Mas poderei
dizer-vos que elas ousam? Ou vão, por
injunções muito
mais sérias, lustrar pecados que
jamais repousam?
(Ana Cristina César)
Certa
vez, caminhando em direção ao centro de São Paulo, parei diante de uma vitrine
de roupas e me imaginei uma Audrey Hepburn olhando a vitrine de
diamantes da Tiffany’s. Cantando ao fundo da cabeça, but diamonds are girl’s
the best friends. Olhando aquelas roupas, me imaginei com um elegante óculos
escuros, desfilando maravilhosamente entre a pobreza e as ruínas do Brasil que
não conheço. Há muitos Brasis que não conheço. Só caminhei em frente, diante de
afortunados homens esquisitos andando com as suas gravatas que enforcam os
pescoços. Nem olham para as mulheres bonitas. Porra! Me imaginei muito a Audrey
Hepburn.
Por
trás dos olhos da estrela de cinema, existe a personagem Holly Golightly, uma garota de programa com identidade mutável que tinha um
gato. Terminando em um estranho final feliz, reconciliado com o mundo,
finalmente nomeada diante da classe média, talvez casada com o escritor de
cabelos loiros e bonitão. Quem sabe o que rolou depois daquela cena de chuva? Depois do beijo, rolou
múltiplos orgasmos. A experiência amorosa se revelou harmônica com a relação
sexual. Ambos se olharam intimamente, com olhos fixos em si mesmos e perceberam
que os seus egos seriam para sempre contrários a vontade do outro. Até que o
gato (aquele animal sem nome e identidade no início) ficou entre os dois, como
uma espécie de consciência, nenhum dos dois jamais poderia ficar juntos. Não
porque não se amavam, mas justamente porque se amavam tão profundamente, sendo impossível essa realização amorosa, um precisava do outro em liberdade. Eles se olharam, depois do longo beijo e da
tempestade, nunca mais puderam dividir a mesma cama. Sozinhos, voltaram para
casa. Por trás da moça dos gatos, nesse olhar triste que esconde os olhos,
fumando um cigarro longo e com vestido elegantemente preto, combinando com tudo
ao seu redor, o que há?
Será
que elas ousam? Será que há ousadia nos passos dessa moça? Musa do cinema
norte-americano. Musa que não chega nem perto da deslumbrante Marilyn Monroe,
com o seu poderoso batom vermelho. Musa boazinha, fazendo um papel de rebelde.
É ousadia terminar com beijo no final? É possível até acreditar em esperança.
(porque sim, as pessoas assistem Bonequinha de luxo por conta do beijo no
final. Todo filme é legal por conta do beijo). Mas, além do beijo, - além do glamour, - por trás
dos olhos das garotas sérias? O sonho
norte-americano. Ou uma angústia estonteante? Tão inebriante esse olhar que a
musa se perde nos passos de um ser banal, perde o ar de musa, o cabelo
despenteado, os sonhos arregaçados com a ressaca de ontem e uma certeza futura:
o amanhã é um talvez, provavelmente, não terei o beijo no final. É até possível
nem chover.
Andando
pelas ruas, sou atrapalhada por meninos, empurrada por homens estressados. Não
tenho sequer expressão no rosto. É até impossível fazer essa pergunta: o que há
por trás dos olhos das meninas sérias? Não há nada, nem sequer esperança.
Apenas, ando para não perder o costume de andar. Esqueço que existe rumo, não
lembro nem a direção do passado, esqueço que o futuro é amanhã. Vivo o presente
como se não vivesse, não faço perguntas complexas, evito dizer aos meus amigos
que eu estou meio triste essas semanas. O que me vem a cabeça é o improvável,
olho as roupas da vitrine. E repito comigo mesma: não tenho mais perguntas, não
sei mais fazê-las. Quero mesmo é comprar essa bolsa nova, combinando com esse
sapato. Por trás das roupas da menina séria? Um corpo desnudo, apenas.
Esvaziado de sonhos, sem pureza, só sacanagem, sem sonhos norte-americanos por
falta de glamour, sem ser mulher por ser muito moleca, sem ser nada. Apenas, um
corpo desnudo desejando uma mercadoria insignificante que naquele momento é
tudo. Por trás da mulher bonita de olhos inexpressivos? A falta de dinheiro
para comprar o seu sonho.
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