Era
o último dia de aula. Eles tinham quase dezoito anos, estavam terminando um
período de suas vidas. Joaquim e Maurício eram meninos espertos, passavam às
tardes de quartas-feiras e às tardes de sextas-feiras matando aula para ler
quadrinhos e falar sobre música. Mariana
era uma menina rápida, olhos alertos, passava à tarde escrevendo possíveis
contos e momentos do seu dia escolar em um caderno comum com linhas e capa
dura.
Eram
três adolescentes espertos, ambiciosos e esquecidos por toda a escola.(A
incompreensão dos adolescentes é a única característica que essa espécie de ser humano dividi; afora isso, cada ser humano é um, cada narrativa é única e singular). Era
o último dia de aula, eles não queriam estar na escola. Por isso, escolheram
simplesmente não ir e festejar uma possível liberdade em outro lugar. A vida,
quando obriga terminar algo, parece ser muito promissora e generosa. Os
destinos parecem ser menos cruéis, não há violência na existência.
Mariana
assistiu à última aula de física da escola (que era a primeira do dia em sua
grade escolar), ouvindo músicas brasileiras, carregando um caderno comum, não
se despediu de nenhuma colega e não escutou ninguém. No fundo do coração, desejou que todas se
ferrassem e até disse um palavrão quando saiu pelo portão da frente: “foda-se
todos vocês”. Matou aula assim e caminhou sozinha no deserto da cidade.
Joaquim
e Maurício não entraram na escola, ficaram observando todos os estudantes
caminhar até a sala de aula. Eles ouviram as choradeiras, as promessas de
eternidade e viram os últimos beijos na boca entre adolescentes curiosos.
Jogaram uma lata de coca-cola na cabeça de dois bobos, xingaram uma menina e
riram de todos, chamando-os de babacas, estúpidos e toscos. Prometeram não voltar nunca mais àquele
lugar, pintaram seus rostos, fizeram caras de maus garotos e caminharam até o
Shopping Center.
Mariana
conversou com um velhinho ocioso, sempre teve mania de conversar com
desconhecidos.
-
como vai você? – perguntou Mariana
-
estou estranho. Hoje uma tive notícia estúpida. Você tem quantos anos?
-
eu tenho 16 anos
-
então, você não teve ainda oportunidade de ouvir uma notícia estúpida. Você
sabe o que é uma notícia estúpida?
Mariana
não respondeu.
-
imagina você na sua casa, alegre e achando que a vida é plena. De repente,
alguém bate na sua porta e surpreende com uma notícia estúpida. Você não sabe
se você mata o mensageiro ou se mata você mesmo; porque percebe como viveu uma
vida miserável. Você sabe o que é ter uma vida miserável? Você sabe o que é
sofrer de verdade e estar no fundo do poço e ter coragem suficiente de
desgraçar a sua vida por causa de uma notícia estúpida?
-
eu não sei – Mariana respondeu inconsequentemente
-
claro que você não sabe – o velho cuspiu saliva no chão e disse - , mas, ao
menos, tem uma estúpida coragem de admitir que não sabe. O que você quer da
vida, menina?
-
eu quero ser escritora
O
velhinho soltou uma gargalhada, Mariana sentiu vergonha.
-
você quer ser escritora? Você quer ser escritora mesmo? Responda, menina, é isso
que você quer?
Mariana
balançou a cabeça positivamente.
-
então, você vai ter que sofrer. Sofrer de verdade, menina, que ofício
desgraçado que você foi escolher. Menina, sofrer de verdade, menina, não é
fazer tipo de sofredor, não é fingir que sofre. Menina, não é só isso, não
bastar sofrer pra escrever textos, sofrer é a condição necessária; sofrer igual
um cachorro fudido, esfomeado e solitário no meio da rua, depois de ser
atropelado centenas de vezes por carros de gente rica. Menina, você quer ser
escritora? Você quer ser escritora de verdade, é isso que eu ouvi? Então,
menina, você vai ter que perder a sua inocência. E vai ter que perder as suas
boas intenções.
Mariana,
forçosamente, abriu um sorriso juvenil.
-
você é escritor?
O velho arregalou os olhos. Mariana viu uma
tristeza rabugenta, perambulava a face e desfazia o riso. Esse velho rangia os
dentes que nem um porco, por um minuto, ela sentiu empatia e não sorriu mais.
Ele, então, disse:
-
sou, fiz de mim um parasita e você – ele bufou e abriu um sorriso largo -,
você, menina, tem essa curiosidade ácida. Isso pode te ajudar a ser quem você
quer ser. E os seus olhos, seus lindos olhos castanhos, menina, acho que é
parte do seu corpo que não é inocente
O
velhinho sorriu e beijou Mariana no rosto. Ela olhou-o ir embora como se
observasse um ponto no infinito.
Joaquim
e Maurício caminharam velozes ao Shopping Center. Eles assustaram todos que
paravam em seu caminho, principalmente, crianças; pareciam integrantes da banda
Kiss. Maurício mostrava a língua, Joaquim engolia um braço plástico e batia no
chão com força. Derrubaram copos de vidros, gritavam palavrões e corriam na
escada rolante. Maurício subiu no banco e gritou: “estamos aqui pra tocar
terror!”. Joaquim quebrava brinquedos de crianças. Ambos entupiam-se de
salgadinhos.
Os
seguranças, vendo a bagunça, correram atrás dos moleques. Eles fugiram longe,
correram como nunca correram na vida. Suados, risonhos, sentaram-se em um lugar
seguro longe do mundo.
-
o mundo não será mais o mesmo. Vamo fazer a revolução, Joaquim
-
eu já perdi a fé na humanidade, Mau, - disse Joaquim, jogando o saco de
salgadinho no chão, - mas, hoje, eu estou feliz
-
e depois como vai ser?
-
depois é um mistério que estou com preguiça de me preocupar
Ficaram
alguns minutos em silêncio, bebendo restos de refrigerantes. Mariana estava
sentada em uma mesa do Mc’ Donalds, a última vez que ela se sentou lá. A menina
não comia carne uns seis meses, foi a maior comemoração de sua vida, comprou um
X-burguer com batatas fritas e coca-cola, comeu solitária e silenciosa. Era o
última dia da escola, eles entraram no Mc’Donalds e sentaram em frente a
Mariana; Joaquim e Maurício conversaram em voz alta e riram. Era o primeiro dia
de liberdade dos prisioneiros, estavam ferozes, serenos e vingativos. Todos sorriam, a malícia misturava-se com
Ketchup.
Era
o último dia de aula do ensino médio, Mariana estava solitária, Joaquim ria
pela última vez como idiota, Maurício sentia a ambição brilhar nos olhos pela
última vez. Eles estavam violentos e sedentos por dentro. Eles desejavam um
novo mundo. Mariana aprendeu rir menos, tornou-se amiga dos dois ex-idiotas da
escola. Nunca mais conseguiram separar os vínculos que fizeram naquele dia,
continuaram os mesmos animais prisioneiros do mundo.
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