Uma
parte de mim é corpo inteiro. Outra parte é fragmento.
Tenho
som e silêncio ao mesmo tempo. Sou uma orquestra estranha,
Andante,
minto aos semideuses com estupendos chapéus. Eles que andam, entediados,
entre
nós e me questionam: “ És um homem completo?”
E
digo: “Sou inteiro. Sou um corpo completo.”
Acordo
pela manhã. Procuro imediatamente a minha cabeça.
Não
me recordo se eu a deixei na gaveta de cima ou na gaveta de baixo.
Procuro,
procuro e procuro: “Cadê a minha cabeça?”... Penso. Bato de cara com a parede
do banheiro. Eis um Espelho! Vejo um pescoço, perdi o meu rosto e não consigo
encontrar. Para resolver esse problema, eu recorto a minha bunda. Arrumo-a no
pescoço. Falo: “Hoje eu vou sair com cara de bunda!...”
Vou
ao escritório, durmo o dia inteiro em cima da mesa.
Sonho
constantemente com a vizinha pelada em cima de mim.
Mas,
sempre quando passo por ela, naquela padaria da esquina, eu esqueço de
perguntar o seu nome. Derramo café por entre as minhas pernas. Saio como um
desastrado e vou direto ao escritório. Morto pela vergonha, quando estou diante
de uma mulher bonita.
PÁ!
Batem na minha mesa. É o meu chefe... Não respondo, balanço sempre com a minha
cabeça positivamente. Digo que sim, encontrarei os relatórios para SGM&
Company.
Ao
sair do trabalho, eu vou direto pro bar. Encontro Dinho e Marcelina se
agarrando pelos cantos, converso com Dingo sobre poesia, arte, cinema, minha
falta de grana e os meus sonhos com a vizinha gostosa. Ele ri.
Quando
menos, eu percebo, estou sozinho. No meio da madrugada. Não quero olhar o
relógio. Vejo um copo com algo alcoólico em cima da mesa (há essa hora, já não
me interessa mais o que é. Eu só bebo, sem mágoas, bebo, talvez, para esquecer).
E volto ao começo:
Uma
parte de mim é corpo inteiro. Outra parte é fragmento.
Fragmentos
de sonhos que esqueci de realizar
Fragmentos
desse líquido que acabo de beber
Fragmentos
desse ar estúpido que respiro
Pelo,
água, ar e cílios
Vou
me perdendo pelos cantos
Uma
hora eu me esqueço de achar
Meu
braço direito se revolta comigo separando do meu corpo. Veja! Sai andando pelo
salão, - eu que aprendi ser destro a vida inteira, sou obrigado a aprender ser
canhoto. – ele prefere dançar e rodopiar nas mesas, ao som de Gardel, do que
ficar comigo. Não o culpo, eu também se eu fosse o meu braço, não suportaria a
minha presença e dançaria por entre as mesas. Me deixaria com a cara de bunda.
Minha
perna também se desvencilha do meu corpo, ela me pesa. Não consigo me
equilibrar, estou com uma perna só. A perna direita sai em direção ao meu
braço, eles preferem dançar. Eu fico canhoto e sem equilíbrio. Não consigo encontrar
o meu eixo, fico mau humorado, sem jeito com o meu corpo.
Meus
fragmentos se dispersaram. Nada na minha vida é retilínea. Todo o meu corpo se
compõem por partes que não são minhas. Sou uma máquina estranha chamada ser
humano, mas também não sou máquina. Quando os semideuses me perguntam: “És
humano?” Eu respondo: “Sou uma parte do fragmento inteiro, a outra parte não
consigo encontrar”.
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