Introdução
Dizem
que os escritores conhecem mais os seus trabalhos depois que eles terminam. Uma
das atrizes do diretor Bergman disse uma vez que, depois de terminar a
interpretação do filme Persona, ela
faria a personagem de uma maneira diferente, mas não faria nada diferente do
que ela tinha feito, precisava das mesmas características como atriz para
chegar naquele resultado. Reencontrar trabalhos antigos é a melhor maneira de
sentir o tempo passar nas nossas nucas.
A
escritora Clarice Lispector dizia que não tinha costume de revisar ou
reescrever os seus textos depois que terminava de trabalhar neles. Ao
contrário, o escritor Guimarães Rosa era um obsessivo por perfeição, reescrevia
várias vezes e podia passar anos trabalhando nos mesmos textos somente para
encontrar um modelo perfeito. A reescrita é uma maneira de sentir o tempo,
quando o trabalho envelhece e não estamos tão absorvidos com os textos, é o
momento de olhar como um crítico enxerga o trabalho de outro autor. De fato, a
melhor maneira de entender o processo criativo é nos afastando dele completamente.
Dois
filmes possuem uma temática parecida. O primeiro filme é mais atual, chamado One Day (2011, 108 min), escrito por
David Nicholls e dirigido por Lone Scherfig. O segundo filme é menos atual,
chamado Fallen Angels (1995, 90 min), escrito e dirigido por Wong
Kar-wai. Ambos falam dos desencontros e encontros que acontecem em um intervalo
de tempo. Qual é a diferença entre eles, então? É uma diferença formal.
One Day
(2011, 108 min) conta uma relação que acontece entre dois amigos opostos, Emma
e Dexter. Emma é uma moça intelectualizada, pobre e deseja ser uma escritora,
apaixona-se por Dexter, um menino mimado, sedutor e rico. No dia 15 de julho,
durante vinte anos precisamente, os dois amigos se reencontram e acontecimentos
surgem na vida deles. A mãe de Dexter morre, ele se casa, se divorcia e tem uma
filha; Emma trabalha, namora, termina com namorado, não tem filhos, escreve um
livro e reencontra Dexter durante esse anos. Esses reencontros são um
acontecimento entre os dois, um momento de fuga que ambos criam para suportar o
peso da rotina. Entretanto, o filme peca no romantismo, as personagens são
aprofundadas em torno de uma possível reparação. Emma salva Dexter, Dexter
salva Emma. A ausência de Emma na vida de Dexter é compensada com a lembrança
dos momentos felizes, suportando uma vida digna. Emma é a mulher que tornou
Dexter em um homem digno, bondoso e trabalhador. Ela morre em um acidente no
trânsito, possivelmente, feliz.
Os
cortes do filme são brutos, não dão a sensação de densidade do tempo. O que
emociona é a interpretação de Jim Strugess como Dexter, talvez haja uma verdade
na frase: “um bom ator ajusta os outros atores para bem ou pra mal”. A relação entre
Emma e Dexter é encantadora, provavelmente, por causa da interpretação de um
bom ator. De qualquer maneira, a densidade do tempo perdeu-se muito e a música
é muito presente no filme. Nesse sentido, marca uma função melodramática. O
filme peca demais por causa dos romantismos das personagens. É cheio de boas
intenções. Personagens não são felizes. Pirandello (o dramaturgo italiano) dizia
que encontrava, em Congressos de Personagens, figuras das mais infelizes do
mundo, pessoas incapazes de resolver os seus problemas, amargas e torturadas
por conta de suas histórias. Emma e Dexter, nesse filme, são figuras que
encontram uma reparação e são felizes. No Congresso de Personagens, essas
figuras jamais estariam presentes, porque Pirandello jamais conversaria com
figuras felizes e resolvidas com a vida.
No
caso do filme Fallen Angels (1995, 90
min), há muitas histórias desencontradas. A história de dois sócios, matadores
de aluguel, que matam pessoas aleatoriamente. Esses sócios se apaixonam um pelo
outro e nunca se encontram. A história do menino mudo, apaixonado por sorvete,
que perde o seu pai e descobre o primeiro amor quando não é adolescente. A
história de uma garota carente que conversa com desconhecidos no meio da rua e,
assim, apaixona-se pelo matador de aluguel por acaso. Enfim, são histórias que
se cruzam por acaso.
No
Congresso de Personagens do dramaturgo Pirandello, essas figuras,
provavelmente, fariam coro e estariam presentes. Sem dúvida, elas brigariam pela fala. A
menina carente discutiria com o matador de aluguel, chamando-o de canalha e
cachorro, porque ele a abandonou. A sócia sedutora seria acusada de vadia ou
arrogante. O menino mudo se pudesse falar, faria uma declaração de amor para a
primeira mulher que, por acaso, conheceu numa chuva. Enfim, cada uma, dessas
histórias, poderia facilmente ser descrita por um “tijolão” enorme de ficção. O
filme não peca no romantismo, não é ilustrado por músicas emocionantes. O modo
como as figuras densam suas vidas, é o que importa. São figuras ambíguas que
são marcadas por alguns desencontros irreversíveis. Elas não terminam com uma
reparação, não procuram um remédio para consolar o que fizeram com a vida
delas, as figuras terminam encontrando com outras amarguras e possíveis
caminhos. Não há um desfecho consolador.
Esses
dois filmes que discutem temáticas parecidas, possuem uma coisa em comum com a
escrita desses contos sobre quatro anônimos (Joaquim, Daniel, Maurício e
Mariana). Quatro jovens que também desejam alguma reparação e que, por alguma
razão imprecisa, se encontraram. A escritora pode ter pecado por se apaixonar
demais por essas figuras, pode ter cometido os mesmos erros que os roteiristas
acima. Mas, a ideia consiste em criar encontros, reencontros e desencontros.
Muito
provavelmente, a escritora deve ter cometido seus erros. É preciso que o texto
envelheça um pouco para perceber isso. No entanto, as figuras nasceram com
alguma autenticidade, querendo um pouco de vida e desejando algum destino
diferente do que o caminho normativo de uma vida classe média, regada de boas
intenções, preconceitos inúteis e contágios de sonhos comuns. A intenção é que se pareça mais com Fallen Angels (1995, 90 min) e se pareça
o menos possível com o filme One Day (2011,
108 min); se, assim, fosse possível escolher um modelo.
São oito contos, são interdependentes. As figuras fazem parte da vida uma da outra.
Cada conto, narra uma narrativa de um desses anônimos. Como o gênero do
discurso é uma forma breve, é possível ler esses contos separadamente, cada
espaço-temporal é único, cada narrativa é singular. Os contos estão conectados por
causa das coincidências, apenas.
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