terça-feira, 28 de outubro de 2014

Aos meus fumantes queridos

Minha relação com cigarro é passiva. Convivo a maior parte do tempo com fumantes, quando eu sinto que não há cheiro de cigarro do meu lado, eu acho que está faltando alguma coisa no cenário. Nascida em São Paulo, posso dizer que respiro fumaça, é antinatural (ao meu corpo inclusive!) não ver e não sentir alguma massa sólida no ar. A fumaça em São Paulo é palpável. 

Tudo começou quando minha mãe era fumante, ela parou de fumar, quando eu completei seis anos. Desde então, nunca mais senti cheiro de cigarro em casa. Minha mãe nunca mais acendeu um cigarro. (A não ser, quando eu via figuras inesquecíveis, essas imagens masculinas que marcaram a presença da minha casa, eram fumantes). Quando eu era criança, olhava a minha mãe fazendo bolinhas com a fumaça que saía da boca. Imaginava na minha cabeça que aquilo era uma espécie de bolinhas de espuma para adultos. A imagem da minha mãe agachada e fumando silenciosamente na beira do tanque foi muito marcante na minha infância. 

Quando cresci, namorei com dois fumantes. Homens marcantes que falavam muito pouco, quando eles fumavam, parecia que eram o modo deles marcarem presença na minha vida. O silêncio era melhor maneira, que nós tínhamos (eu e esses namorados), de comunicação. A fumaça sempre acompanhou esse diálogo mudo. 

Ao mesmo tempo, houve uma política mais agressiva de impedir fumantes no espaço público, a fumaça tornou-se incômoda para todos. Imagens assustadoras de mortes prematuras de bebês, impotência sexual masculina, mortes e mais mortes etc. Essa publicidade negativa do cigarro teve o efeito esperado, a minha geração de jovens diminuiu drasticamente o número de fumantes. Eu mesmo, nascida num ambiente excessivo de informação, fui muito afetada, entendi que a variável mais importante para essas doenças era o cigarro.

(o que é mesmo! Poréns...) 

Meus melhores amigos são fumantes e muitos dizem: eu posso até ficar sem sexo, mas não fico sem cigarro. A relação, que eles têm com a fumaça, é até religiosa. Acho curioso que, diante de tanta violência, mesmo depois de tanta publicidade negativa, ainda existir um discurso poético para imagem da fumaça que sai da boca dos fumantes. Tenho impressão que, mesmo os escritores que não são fumantes, são apaixonados por essa imagem do fumante desajustado. O cigarro é o símbolo da resistência da poesia. 

Dizem que a boca fala o que o coração está cheio. Do ponto de vista do fumante, a fumaça é religiosa, é cheia de palavras, tranquiliza a sensação de mal estar no mundo. Diante de tantos vícios, o vício do cigarro me parece tão pequeno. Quando eu estou sozinha, não sinto cheiro de cigarro (ou mesmo de maconha), não consigo me sentir em casa, sinto saudades. 




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