A inspiração dos musos que não
conheci
Posso
falar aqui para você que guardará segredos e não vai contar para ninguém. Já
senti inveja dos namorados de minhas amigas e já desejei certos homens que
jamais seriam meus. Sabe aquele rapaz que a gente olha de longe, imagina uma
história inteira na cabeça, imagina coisas que não são possíveis, imagina todas
as coisas e depois só fica mesmo na imaginação. Sempre tive uma intuição muito
forte com isso, tem alguns homens que sinto que posso viver algo com eles e
outros que só ficarão na minha imaginação.
Alguns
homens conseguem ser tão sedutores que uma centelhinha de esperança permanece
no corpo; quem sabe a imaginação não concretiza? Um
convite para sair no sábado, talvez? Sempre fui muito tímida na frente dos
moços que ganharam meu coração ou que ganharam outras coisas mais interessantes
que o meu coração, afinal, com coração não é possível fazer muita coisa, não é
mesmo? Coração não serve para muita coisa, fica dentro da gente e não tem porta
de entrada. Só serve para cardiologistas. (O coração como símbolo de amor
sempre me pareceu algo muito estranho, ele é um punho fechado, não se parece
nada com uma coisa tão virtuosamente boa que os católicos significam como amor.
Também, convenhamos a criação de símbolos de prazer e alegria, infelizmente,
não são habilidades que as religiões possuem. Cultivamos um Cristo morto e
torturado numa cruz, gostaria de ver Jesus Cristo fazendo sexo, ao menos, a
vida faria mais sentido).
Estávamos
falando sobre um segredo que eu tenho para contar para vocês, peço que vocês
guardem com muito carinho. Não quero contar, porque vocês logo chegarão à
conclusão que eu sou muito invejosa. Mas sabe que é? Existem alguns homens que
a gente olha de longe, são tão lindos, acho que eles nem fazem tanta ideia de
como chamam atenção. Certa vez, estava sentada no ônibus, escutando uma música,
vi um rapaz lindo, barbudo, cabelos pretos, rosto redondo, mãos grandes e
toscas. Ele sentou-se ao meu lado, imediatamente, imaginei tudo que poderia
acontecer, fiquei olhando para janela, mas estava em outra dimensão. Não sabia
nem o nome do rapaz, apenas observava calmamente o jeito como ele segurava a
maçã.
Quando
a gente desceu no ponto final, esse menino encontrou uma garota e deu-lhe um
beijo na boca. Pensei coisas horríveis, mas deixei para lá, afinal, a sorte de
amores que acontece na imaginação, é que conseguem ser mais efêmeros que sexo
casual. Me irrito mesmo são com alguns amigos. Tenho alguns amigos que eles nem
sabem que já tive desejo por eles, quando nos encontramos pela primeira vez.
Acontece é que sou envergonhada demais para ter coragem de falar uma coisa
dessas, no entanto, não custa recordar uma história.
Um
menino que conheci no ônibus também, eu voltava para casa. Ele se apresentou
como André e, imediatamente, eu fiquei encantada. O rapaz era de uma gentileza
rara, fiquei fascinada com a voz dele e a sua estranha maneira de dizer “oi”, ele
falava mexendo as duas mãos, parecia tão tímido quanto eu. Chegamos a ter um
casinho, mas logo ele começou um namoro com uma amiga minha. É óbvio que cai de
felicidades com namoro dos dois, até segurei um pouco de vela, mas não nego em
dizer que quando estamos sozinhos e encostamos distraidamente as nossas mãos,
não nego em afirmar que a imaginação perde um pouco o controle. Penso às vezes
que poderia acusar os dois de traição, porque o mais gostoso de estar com
alguém é a ideia de estar apaixonada, invejo a relação que ambos possuem e fico
pensando, na minha cabeça, acho que eles estão vivendo uma coisa que deveria
ser minha. Eu tenho ciúmes, então, de uma experiência que eu teria chance de vivenciar
e não quis.
Penso
isso com todos os casais que vejo na rua, bem resolvidos ou que transparecem
isso. Ao menos, penso isso e me afundo em uma desconfiança. Não posso acreditar
na perfeição, tudo que parece muito harmonioso, tenho dúvidas. Um ser humano
que tem todos os seus sonhos realizados é tão tedioso, normalmente, não consigo
conversar com pessoas assim. A ideia de perfeição é, para mim, uma ideia de
morte. Jamais, conseguiria escrever de novo, não teria inquietudes no meio da
madrugada, não sairia mais sozinha, não comeria pizza e coca-cola sozinha, não
ia assistir filmes sozinha, não ia ouvir música sozinha, não ia fazer mais nada
sozinha, porque eu teria alguém que roubaria minha energia ao meu lado e me
daria uma ideia de vida perfeita. Eu seria uma chata.
Como
os homens são bonitos! Às vezes, confesso, eu gosto mais de observar, gosto de
reparar que eles não perceberam que estão sendo observados. Gosto de tomar um
café e ver aquele rapaz passando no meio do meu caminho, caminhando longe e
indo para onde precisar ir, sabendo que os nossos cotidianos são
inconciliáveis. Gosto de ver o jeito de andar daquele moço, gosto de reparar o
jeito que ele é tão distraído como eu, gosto de saber que a vergonha é um
sentimento comum (e não é uma questão de gênero), gosto de ver a maneira como
ele abre a boca, os cabelos mal penteados, a mão passando na barba e o cigarro
no chão que ele acabou de pisar com pé esquerdo. Gosto de observar e imaginar o
que não se pode imaginar, é outro modo de escapar das banalidades, é um outro
modo que durante a rotina sem a embriaguez do álcool, eu consigo me dar um
pouco mais de prazer. São musos, merecem um olhar de inspiração.
(a
inspiração é tão fugaz).
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