quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Vírgulas, pausas e histórias


à Maria Manuela e outras que atravessaram meu caminho

A

- então, me conte tudo da sua vida
Aconteceu um arrebatamento. Desses desnecessários. Ela não sabia bem se olhava para o teto ou para o chão, soube apenas que algo iria mudar, mesmo sendo aparentemente uma cena banal.
- seis anos não são seis dias

B

Seis anos antes. Elas eram meninas, sonhavam sonhos de menininhas, desejavam desejos de românticos e nada sabiam que a realidade soprava outros ventos. Elas tinham uma turma, um monte de meninas que são mulheres hoje. Seguiram o seu rumo, se um dia todas se encontrarem numa esquina é bem capaz que nenhuma se reconheça mais. Devem viver muito bem, provavelmente, vivem. Com suas crises, seus sonhos novos, desejos e aventuras novas, todas as meninas de antes vivem como podem. São todas marcadas pelo tempo, vivem a vida que aconteceu pra elas.

C

- seis anos não são seis dias. Mas me conte tudo!
- eu fico com vergonha
- a gente dividiu a nossa vida juntos, vergonha de que?

D

Por intermédio de um segundo, ela olhou para si mesma e viveu a sua vida com tanta intensidade que não soube comunicá-la. O que poderia falar? Aliás, mesmo ouvindo atentamente a história da outra mulher, que um dia foi a sua amiga de puberdade, se perguntava e respondia para si mesma. Como não somos mais as mesmas! Fica impossível de contar tudo, sempre faltará o resto, realmente, seis anos não são seis dias. 
Aliás, - ela pensou -, o tempo não informa com palavras, as mudanças estão aí, inegáveis. Não somos mais meninas já quase mais de seis anos. Ela se transformou adulta e não vi isso acontecer. Não contei pra ela sobre minha primeira transa, meus sonhos desperdiçados, sobre o beijo que me deram no último ano do ensino médio e me marcou desde então, jamais contarei; até contarei, mas jamais será como antes. O tempo se perde no espaço. O tempo é só tempo, eu sou apenas o presente de mim mesma. O meu presente é o que está aqui, em silêncio, vivendo apenas. Sinto saudades, como eu sinto! Não é um sentimento ruim, fico feliz de saber que apesar de. O presente não é amargo, não é nostálgico, hermético. Ainda somos amigas, posso ainda contar tudo, mas sobre tudo que me aconteceu, é muita coisa, não saberia nem por onde começar. Já passou quase tudo. Algumas mágoas restaram nos caminhos, alguns sonhos se transformaram em restos, eu ainda sou tão insegura. Mas já não sou mais a menina de antes, isso tá marcado no meu corpo e na minha pele. Ela também! Nem a voz é mais a mesma.
- oh minha amiga, que saudade! Tenho tanto pra te contar...
Três segundos depois. Ela não contou sequer metade do que gostaria, apenas disse:
- oh minha amiga, que saudade!

E

Era provavelmente Março, Abril ou Fevereiro. Já estava tarde, chovia na Av. Paulista (cenário cinematográfico!). Uma menina de dezessete anos caminhava de madrugada por lá. Chorava muito, a narradora dessa história não vai dizer o motivo do choro, apenas dirá que no meio da Av. Paulista, pela madrugada, cenário de cinema, tal qual Bonequinho de Luxo, apenas faltando a Tiffany ‘s para observar as jóias, enquanto a moça come o seu café da manhã. A menina, em questão, atravessa a rua.
Sente um arrebatamento. Desses absolutamente necessários! Entende por um segundo tudo que lhe aconteceu, deseja tanto conversar com alguém. Ligaria para todas as amigas imediatamente, se ainda tivesse o número de telefone na agenda de seu celular. Ela se sente imensamente solitária, aprende aos poucos o que é silêncio.
Silêncio é sentir a chuva, enquanto os carros passam.  Nunca se perdoaria por não ter dito o que pensava das pessoas que estavam próximas e foram embora. Mas, possivelmente, jamais veria ninguém. Sozinha, se tornaria uma mulher, sem nem ao menos contar os erros e as descobertas no meio da manhã. Era Maio ou Agosto, ela completaria dezoito anos, finalmente entendeu que todos iriam embora um dia, mas que coisas marcariam pra sempre. Seguiria com algumas marcas, cresceria com elas, às vezes até sentiria falta de vivê-las outra vez, mas saberia daqui por diante que a vida dava outra vida.
Como estavam as outras meninas? Queria ter dado um abraço apertado em todas elas antes de continuar o caminho. Todas foram embora no meio da noite, ninguém se despediu direito. Não se perdoaria jamais. Apesar de, se vive.

F

Quem é aquela que olha?
Aquela menina de olhos distantes, de sonhos saudáveis. Ainda se irrita quando fala do mesmo homem.  Mexe com os dedinhos, coloca mais bebida no copo, deseja um desejo desconhecido, se esquece de pagar o IPTU, precisa muito de foco, precisa terminar coisas, pensa seriamente em esquecer esse cara de seis anos, não se lembra mais como faz equações de segundo grau. Acredita que a vida é bonita. Acredita em tanta coisa. Canta alto, sonha alto, dorme baixo, escuta tanto, fala muito, fala pouco. Diz. Olha para outra e também se pergunta:
O que será que aconteceu com ela?
Ela olha pro teto. Ela olha pro chão. Quase não fala, abre a boca ameaçando falar, fala duas ou três palavras, não completa frases, ri muito, escuta e balança a cabeça. Não paga condução, paga contas de luz, dorme muito, vadia demais. Vadia tanto! Ainda é tão insegura, sonha desejos ambiciosos, pouco acredita que é capaz de realizá-los. Nunca se apaixonara desde então. Tão bonita! Tão bonita! Tá com uma cara de mulher! Ela ainda pensa demais. Como pensa!

G

- Me conte desde o começo
- deveria então começar dizendo que toda a história começa na sexta série, mas são tantas vírgulas no meio do caminho, ninguém encontrou ainda o seu ponto final 
- é amiga! ainda somos nós, as mesmas! 

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