segunda-feira, 17 de junho de 2013

Estudantes, Protesto e Brasil

Introdução

No Jornal “El País”, o colunista Juan Arias termina com uma pergunta bastante relevante depois de um levantamento sistemático sobre questões do momento que o país Brasil atravessa: “Alguém pode negar a um jovem o direito de sonhar?”. Reinaldo de Azevedo e Cia. dizem que essa manifestação tem o aparelhamento do PT e dos esquerdistas-marxistas riquinhos que aprenderam no colégio com um professor de história hipomarxista sobre a necessidade de reivindicar o direito pelo oprimido.
Na análise de Juan Arias, o autor coloca que temos hoje um país muito diferente de anos atrás. A mudança do quadro histórico começa com a possibilidade dos filhos de pobres que nunca pisaram numa faculdade estarem nas Universidades pela primeira vez; tiraram os pobres da miséria; aumentaram o poder de consumo das empresas e do povo. Por que, então, essa manifestação no Brasil agora que esse país está prestes a viver uma Copa do Mundo e fazer uma nova história a partir de agora? A resposta está aí: a possibilidade de fazer uma nova história gritando nos olhos dos jovens e dos cidadãos brasileiros.
No Movimento de 68, a juventude queria mudar o mundo, hoje, eles querem coisa diferente. Tomaram consciência do poder público. Não querem ser transportados como um burro de carga, atravessar São Paulo correndo riscos de serem avacalhados por todo o tipo de violência que estamos expostos; porém, a pior violência é aquela que a história desse povo esconde, é a voz dos braços repressores do Estado. Não é somente a Polícia Militar, que é a última e a mais eminente de todos nós, pois também são trabalhadores e devem sofrer uma espécie pior de vergonha, quando cumprem o seu dever.
Essa frase “cumprir dever” é perigosa, porque repetimos todos os dias. Repetimos quando encaramos a nossa rotina, quando estamos dentro do ônibus, quando nos acostumamos com a nossa aparente felicidade. Não é uma frase dita somente por policiais, é uma frase dita também por estudantes, professores, médicos e enfermeiros. É preciso cumprir os nossos deveres, seja lá o que isso significar, mesmo que seja corrompendo a liberdade alheia. É o que acontece, às vezes, dentro de manifestações políticas quando vemos manifestantes revelando o pior do humano que existe em todos nós.

Sobre direitos e privilégios

É muito difícil falar de educação, estamos contagiados ainda pela figura mítica do movimento estudantil de 68 e a luta contra Ditadura Militar, recebemos uma série de novidades sobre o que consideram o nosso país e um passado nostálgico que parece surgir no ouvido dos jovens como uma espécie de fantasma ou cobrança que nunca teremos noção, apenas podemos imaginar o passado. A difícil tarefar de um historiador está em trazer a experiência do passado para nós como uma experiência real e presente na vida.
É mais difícil falar de educação, quando a educação estadual permanece a mesma por vinte anos. Quando o Estado simplesmente abandona o professor e com isso instaura a guerra entre professor e aluno. Quando a escola parece formar as mesmas espécies de estudantes, analfabetos funcionais e aparentemente sem cultura. (Até hoje, não sei como alguém tem coragem de chegar ao outro e dizer que uma pessoa é sem cultura. Ninguém é sem cultura). Quando o sistema burocrático parece cada dia mais modernizar e emperrar todas as possibilidades simples; quando o sistema, cada dia mais, cria pessoas medíocres. Mas, afinal, estudar numa faculdade pública é privilégio, estar dentro de um ônibus lotado é normal, passar por humilhações para ver o seu filho preso é medida de segurança, dormir no ônibus por causa do trânsito que não anda é normal, não ter médicos nos hospitais públicos é normal e etc.
A lista de normalidade é longa. A Constituição Civil dá direito ao cidadão a possibilidade de estudar, ter saúde, estar seguro e ter direito de ir e vir. No entanto, os impostos são pagos todos os dias, a educação de qualidade ainda continua sendo privilégio, o direito de ir e vir é um tanto estranho a todos nós porque pagamos por isso e nem é seguro; trabalhar todos os dias, enquanto diminui a qualidade de vida.  O que é preciso lutar todos os dias, isso é absolutamente estranho que ainda precise ser lembrado, é o direito do cidadão reivindicar o seu espaço numa esfera pública, não é nada ilegítimo, por mais que a elite mediática e outros colocam a aparência ilegítima nas ações de qualquer manifestação política. O espaço público é de todos os cidadãos, não é de uma minoria, a democracia é do povo e não de um conjunto de gestores. Esse direito devia ser inquestionável.

