sábado, 2 de março de 2013

O ATOR


Uma parte de mim é corpo inteiro. Outra parte é fragmento.
Tenho som e silêncio ao mesmo tempo. Sou uma orquestra estranha,
Andante, minto aos semideuses com estupendos chapéus. Eles que andam, entediados,
entre nós e me questionam: “ És um homem completo?”
E digo: “Sou inteiro. Sou um corpo completo.”

Acordo pela manhã. Procuro imediatamente a minha cabeça.
Não me recordo se eu a deixei na gaveta de cima ou na gaveta de baixo.
Procuro, procuro e procuro: “Cadê a minha cabeça?”... Penso. Bato de cara com a parede do banheiro. Eis um Espelho! Vejo um pescoço, perdi o meu rosto e não consigo encontrar. Para resolver esse problema, eu recorto a minha bunda. Arrumo-a no pescoço. Falo: “Hoje eu vou sair com cara de bunda!...”

Vou ao escritório, durmo o dia inteiro em cima da mesa.
Sonho constantemente com a vizinha pelada em cima de mim.
Mas, sempre quando passo por ela, naquela padaria da esquina, eu esqueço de perguntar o seu nome. Derramo café por entre as minhas pernas. Saio como um desastrado e vou direto ao escritório. Morto pela vergonha, quando estou diante de uma mulher bonita.
PÁ! Batem na minha mesa. É o meu chefe... Não respondo, balanço sempre com a minha cabeça positivamente. Digo que sim, encontrarei os relatórios para SGM& Company. 

Ao sair do trabalho, eu vou direto pro bar. Encontro Dinho e Marcelina se agarrando pelos cantos, converso com Dingo sobre poesia, arte, cinema, minha falta de grana e os meus sonhos com a vizinha gostosa. Ele ri.

Quando menos, eu percebo, estou sozinho. No meio da madrugada. Não quero olhar o relógio. Vejo um copo com algo alcoólico em cima da mesa (há essa hora, já não me interessa mais o que é. Eu só bebo, sem mágoas, bebo, talvez, para esquecer). E volto ao começo:

Uma parte de mim é corpo inteiro. Outra parte é fragmento.
Fragmentos de sonhos que esqueci de realizar
Fragmentos desse líquido que acabo de beber
Fragmentos desse ar estúpido que respiro
Pelo, água, ar e cílios
Vou me perdendo pelos cantos
Uma hora eu me esqueço de achar

Meu braço direito se revolta comigo separando do meu corpo. Veja! Sai andando pelo salão, - eu que aprendi ser destro a vida inteira, sou obrigado a aprender ser canhoto. – ele prefere dançar e rodopiar nas mesas, ao som de Gardel, do que ficar comigo. Não o culpo, eu também se eu fosse o meu braço, não suportaria a minha presença e dançaria por entre as mesas. Me deixaria com a cara de bunda.

Minha perna também se desvencilha do meu corpo, ela me pesa. Não consigo me equilibrar, estou com uma perna só. A perna direita sai em direção ao meu braço, eles preferem dançar. Eu fico canhoto e sem equilíbrio. Não consigo encontrar o meu eixo, fico mau humorado, sem jeito com o meu corpo.

Meus fragmentos se dispersaram. Nada na minha vida é retilínea. Todo o meu corpo se compõem por partes que não são minhas. Sou uma máquina estranha chamada ser humano, mas também não sou máquina. Quando os semideuses me perguntam: “És humano?” Eu respondo: “Sou uma parte do fragmento inteiro, a outra parte não consigo encontrar”. 

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