quinta-feira, 20 de junho de 2013

Uma brincadeira de gosto

I
As duas mãos, pequeninas, agarrando com fúria aquelas frutinhas pretas, Catarina come e saboreia cada pedaço de gosto.
- Catarina! Catarina!
- que é mãe?
- vem lavar louça!
Alimentando-se com pressa e devagar descobre o gosto que a vida parece ter. A vida é uma delicadeza insuportável como descobrir o gosto da jabuticaba. Um gosto que até então era um mistério, antes de colocar na boca e sentir, ela só tinha a sensação da fruta nas mãos, mas o sentimento de jabuticaba dentro dela era só uma falta. A fruta era o seu espaço vazio no corpo.
- Catarina! Catarina!
Ela colocava cinco, seis e sete jabuticabas de uma vez na boca. Estava com preguiça e, nesse momento, não queria lavar louça nenhuma, Catarina queria todas essas frutinhas pretas, estava gulosa pela sensação do gosto na boca.  Estava com fome e comia, comia e comia. Às vezes, comia tanto que esquecia a sensação do primeiro gosto. Esquecia, de repente, dois minutos atrás, a sensação da última jabuticaba que engolia inteira. Cada frutinha que se colocava na boca, sumia para sempre. Ela se esquecia de tudo e continuava comendo.

II
As jabuticabas não acabavam, Catarina roubava todas na árvore do vizinho, ela tinha a sensação de eternidade e perdia o medo da mãe que, aos poucos, se aproximava da árvore e gritava umas ou três palavras de ordem para menina descer e lavar louça. Catarina, mesmo alta e acima da cabeça da mãe, desceu na árvore com a boca suja, parecendo um animal que precisa ser adestrado.
- vai limpar essa boca menina! Está toda suja! Vai pentear esse cabelo! Vai lavar louça! Vai tomar banho!
Catarina olhando de baixo para cima, olhinhos curvos e miúdos, olhando o gigante materno diante da sua frente. Limpou a boca com braço esquerdo, sem pudor de passar a sujeira da jabuticaba na pele, na roupa e na calça, balançou a cabeça e fugiu de outro grito. Depois, fugiu de uma chinelada. Depois, passou a ouvir grunhidos e palavras de ordem da mãe. Ela foi tomar banho, antes de lavar louça.
E tomando banho, apenas. Sentiu o sentimento da jabuticaba como efêmero e que só poderia fazer isso se desobedecesse novamente sua mãe e o vizinho. Mas, sentiu a jabuticaba como um silêncio, algo que a memória faria para sempre um truque de alegria. Catarina sonhava com a sensação da boca e sentia a água atravessando os poros, nunca mais seria uma menina, seria um animal quando pensasse novamente no prazer de comer a vida com as mãos.


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