Sobre Estudantes e Trabalhadores

O protesto foi feito por estudantes e jovens, mas não só. É muito engraçado que até hoje quando se escuta a palavra estudante, isso ganha uma dimensão quase perturbadora. Se for estudante de Universidades públicas, então, ganha o mesmo sentido depreciativo que as palavras “vagabundo” e “puta” estranhamente possuem. Isso é um fenômeno engraçado, ao mesmo tempo, que é um grande privilégio não pagar mensalidades numa faculdade. Um estudante que pertence a uma Instituição Pública não pode reclamar, afinal ele não paga, é tudo riquinho, não faz nada. Não é mesmo? Eles não têm direito de fazer isso, eles não são nada, são só estudantes, jovens que ainda não cresceram.
Esse discurso: “eles não são nada, são só estudantes, jovens que ainda não cresceram”. Isso é muito familiar com um discurso presente nas escolas públicas quando os professores se referem aos alunos da seguinte forma: “vocês não são nada, eles são muito ruins, tudo sem educação, sem cultura, tudo péssimo, para conversar com eles tem que ser cabeça aberta”. Dentro de manifestações é possível ver o pior do humano, mas observa direito, porque dentro da rotina escolar e dos setores públicos, é possível encontrar pessoas sem vontade e estúpidas do mesmo jeito, também é visível ver o pior do humano.
É óbvio que tudo é uma questão de perspectiva. A pessoa pode ficar quatro, cinco, seis ou nove anos numa graduação, passando por coisas e vivendo coisas que transforma um jovem em uma espécie de adulto maravilhoso, se o mundo abrisse espaço para isso. Se as academias e as escolas também melhorassem para os jovens. Mas, enfim, algumas coisas no mundo ainda não mudaram, as duas instituições mais antigas da humanidade ainda são Escola e Igreja.  
Um jovem que ganha um salário mínimo no Shopping Center ou trabalha como segurança, porque tem que sustentar filhos, sabe-se lá como, não pôde fazer faculdade por conta dos rumos da vida, é menos jovem por conta disso? Ou é mais adulto? Esse jovem que ganha um salário mínimo e não estuda, seria o trabalhador que a elite e outros escutariam? Não é meio absurdo o privilegiado estudante que possui o direito de viver a sua juventude sem pressa ser mais jovem e menos convincente para falar do mundo do que um adulto que precisa efetivamente trabalhar e deixar os estudos lá embaixo da cama? O que é um jovem, afinal de contas, uma pessoa entre 18 até 25 anos, ou uma pessoa sem grana que precisa efetivamente sacrificar muitas coisas para fazer uma graduação? Ou uma pessoa sem grana de 20 anos que precisa efetivamente sacrificar a vontade de cursar uma graduação porque não tem dinheiro, porque não quer, porque os rumos da vida foram outros? Afinal, um jovem estudante, por acaso, é o quê? Um parasita do governo. Parasita ruim, porque os auxílios de permanência de uma faculdade pública também não mudam, um estudante ganha sempre auxílio no valor de 400 reais ou 150 reais e não é todos,  esse auxílio que não cai no mês certo e ele precisa realmente “ir se virando” como dá. (Isso quando não acontece a evasão nas Universidades públicas, não tenho estofo para falar das diferenças da evasão em Federais e Estaduais).
Observemos bem isso. A educação é um problema, porque vivemos em um mundo desigual. Houve mudanças? Sim, muito curtas e pequenas. Mas, em qualquer esquina, eu ainda escuto: “tudo que é pago ainda é melhor. Tudo que é público, é muito ruim”. Em qualquer esquina, escuto pessoas que não conseguiram marcar sua consulta nos hospitais. Assim, o setor público não melhorou e querer que essas instituições públicas ofereçam um serviço que forneçam qualidade, não é nada do outro mundo. É, realmente, normal e legal.

Protestos

O protesto não é um movimento estudantil, mas poderia ser. Não é um movimento hippie, mas poderia ser. Não é um movimento mediado por um partido político (como diria Reinaldo Azevedo), não é aparelhado pelos petistas, mas é múltiplo partidário. O protesto acontece na rua, ela pertence à esfera pública, quem manda nela é o povo.
O protesto não pode possuir rótulos. Os manifestantes e o povo precisam sempre estar atentos para verdadeira mensagem de toda e qualquer manifestação política. A violência dos participantes do movimento não é a causa, a mensagem não deve ser essa, o debate não é esse, a Policia Militar agredindo manifestantes com expressões bélicas superiores a vinagres e latas de lixo, isso sim é motivo de debate, porque não garante segurança e instaura o caos. O motivo sempre precisa partir da causa que o movimento defende. A causa é o real motivo desse encontro, que é um encontro dos paulistanos.

Conclusão

Alguém pode tirar de um cidadão paulistano e brasileiro o direito de sonhar com um mundo diferente que ele conhece? Os paulistanos, os cariocas e o mundo estão provando que os sonhos podem ser expostos na rua e a luta por eles pode ser considerada algo normal na vida das pessoas. Fiquemos sempre atentos com as nossas contradições e tentemos, de certa maneira, colocá-las no debate. Entretanto, não deixemos os nossos sonhos ruírem novamente por conta de dois ou três parasitas aparentemente libertários ou intelectulóides da nossa mídia apavorada que não respeitam nenhuma rede de pesquisa realizada por nossos verdadeiros lutadores acadêmicos do nosso país.
Se houver engano e equívocos, aprenderemos com eles.

Bibliografia




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