I
As
duas mãos, pequeninas, agarrando com fúria aquelas frutinhas pretas, Catarina
come e saboreia cada pedaço de gosto.
-
Catarina! Catarina!
-
que é mãe?
-
vem lavar louça!
Alimentando-se
com pressa e devagar descobre o gosto que a vida parece ter. A vida é uma
delicadeza insuportável como descobrir o gosto da jabuticaba. Um gosto que até
então era um mistério, antes de colocar na boca e sentir, ela só tinha a
sensação da fruta nas mãos, mas o sentimento de jabuticaba dentro dela era só
uma falta. A fruta era o seu espaço vazio no corpo.
-
Catarina! Catarina!
Ela
colocava cinco, seis e sete jabuticabas de uma vez na boca. Estava com preguiça
e, nesse momento, não queria lavar louça nenhuma, Catarina queria todas essas
frutinhas pretas, estava gulosa pela sensação do gosto na boca. Estava com fome e comia, comia e comia. Às
vezes, comia tanto que esquecia a sensação do primeiro gosto. Esquecia, de
repente, dois minutos atrás, a sensação da última jabuticaba que engolia
inteira. Cada frutinha que se colocava na boca, sumia para sempre. Ela se
esquecia de tudo e continuava comendo.
II
As
jabuticabas não acabavam, Catarina roubava todas na árvore do vizinho, ela
tinha a sensação de eternidade e perdia o medo da mãe que, aos poucos, se
aproximava da árvore e gritava umas ou três palavras de ordem para menina
descer e lavar louça. Catarina, mesmo alta e acima da cabeça da mãe, desceu na
árvore com a boca suja, parecendo um animal que precisa ser adestrado.
-
vai limpar essa boca menina! Está toda suja! Vai pentear esse cabelo! Vai lavar
louça! Vai tomar banho!
Catarina
olhando de baixo para cima, olhinhos curvos e miúdos, olhando o gigante materno
diante da sua frente. Limpou a boca com braço esquerdo, sem pudor de passar a
sujeira da jabuticaba na pele, na roupa e na calça, balançou a cabeça e fugiu
de outro grito. Depois, fugiu de uma chinelada. Depois, passou a ouvir
grunhidos e palavras de ordem da mãe. Ela foi tomar banho, antes de lavar
louça.
E
tomando banho, apenas. Sentiu o sentimento da jabuticaba como efêmero e que só
poderia fazer isso se desobedecesse novamente sua mãe e o vizinho. Mas, sentiu
a jabuticaba como um silêncio, algo que a memória faria para sempre um truque
de alegria. Catarina sonhava com a sensação da boca e sentia a água
atravessando os poros, nunca mais seria uma menina, seria um animal quando
pensasse novamente no prazer de comer a vida com as mãos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário