Como
escrever? Ela que já foi um mito para as mulheres, já foi uma musa para os
homens, já foi uma atriz que ganhou prêmios. Hoje, ela é anônima. Quarenta anos
(e poucos), depois da Ditadura Militar Brasileira. Quem é Leila Diniz? Um nome.
Uma figura. Uma vadia. Alguém.
-
Bruna! – me fala um amigo – você tem que escrever algo sobre ela. Faça uma dramaturgia que imita a figura imaginária que
o mundo criou dela
-
ah! Um dia eu faço...
Três
pontinhos. Um dia eu faço. Esse dia nunca vem, ele passa, passa e continua
distante. Passa o ano, vai outro e dias e horas. Me falam sobre Madonna, Marylin
Monroe, Audrey Herburn e entre outros. Mas cadê aquela que, em pleno período da
Ditadura Militar, tirou uma foto que iria mudar a vida das mulheres e ia deixar
a alta burguesia carioca, absolutamente pirada. Aquela que tinha uma série de
contradições, mas que, mesmo assim, com a sua irreverência, palavrões e risada,
segundo Carlos Drummond de Andrade, “Leila para sempre Diniz, feliz na
lembrança gravada: moça que sem discurso nem requerimentos soltou as mulheres de
vinte anos presas ao tronco de uma especial escravidão”. Ela que ninguém conhece
mais, ninguém que nasceu em 1990 sabe sequer que existiu. Mas existiu.
Hoje,
ela poderia ser uma lenda. Uma espécie de Vênus estranha que adora o mar e que
recita aquele poema do filme Edu, coração
de ouro:
“Brigam Espanha e Holanda pelos direitos do mar
O
mar é das gaivotas que nele sabem voar
Brigam
Espanha e Holanda porque não sabem
O
mar é de quem sabe amar”
Ou então. Com aquelas tiradas famosas que explicitam a Geni, que o Chico Buarque um dia cantou, a moça que dá pra todo mundo. Aberta pro mundo. Generosidade de corpo e alma. As frases que marcariam a presença para sempre Diniz:
“eu
dou pra todo mundo, mas não dou pra qualquer um”
“Tarso:
você gosta de mulher?
Leila:
Gostei de mim quando fui tomar banho de mar pelada de noite em Parati e tinha
aquela água brilhando com a lua. Você quer morrer, fica com aquelas gotinhas
prateadas no corpo, divina e maravilhosa”
“Jaguar:
Amar e ir pra cama não é a mesma coisa?
Leila:
Não. Eu acho bacana ir pra cama. [...] Agora, eu não acredito nessa coisa do amor
possessivo e acho chato. Você pode amar muito uma pessoa e ir para cama com
outra. Isso já aconteceu comigo.”
“Cafuné
na cabeça, Malandro, até de macaco”
“
– caralho
-
o que é isso Leila?
-
você sabe o que é, Yoná, só não está
ligando o nome à pessoa”
E
muitas outras frases. Eu que lia essas frases, ficava imaginando, mano, que
vontade de usar elas. Todo dialeto solto, dito com absoluta espontaneidade,
sendo uma afronta ao comportamento normativo feminino e, principalmente, a língua
portuguesa, bela e perfeita, entre as mulheres. Uma mocinha, tão bonitinha,
dentucinha, de trancinha, não deveria agir como um moleque (dizia a sociedade,
dizia a moral e os bons costumes).
Mas.
No seu diário, que ela escrevia desde quando tinha quatorze anos, Leila mesma
se explicaria:
“(...)
Sei que me arrisco a ficar sozinha e mesmo a um isolamento maior e absoluto,
mas eu pago pra ver. Não é só atitude, é necessidade, é ser. Não vou deixar de
procurar em mim, saber minhas coisas, meu caminho, minhas verdades e ser como
sou. Fiz essa escolha, essa opção na vida e acho que ela vale as consequências.
Não vou parar pra me acomodar às coisas mais ‘bonitinhas e limpas’, às
situações protetoras (que são limitadoras e podadoras), prefiro ficar aí. No
meio da briga, no meio da zona, nua. Parando em tudo que me interessar”
O
que é a Leila Diniz? Não acho que o mundo precisa de mais mitos. Pobre nação é
aquela que precisa de heróis. Mas recordar os mortos e os possíveis ensaios de
liberdade dessa nação brasileira é talvez a obrigação de todo e qualquer
artista. As vozes dos mortos ainda
pairam os gritos dos vivos. Os sonhos, dessa juventude de 1968, ainda não
acabaram. Leila foi um cometa, deixou rastros, estão invisíveis. Mas estão
aqui.
-
quando é que você vai escrever a história da Leila Diniz, Bruna?
-
vou seguir o que ela ensinou a outras mulheres do seu tempo. Vou escrever a
minha história, vou dar asas a minha voz, vou tentar marchar junto com o meu
tempo. Vou errar, vou fazer merda. A história da Leila é um passado de todas as
mulheres, mas também é o meu presente. Luto pra ser eu mesma, porque o mais
difícil é sempre tornar-se aquilo que já é e sempre foi.
-
então, tu não vai escrever sobre ela?
-
não, eu vou escrever a minha história. Vou escrever sobre mim. Escrever sobre
mim é escrever também sobre a minha geração. Eu quero a minha geração gritando
o que os mortos cerraram de gritar. É isso. A história não para. Eu nunca vou
escrever nada sobre a Leila Diniz.
Indicações de Leitura:
as citações foram todas retiradas (algumas foram retiradas na minha memória):
SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Perfis Brasileiros: Leila Diniz uma revolução na praia. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
outro livro:
VENTURA, Zuenir. 1968 o ano que não terminou. 3 edição. São Paulo: Editora do Brasil, 2008.
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