terça-feira, 27 de maio de 2014

Ódio

Eu tenho ciúmes deste cigarro que você fuma tão
Distraidamente
E quando pisa aquele cigarro no fim, a fumaça espalha no ar
Estonteantemente

Sinto vontade de matar 

Rimas para quem gosta de bons choros

(Técnica para ouvidores profissionais)

De manhã, não deixe o dia esgotar.
Café com leite, papéis avulsos sobre a mesa
O lápis solitário flerta com uma lacuna inteira
Uma folha de caderno com linhas retas
(- Não! Eu não vou ter coragem de terminar esse caderno).
Duvidando.

De tarde, não deixe o dia esgotar.
Não dê telefonemas
Caminha pela rua, conversa com o primeiro estranho que vê.
Pergunte: “Como foi o seu dia?”
Se ele não souber a resposta, não insiste,  
(não é importante).
Tenta escutar o barulho dos pés.
Caminhando

De noite, não deixe o dia esgotar.
O violão fica mais leve
As cordas estão compridas
O som brilha
Durando

Sorteia duas notas breves
(lembrete: pés descalços ajudam na sensação das texturas sonoras)

Mizinho rézinho e fázinho
Mizinho rézinho fázinho
Acorde em sol maior, dois tons acima,
Preencha o vazio com um fá maior
Mizão Mizão

Silêncio
Sizinho sol fá sustenido
Mizinho fázinho rézinho fázinho
Solzão

Acorde em fá maior, dois tons abaixo,
Preencha o vazio com um si bemol,
Solzão

Silêncio breve nas primas
Mizão longo

Diante o dia, não deixe a vida esgotar.
O mundo é comprido
O tempo anda esbaforido
Repente que, durante o dia, repete
Cabelos soltos estão no pente
Cobrindo o branco dos brancos
Soltos no tapete
O tempo velho repete o vácuo
Não esgota o duo
(Silêncio e barulho)

Durando 

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Um sonho de flor

                               à Leila Diniz

as flores murcham às 4h e meia
desfolham as viçosas manhãs
sem dizer adeus
deixam as camas desarrumadas
fogem
sem beijos de despedidas

seus olhinhos safados
pedem mais carinhos línguas
disparadas pelo corpo
cadentes e sozinhas
elas pedem
um pouco mais
desaparecem

as flores desabrocham depois das dez
acobertadas de espinhos
embelezando o seu cheiro gostoso
elaborando suas pétalas
com cor de vida
beijam sozinhas
 acordam mais belas
fugitivas

as flores morrem aos vinte e sete
mitificam-se e nem sempre renascem
às seis da manhã
permanecem
lindas
anônimas

as flores são mais atraentes
que as fotos
elas gritam
as calcinhas da bunda tiram
gozam
às cinco, seis, quatro
(trepam de manhã, de tarde ou de noite)

as flores são malvadas
(desnecessárias),
mas como gosto delas!
gosto tanto que um dia

serei uma

o algoritmo da sorte

a sorte precisa mudar pra mim
vou jogar Tarô
vou cantar rock n'roll
quem sabe voltar tocar Bossa Nova no violão

a sorte precisa sorrir pra mim
vou ouvir Ludov o final de semana inteiro
sair na rua e torcer pra não encontrar ninguém
pedir o telefone do Bin Laden
ganhar uma medalha de honra
fazer terrorismo
assaltar um Banco
aderir uma seita
ser herói

a sorte está muito baixa
vou escrever besteiras na internet
ouvir conselhos e depois cuspir
vou comer no prato que comi
dormir sem sono
fingir que concordo
fazer macumba
inventar simpatias
comer zumbis

a sorte não está feliz pra mim
vou ficar de mimimimimi
dar piti
pedir um abraço pro meu melhor amigo
Tomar cafezim
dar um rolê no domingo

ficar sem chão
pular de olhos fechados
cair


quem sabe a sorte muda?

A última palavra de Julieta

1 parte: A Canção de Julieta

Eu sou pequenininha como uma larva
                    no meio da rua crava
                   o meu coração

                pequenos joguetes da paixão
                 evaporam
                 (rotineiros)
                Sombras de ciúmes e caos
                doce duo
               (derradeiros)
                Sobram suspiros mútuo

                eu sou pequenininha como uma larva
                no meio da esquina crava
                o meu coração sobre uma pedra de cristal
               borrado de sangue e medo
           
             um desenredo colossal 
             marca todas as histórias de amor
             crimes severos perpetuam mitos
              grandes histórias de amor são belos homicídios

             eu sou pequenininha como uma larva,
             cantada por trás de lindas palavras,
             no meio do papel crava
             minha alma
             cruel e dissimulada
            profunda e mortal


2 parte: Uma carta ao Romeu

Aos berros, Romeu diz: Julieta! Julieta!
Eu respondo: não grites, Romeu!
Romeu diz: por você, eu te dou meu coração, o céu e todas as estrelas
Eu digo: não precisa de tanto, não desejo nem estrelas e nem violetas
Romeu diz: essa paixão me violenta, quero a ti e serei teu. Prometo à lua
Eu digo: Não faça isso, não prometa à lua. Se prometer a mim sobre o teu amor, faça essa promessa por ti, quem eu acredito e sou adoradora.  Não faças promessas à lua, ela é de natureza inconstante e muda de fases; ora cheia, ora meia, ora inteira. Não quero acreditar que esse amor que sente por mim, sofre a inconstância da lua. Jure, meu Romeu, jure por ti e eu vou acreditar
Romeu jurou simplesmente.

Eu sou pequenininha como uma larva
Sepultada no meio da madrugada
Crava o meu coração
Com um veneno doce de todas as palavras
Malditas e eternas
Toda a paixão
é um anúncio de morte

Uma palavra como um corte
Arranca um pedaço
Rasga o aço
Floreia o mórbido
Romeu e Julieta
Flertam com a morte

Eu sou pequenininha como uma larva
No meio do tempo crava
outras palavras:  

“Romeu, por ti, eu amei a liberdade
E só, por isso, eu te amarei por resto de toda a eternidade
O teu amor era inconstante como a lua
Mas, a liberdade é dura e lascívia,
como venenosas larvas,
alinhando as tuas veias pálidas
jovens e estúpidas.
Romeu, por ti, eu amei a ideia de estar livre das caixinhas
Mas, morri uma jovem bela e estúpida
Ainda bem que não morri virgem e amarga
Romeu, por ti, eu amei uma vida nova
Menos cínica, menos hipócrita
Tu és um tolo herói, morreste por falta de pensamento
Por contentamento, apenas por isso,
A nossa história de amor foi a única que teve um final feliz.”

Com carinho e doçura,

Tua, sempre tua, eterna e jovem, Julieta

sexta-feira, 2 de maio de 2014

A novela das nove

Homens vis
vigiam a vila
vilania

comem “french fries”
cultivam ódio
demais

Temem o vermelho
A mentira do espelho
esclarece a cor do sangue
as máscaras guardam os seus rostos
vigiam a vila
Lá vem: inimigos do povo!
Estranhos da nação

Homens vis
Vigiam a vila
Selvageria

Sangue derramado
Asfalto, podre e avermelhado,
Contam os buracos de tiros encontrados
O gatilho matou três ou quatro inocentes

Homens vis
Vigiam a vila
Cegueira geral

Mortos na central
Encaixotados, anônimos.
O gatilho matou três ou seis inocentes
Os boatos da rua ficaram deficientes
A história ficou manca


A televisão escondeu o pé esquerdo.