terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Quando os nerds fazem a festa

Era o último dia de aula. Eles tinham quase dezoito anos, estavam terminando um período de suas vidas. Joaquim e Maurício eram meninos espertos, passavam às tardes de quartas-feiras e às tardes de sextas-feiras matando aula para ler quadrinhos e falar sobre música.  Mariana era uma menina rápida, olhos alertos, passava à tarde escrevendo possíveis contos e momentos do seu dia escolar em um caderno comum com linhas e capa dura.
Eram três adolescentes espertos, ambiciosos e esquecidos por toda a escola.(A incompreensão dos adolescentes é a única característica que essa espécie de ser humano dividi; afora isso, cada ser humano é um, cada narrativa é única e singular). Era o último dia de aula, eles não queriam estar na escola. Por isso, escolheram simplesmente não ir e festejar uma possível liberdade em outro lugar. A vida, quando obriga terminar algo, parece ser muito promissora e generosa. Os destinos parecem ser menos cruéis, não há violência na existência.
Mariana assistiu à última aula de física da escola (que era a primeira do dia em sua grade escolar), ouvindo músicas brasileiras, carregando um caderno comum, não se despediu de nenhuma colega e não escutou ninguém.  No fundo do coração, desejou que todas se ferrassem e até disse um palavrão quando saiu pelo portão da frente: “foda-se todos vocês”. Matou aula assim e caminhou sozinha no deserto da cidade.
Joaquim e Maurício não entraram na escola, ficaram observando todos os estudantes caminhar até a sala de aula. Eles ouviram as choradeiras, as promessas de eternidade e viram os últimos beijos na boca entre adolescentes curiosos. Jogaram uma lata de coca-cola na cabeça de dois bobos, xingaram uma menina e riram de todos, chamando-os de babacas, estúpidos e toscos.  Prometeram não voltar nunca mais àquele lugar, pintaram seus rostos, fizeram caras de maus garotos e caminharam até o Shopping Center.
Mariana conversou com um velhinho ocioso, sempre teve mania de conversar com desconhecidos.
- como vai você? – perguntou Mariana
- estou estranho. Hoje uma tive notícia estúpida. Você tem quantos anos?
- eu tenho 16 anos
- então, você não teve ainda oportunidade de ouvir uma notícia estúpida. Você sabe o que é uma notícia estúpida?
Mariana não respondeu.
- imagina você na sua casa, alegre e achando que a vida é plena. De repente, alguém bate na sua porta e surpreende com uma notícia estúpida. Você não sabe se você mata o mensageiro ou se mata você mesmo; porque percebe como viveu uma vida miserável. Você sabe o que é ter uma vida miserável? Você sabe o que é sofrer de verdade e estar no fundo do poço e ter coragem suficiente de desgraçar a sua vida por causa de uma notícia estúpida?
- eu não sei – Mariana respondeu inconsequentemente
- claro que você não sabe – o velho cuspiu saliva no chão e disse - , mas, ao menos, tem uma estúpida coragem de admitir que não sabe. O que você quer da vida, menina?
- eu quero ser escritora
O velhinho soltou uma gargalhada, Mariana sentiu vergonha.
- você quer ser escritora? Você quer ser escritora mesmo? Responda, menina, é isso que você quer?
Mariana balançou a cabeça positivamente.
- então, você vai ter que sofrer. Sofrer de verdade, menina, que ofício desgraçado que você foi escolher. Menina, sofrer de verdade, menina, não é fazer tipo de sofredor, não é fingir que sofre. Menina, não é só isso, não bastar sofrer pra escrever textos, sofrer é a condição necessária; sofrer igual um cachorro fudido, esfomeado e solitário no meio da rua, depois de ser atropelado centenas de vezes por carros de gente rica. Menina, você quer ser escritora? Você quer ser escritora de verdade, é isso que eu ouvi? Então, menina, você vai ter que perder a sua inocência. E vai ter que perder as suas boas intenções.
Mariana, forçosamente, abriu um sorriso juvenil.
- você é escritor?
 O velho arregalou os olhos. Mariana viu uma tristeza rabugenta, perambulava a face e desfazia o riso. Esse velho rangia os dentes que nem um porco, por um minuto, ela sentiu empatia e não sorriu mais. Ele, então, disse:
- sou, fiz de mim um parasita e você – ele bufou e abriu um sorriso largo -, você, menina, tem essa curiosidade ácida. Isso pode te ajudar a ser quem você quer ser. E os seus olhos, seus lindos olhos castanhos, menina, acho que é parte do seu corpo que não é inocente
O velhinho sorriu e beijou Mariana no rosto. Ela olhou-o ir embora como se observasse um ponto no infinito.
Joaquim e Maurício caminharam velozes ao Shopping Center. Eles assustaram todos que paravam em seu caminho, principalmente, crianças; pareciam integrantes da banda Kiss. Maurício mostrava a língua, Joaquim engolia um braço plástico e batia no chão com força. Derrubaram copos de vidros, gritavam palavrões e corriam na escada rolante. Maurício subiu no banco e gritou: “estamos aqui pra tocar terror!”. Joaquim quebrava brinquedos de crianças. Ambos entupiam-se de salgadinhos.
Os seguranças, vendo a bagunça, correram atrás dos moleques. Eles fugiram longe, correram como nunca correram na vida. Suados, risonhos, sentaram-se em um lugar seguro longe do mundo.
- o mundo não será mais o mesmo. Vamo fazer a revolução, Joaquim
- eu já perdi a fé na humanidade, Mau, - disse Joaquim, jogando o saco de salgadinho no chão, - mas, hoje, eu estou feliz
- e depois como vai ser?
- depois é um mistério que estou com preguiça de me preocupar
Ficaram alguns minutos em silêncio, bebendo restos de refrigerantes. Mariana estava sentada em uma mesa do Mc’ Donalds, a última vez que ela se sentou lá. A menina não comia carne uns seis meses, foi a maior comemoração de sua vida, comprou um X-burguer com batatas fritas e coca-cola, comeu solitária e silenciosa. Era o última dia da escola, eles entraram no Mc’Donalds e sentaram em frente a Mariana; Joaquim e Maurício conversaram em voz alta e riram. Era o primeiro dia de liberdade dos prisioneiros, estavam ferozes, serenos e vingativos.  Todos sorriam, a malícia misturava-se com Ketchup.

Era o último dia de aula do ensino médio, Mariana estava solitária, Joaquim ria pela última vez como idiota, Maurício sentia a ambição brilhar nos olhos pela última vez. Eles estavam violentos e sedentos por dentro. Eles desejavam um novo mundo. Mariana aprendeu rir menos, tornou-se amiga dos dois ex-idiotas da escola. Nunca mais conseguiram separar os vínculos que fizeram naquele dia, continuaram os mesmos animais prisioneiros do mundo.  

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