quinta-feira, 11 de abril de 2013

O amor dos sonhos: gigolô dos nossos desejos


ATRÁS DOS OLHOS DAS MENINAS SÉRIAS
Mas poderei dizer-vos que elas ousam? Ou vão, por
injunções muito mais sérias, lustrar pecados que
jamais repousam?
(Ana Cristina César)

Certa vez, caminhando em direção ao centro de São Paulo, parei diante de uma vitrine de roupas e me imaginei uma Audrey Hepburn olhando a vitrine de diamantes da Tiffany’s. Cantando ao fundo da cabeça, but diamonds are girl’s the best friends. Olhando aquelas roupas, me imaginei com um elegante óculos escuros, desfilando maravilhosamente entre a pobreza e as ruínas do Brasil que não conheço. Há muitos Brasis que não conheço. Só caminhei em frente, diante de afortunados homens esquisitos andando com as suas gravatas que enforcam os pescoços. Nem olham para as mulheres bonitas. Porra! Me imaginei muito a Audrey Hepburn.
Por trás dos olhos da estrela de cinema, existe a personagem Holly Golightly, uma garota de programa com identidade mutável que tinha um gato. Terminando em um estranho final feliz, reconciliado com o mundo, finalmente nomeada diante da classe média, talvez casada com o escritor de cabelos loiros e bonitão. Quem sabe o que rolou depois daquela cena de chuva? Depois do beijo, rolou múltiplos orgasmos. A experiência amorosa se revelou harmônica com a relação sexual. Ambos se olharam intimamente, com olhos fixos em si mesmos e perceberam que os seus egos seriam para sempre contrários a vontade do outro. Até que o gato (aquele animal sem nome e identidade no início) ficou entre os dois, como uma espécie de consciência, nenhum dos dois jamais poderia ficar juntos. Não porque não se amavam, mas justamente porque se amavam tão profundamente, sendo impossível essa realização amorosa, um precisava do outro em liberdade. Eles se olharam, depois do longo beijo e da tempestade, nunca mais puderam dividir a mesma cama. Sozinhos, voltaram para casa. Por trás da moça dos gatos, nesse olhar triste que esconde os olhos, fumando um cigarro longo e com vestido elegantemente preto, combinando com tudo ao seu redor, o que há?
Será que elas ousam? Será que há ousadia nos passos dessa moça? Musa do cinema norte-americano. Musa que não chega nem perto da deslumbrante Marilyn Monroe, com o seu poderoso batom vermelho. Musa boazinha, fazendo um papel de rebelde. É ousadia terminar com beijo no final? É possível até acreditar em esperança. (porque sim, as pessoas assistem Bonequinha de luxo por conta do beijo no final. Todo filme é legal por conta do beijo). Mas,  além do beijo, - além do glamour, - por trás dos olhos das garotas sérias?  O sonho norte-americano. Ou uma angústia estonteante? Tão inebriante esse olhar que a musa se perde nos passos de um ser banal, perde o ar de musa, o cabelo despenteado, os sonhos arregaçados com a ressaca de ontem e uma certeza futura: o amanhã é um talvez, provavelmente, não terei o beijo no final. É até possível nem chover.
Andando pelas ruas, sou atrapalhada por meninos, empurrada por homens estressados. Não tenho sequer expressão no rosto. É até impossível fazer essa pergunta: o que há por trás dos olhos das meninas sérias? Não há nada, nem sequer esperança. Apenas, ando para não perder o costume de andar. Esqueço que existe rumo, não lembro nem a direção do passado, esqueço que o futuro é amanhã. Vivo o presente como se não vivesse, não faço perguntas complexas, evito dizer aos meus amigos que eu estou meio triste essas semanas. O que me vem a cabeça é o improvável, olho as roupas da vitrine. E repito comigo mesma: não tenho mais perguntas, não sei mais fazê-las. Quero mesmo é comprar essa bolsa nova, combinando com esse sapato. Por trás das roupas da menina séria? Um corpo desnudo, apenas. Esvaziado de sonhos, sem pureza, só sacanagem, sem sonhos norte-americanos por falta de glamour, sem ser mulher por ser muito moleca, sem ser nada. Apenas, um corpo desnudo desejando uma mercadoria insignificante que naquele momento é tudo. Por trás da mulher bonita de olhos inexpressivos? A falta de dinheiro para comprar o seu sonho. 

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