sábado, 25 de outubro de 2014

"Minha literatura é melhor que a sua"

Essa título se refere a um evento bastante presente no nosso cotidiano, a ideia do colonizador de sempre acreditar que a sua cultura é sempre melhor que a cultura do Outro:

"- Ah! eu leio Paulo Coelho
- Ah! Prefiro ler Odisseia"

Não importa discutir, para os objetivos do texto, sobre as diferenças de estrutura literária, (é claro que há textos melhores ou piores na elaboração estrutural!),  o que interessa aqui é o que está oculto nesse diálogo. Pode-se trocar o título ou o autor dos livros, pode-se até colocar bons autores no lugar dos ruins, (ao invés de Paulo Coelho ser Caio Fernando de Abreu, Harry Potter e etc), a frase do interlocutor sempre será essa: " Ah! Eu prefiro ler y a x..". No fundo, o que este está querendo dizer é: "A minha literatura é muito melhor do que a sua". 

O Professor de Literatura é o profissional que precisa seduzir o estudante para oferecer meios e técnicas que faça-o acessar obras literárias que são universais, que atravessaram gerações. Esse professor é quem enfrenta efetivamente a dificuldade de conhecer outros letramentos que não estão presentes na cânone. A cânone não dialoga diretamente com a vida social do estudante contemporâneo. Esse diálogo precisa ser mediado com a figura desse profissional da educação. Assim, ao lado do estudante, dando sentido para obras literárias na vida cotidiana. 

Por que não há interesse nas obras universais? Talvez, por diversos motivos, ou porque a obra, realmente, não dialoga com o mundo do estudante; talvez, porque, na biografia dessa pessoa, houve péssimos professores que não deram meios para acessar a obra literária; talvez, porque, os leitores tenham alguma dificuldade de leitura (o analfabetismo funcional pode influenciar); talvez, porque, não há gosto de leitura, porque não quer se contaminar com textos de outros autores (o que é discutível, afinal é impossível não se contaminar com outros; se isso não é feito através da leitura, será feito de outras maneiras. Contaminar-se é uma atitude humana por excelência). Enfim, os motivos, pela falta de interesse nas obras universais, são vários. A educação é um dos temas relevantes para discutir esse assunto. 

Há um limite híbrido esse de negar alteridade. É possível que um profissional de literatura chega numa sala de aula e no fundo diga: "vocês são idiotas, porque vocês estão lendo esses textos ruins. Vocês estão emburrecendo, porque leem 'Crepúsculo', '50 tons de cinzas" e etc". A leitura afeta as pessoas por diversas razões. E como diria uma professora do fundamental (que eu tive): " para quem está começando a ler, a criar o hábito de leitura, até bula de remédio serve!". 

Entretanto, usando a frase de outro professor de filosofia (que eu tive): "nem sempre lemos aquilo que gostamos, às vezes, a gente tem que ler livros que detestamos". A leitura de um texto, que possivelmente, nos desagrada, é, na realidade, um choque com outro pensamento, uma outra cultura. Esse choque precisa ser oferecido por profissionais da educação, mas não somente por eles. Aprender a ouvir os motivos, que as pessoas levam à ler determinados livros ao invés de outros, é o aprendizado máximo da aceitação das diferenças. Os motivos, da leitura de um livro em vez de outro, não podem ser ignorados, eles se relacionam diretamente com o mundo. 

Italo Calvino diz que os clássicos são aqueles que escolhemos. É claro que essa escolha não é indiferente à sociedade e ao mundo. Escolher ler Shakespeare ao invés de Racine, há um motivo político ou pessoal. Escolher ler Veja ao invés de CartaCapital, há uma atitude política por trás disso. Escolher ler y ao invés de x, há motivos e aprender a ouvir esses motivos é um exercício de respeitar a diversidade. Os estudantes de humanas e profissionais dessa área são os sujeitos que mais desrespeitam a literatura do outro. Nós dizemos categoricamente, sem nem pensar duas vezes: "minha literatura é melhor do que a sua". 

Podemos nos perguntar: "Por que uma pessoa que ler Shakespeare é melhor do que uma pessoa que nunca leu?". Numa cena do filme As meninas, adaptação do romance homônimo de Lygia Fagundes Telles, Lorena (interpretada pela Adriana Esteves) revela que é virgem para Lião (interpretada pela Drica Moraes). Lião, dirigindo, responde com uma parábola. Certa vez, um estudante tímido disse ao seu professor, que era o maior leitor de Balzac: "professor, eu nunca li Balzac na vida". Esse professor respondeu: "que sorte a sua!". O estudante não entendeu a afirmação e perguntou: "como assim que sorte a sua?". E o professor disse: "você está tendo a oportunidade de conhecer pela primeira vez um universo lindo e maravilhoso do Balzac. Você vai pisar nesse campo pela primeira vez. Eu, que já li muitos livros do Balzac, não posso mais sentir a paixão de novo pela primeira vez. Porque eu já li". 




Nenhum comentário:

Postar um comentário