sábado, 18 de janeiro de 2014

Contos sobre intimidades de quatro anônimos

Introdução
Dizem que os escritores conhecem mais os seus trabalhos depois que eles terminam. Uma das atrizes do diretor Bergman disse uma vez que, depois de terminar a interpretação do filme Persona, ela faria a personagem de uma maneira diferente, mas não faria nada diferente do que ela tinha feito, precisava das mesmas características como atriz para chegar naquele resultado. Reencontrar trabalhos antigos é a melhor maneira de sentir o tempo passar nas nossas nucas.
A escritora Clarice Lispector dizia que não tinha costume de revisar ou reescrever os seus textos depois que terminava de trabalhar neles. Ao contrário, o escritor Guimarães Rosa era um obsessivo por perfeição, reescrevia várias vezes e podia passar anos trabalhando nos mesmos textos somente para encontrar um modelo perfeito. A reescrita é uma maneira de sentir o tempo, quando o trabalho envelhece e não estamos tão absorvidos com os textos, é o momento de olhar como um crítico enxerga o trabalho de outro autor. De fato, a melhor maneira de entender o processo criativo é nos afastando dele completamente.
Dois filmes possuem uma temática parecida. O primeiro filme é mais atual, chamado One Day (2011, 108 min), escrito por David Nicholls e dirigido por Lone Scherfig. O segundo filme é menos atual, chamado Fallen Angels  (1995, 90 min), escrito e dirigido por Wong Kar-wai. Ambos falam dos desencontros e encontros que acontecem em um intervalo de tempo. Qual é a diferença entre eles, então? É uma diferença formal.
One Day (2011, 108 min) conta uma relação que acontece entre dois amigos opostos, Emma e Dexter. Emma é uma moça intelectualizada, pobre e deseja ser uma escritora, apaixona-se por Dexter, um menino mimado, sedutor e rico. No dia 15 de julho, durante vinte anos precisamente, os dois amigos se reencontram e acontecimentos surgem na vida deles. A mãe de Dexter morre, ele se casa, se divorcia e tem uma filha; Emma trabalha, namora, termina com namorado, não tem filhos, escreve um livro e reencontra Dexter durante esse anos. Esses reencontros são um acontecimento entre os dois, um momento de fuga que ambos criam para suportar o peso da rotina. Entretanto, o filme peca no romantismo, as personagens são aprofundadas em torno de uma possível reparação. Emma salva Dexter, Dexter salva Emma. A ausência de Emma na vida de Dexter é compensada com a lembrança dos momentos felizes, suportando uma vida digna. Emma é a mulher que tornou Dexter em um homem digno, bondoso e trabalhador. Ela morre em um acidente no trânsito, possivelmente, feliz.
Os cortes do filme são brutos, não dão a sensação de densidade do tempo. O que emociona é a interpretação de Jim Strugess como Dexter, talvez haja uma verdade na frase: “um bom ator ajusta os outros atores para bem ou pra mal”. A relação entre Emma e Dexter é encantadora, provavelmente, por causa da interpretação de um bom ator. De qualquer maneira, a densidade do tempo perdeu-se muito e a música é muito presente no filme. Nesse sentido, marca uma função melodramática. O filme peca demais por causa dos romantismos das personagens. É cheio de boas intenções. Personagens não são felizes. Pirandello (o dramaturgo italiano) dizia que encontrava, em Congressos de Personagens, figuras das mais infelizes do mundo, pessoas incapazes de resolver os seus problemas, amargas e torturadas por conta de suas histórias. Emma e Dexter, nesse filme, são figuras que encontram uma reparação e são felizes. No Congresso de Personagens, essas figuras jamais estariam presentes, porque Pirandello jamais conversaria com figuras felizes e resolvidas com a vida.
No caso do filme Fallen Angels (1995, 90 min), há muitas histórias desencontradas. A história de dois sócios, matadores de aluguel, que matam pessoas aleatoriamente. Esses sócios se apaixonam um pelo outro e nunca se encontram. A história do menino mudo, apaixonado por sorvete, que perde o seu pai e descobre o primeiro amor quando não é adolescente. A história de uma garota carente que conversa com desconhecidos no meio da rua e, assim, apaixona-se pelo matador de aluguel por acaso. Enfim, são histórias que se cruzam por acaso.
No Congresso de Personagens do dramaturgo Pirandello, essas figuras, provavelmente, fariam coro e estariam presentes.  Sem dúvida, elas brigariam pela fala. A menina carente discutiria com o matador de aluguel, chamando-o de canalha e cachorro, porque ele a abandonou. A sócia sedutora seria acusada de vadia ou arrogante. O menino mudo se pudesse falar, faria uma declaração de amor para a primeira mulher que, por acaso, conheceu numa chuva. Enfim, cada uma, dessas histórias, poderia facilmente ser descrita por um “tijolão” enorme de ficção. O filme não peca no romantismo, não é ilustrado por músicas emocionantes. O modo como as figuras densam suas vidas, é o que importa. São figuras ambíguas que são marcadas por alguns desencontros irreversíveis. Elas não terminam com uma reparação, não procuram um remédio para consolar o que fizeram com a vida delas, as figuras terminam encontrando com outras amarguras e possíveis caminhos. Não há um desfecho consolador.
Esses dois filmes que discutem temáticas parecidas, possuem uma coisa em comum com a escrita desses contos sobre quatro anônimos (Joaquim, Daniel, Maurício e Mariana). Quatro jovens que também desejam alguma reparação e que, por alguma razão imprecisa, se encontraram. A escritora pode ter pecado por se apaixonar demais por essas figuras, pode ter cometido os mesmos erros que os roteiristas acima. Mas, a ideia consiste em criar encontros, reencontros e desencontros.
Muito provavelmente, a escritora deve ter cometido seus erros. É preciso que o texto envelheça um pouco para perceber isso. No entanto, as figuras nasceram com alguma autenticidade, querendo um pouco de vida e desejando algum destino diferente do que o caminho normativo de uma vida classe média, regada de boas intenções, preconceitos inúteis e contágios de sonhos comuns.  A intenção é que se pareça mais com Fallen Angels (1995, 90 min) e se pareça o menos possível com o filme One Day (2011, 108 min); se, assim, fosse possível escolher um modelo.

São oito contos, são interdependentes. As figuras fazem parte da vida uma da outra. Cada conto, narra uma narrativa de um desses anônimos. Como o gênero do discurso é uma forma breve, é possível ler esses contos separadamente, cada espaço-temporal é único, cada narrativa é singular. Os contos estão conectados por causa das coincidências, apenas. 

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