tão descaradamente, que acho que não me conheço direito. Me confundo demais, não sei direito se eu conto minhas histórias ou se conto as histórias dos outros para falar de mim. O que há de mais real na minha vida é somente a minha menstruação. Meu sangue que tanto escorre costuma sujar demais os meus pensamentos, costuma me fazer chorar palavras que pouco importam aos machos, palavras tão mulherzinhas que, mal ou bem, requer sensibilidades além do feminino.
Infelizmente, tenho a ousadia de ser eu mesma, o problema é que a sociedade rege tantos papéis sociais sobre o feminino e o masculino que uma pessoa assumindo a sua identidade para o mundo é motivo de loucura. Vou desagradar, tenho tanto medo, vou atrair inimigos e não terei os meus amigos vivendo sempre comigo no meu cotidiano para ver as decisões que eu tomo na vida. Por um lado é bom, não preciso contar a verdade o tempo inteiro; por outro, às vezes, sinto uma necessidade enorme de alguém guiando os meus passos. Eu sou tão carente, é tão ridículo chegar nessa conclusão sozinha, mas é verdade. Detesto fazer coisas que eu sei que as pessoas não gostam, mas também não posso fazer coisas que eu não gosto. Não posso me trair.
Não tenho mais idade para cometer traições. Sou absolutamente fiel, mesmo traindo oitocentos homens e sendo amante de todos os homens casados de São Paulo. Não consigo me imaginar vivendo no mundo, onde a traição contra eu mesma seja possível. Se eu faço uma coisa contrária do que eu queria, não é infidelidade com o meu ser, é na verdade ação contrária ao meu pensamento. Nem sempre o que se pensa é o que se é. Ao mesmo tempo, nem sempre o que se é é o que se sonha. Nem toda a ação e pensamento vivem uma relação de causa e efeito. Infidelidade não é contrariedade, é oposição. Não teria coragem de me opor, negando tudo que eu já criei e fui. Eu sou a pessoa que multiplica erros, não que subtrai acertos.
A minha menstruação pode ou não estar ocorrendo agora. Sinto o silêncio brotando no meu ventre. E se for gravidez? Nem tenho idade para cuidar de mim. Teria idade certa para criar futuro? O tempo é um ovário misterioso. As palavras fugiram com o vento. Aquele casal se entreolha feliz, acho que eles vão embora. Foram, acabaram de ir. As palavras também se foram, não vou falar para ninguém o que aconteceu aqui. Esse vai ser um segredo meu que guardarei para o meu ventre. 

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