terça-feira, 27 de agosto de 2013

Entrevista com o Diabo

Eu nunca consegui descrever aquela figura. Em 1972, aquilo estava diante dos meus olhos, esperando algumas perguntas minhas e eu, em prontidão, talvez, querendo respostas. Estávamos sentados um diante do outro. Eu, com aquela sensação, estranha, de não saber o que perguntar, mesmo sentindo uma petulância irascível; afinal, um repórter que se preza precisa, antes de tudo, possuir um sentimento de ousadia. Todas as perguntas são idiotas. O repórter é a profissão mais idiota que essa sociedade inventou. Sendo idiota, me assumindo assim, eis a minha maior coragem, afinal o repórter é um escritor medíocre que não conseguiu escrever o grande romance. Morreu antes de escrever as primeiras linhas, terminou com perguntas bobas, esperando respostas que não teve coragem de responder por si mesmo.
- o que você pensa do mundo? – perguntei com uma frieza falsa
Houve um tempo de respiração. A sala estava vazia. Então, depois de cinco minutos silenciosos, houve o tempo de fala daquela figura:
- é uma piada de Deus, onde estão andando pessoas medíocres e, facilmente, imitáveis, com sonhos tolos e noções ridículas da natureza. O mundo é um parque de diversões, eu rio demais com as imbecilidades que as pessoas diz. Pô cara, a gente tem três caminhos: 1º) entrar na guerra; 2º) entrar na floresta proibida; 3º) um mergulho no labirinto.
- como são esses três caminhos?
- todos são caminhos sem volta. Todos terminam na morte física. Os homens possuem isso, morrem. Assim, sofrem menos – (ele olhou para baixo, os olhos tristes pareciam fundos), - os imortais sofrem mais, eles conhecem as leis e as regras da natureza, joga o jogo e, às vezes, ultrapassam a natureza.
O mundo aparente é a guerra, onde existem guerreiros cansados, guerreiros preguiçosos e bons guerreiros. Os bons sempre morrem antes. Os preguiçosos têm um monte de truque de cartas, normalmente, vivem nos botecos e jogam truco ao invés de lutar contra os imperadores. Eles se divertem na guerra, são pessoas divertidas. Os medíocres estão cansados, hoje, estão sem saber de nada, não encontram sentido no mundo; eles precisam de explicações, precisam de líderes e decoram livros.
A floresta proibida é também divertida, existem belos e esquisitos animais. Alguns adolescentes entram nela porque se apaixonam pelas fadas e os elfos. Conheço poucos humanos que se transformaram em fadas e elfos, são pessoas difíceis e com temperamentos complicados. Aah! A beleza! Eu adoro a beleza, ela é perigosa e sedutora, eu gosto de trepar com fadas e elfos, esses desgraçados sempre fazem que eu me apaixone por eles. Os duendes é que são criaturas terríveis e escrotas, roubam e são feios, sujos e fedidos; mas, até que conseguem serem bons amigos, é sempre bom ter um amigo assim. Os duendes são baixinhos, entram em todos os lugares, entende, são criaturinhas feinhas, mas são simpáticas e verdadeiras.
O labirinto é lugar de preservação de sentimentos profundos. Não conheço pessoas que moram lá. Só sei que que quem entraram lá, não voltaram, são criaturas que não são criaturas, são profundos e a tristeza e a angústia lá têm outro nome, entende. Os adolescentes que entra lá, não volta e ganha outra aparência, sonha outros sonhos, conhecem outro amor.  Normalmente, os medíocres permanecem na guerra, mas tem gente que consegue se divertir jogando truco e enchendo a cara.
- o que é a memória?
- Isso é uma pergunta bonita. Existem poetas que fazem da memória o fruto de suas artes, consequentemente, o fruto de sua pobreza. O mundo de guerra é mundo de conservação de miséria e pobreza. A memória é feita em diálogos entre pessoas que querem inventar o presente. O passado é uma narrativa inventada. Somos todos meio que poetas da nossa vida, na verdade, não são todos, são aqueles que conseguem e querem ser idiotas a vida inteira. O inferno são dos idiotas.
- os poetas são importantes?
- pra guerra não, na guerra os poetas morrem fácil fácil. Não são todos que sabem segurar uma arma e matar. Apesar que a poesia tem um pouco de morte. Um bom poeta é um assassino em potencial. O poeta sempre flerta com a morte, mas essa sedução é idiota, porque o poeta sempre perde. Sempre! Enfim, eu gosto dos poetas, são criaturas únicas. Pena! Que são poucos e que também vão embora rápido. Vão embora, porque os poetas, na verdade, são criaturas fracassadas, queriam namorar elfos e fadas, não conseguiu; queriam conhecer o labirinto e inventam poesias pra tentar representar esse tal sonho, mas nunca chegaram nem perto disso; eles são criaturas que não conseguem e, aí, correm atrás de mecenas pra bancar, né, os seus poemas. É pra isto que eu existo, banco os poetas, eles fazem pacto comigo.
- o que você é?
Ele olhou para mim, riu com uma malícia sedutora, estava tão bonito. Ri de volta.
- repórteres são burros, a burrice é a melhor inocência. Afinal, só vocês pode fazer essas perguntas estúpidas e tão bobas. Vocês, repórteres burros, são parecidos com os atores, os melhores são absolutamente toscos de tão bons, são tão humildes que até eu fico emocionado. – (ele soltou um som de riso, gostoso, e eu ri também) – O que eu sou, querido? Eu sou o mecenas dos poetas, o cafetão das putas, o cara que sempre está nos botecos, o verdadeiro rebelde, eu sou apaixonado pela beleza, eu amo homens imbecis, porque sempre pagam a conta do boteco, eu sou o cara que fode todo mundo, porque todos imitam porcamente a natureza, ninguém se usa dela. Eu sou o ser inimitável, porque ultrapasso a natureza. Eu sou o diabo.
- eu estou fazendo uma entrevista com o Diabo
- constatação óbvia que só os repórteres consegue fazer! Meu querido, pergunta pra mim o que todos querem perguntar pra Deus.
Eu fiquei com medo, passei os dois minutos mais longos da minha vida. Afinal, estava diante da figura mais popular do mundo. A figura que se rebelou contra Deus. Poderia fazer a pergunta que toda a humanidade gostaria de fazer, então, olhei fundo dos olhos e, com uma petulância tímida, fiz a pergunta:
- como é o Deus?
O Diabo gargalhou. Riu de mim como se eu fosse um idiota, afinal, só um completo idiota teria a coragem de fazer uma pergunta tão estúpida. Ele me respondeu:
- Deus não imita ninguém, nem quer ser imitado. Ele está no silêncio, mas se você for buscar o silêncio para encontrar ele, você não vai achar. Ele está nas árvores, mas se você procurar as árvores para encontrar ele, não vai encontrar. Ele está nos botecos, mas se você se perder para encontrar ele, você não vai encontrar. Ele está em muitos lugares e não está em nenhum desses lugares. Ele não é uma figura, ele não é parecido com ninguém, como eu, não sou parecido com ninguém. Sou o que os outros fizeram de mim. Nós dois precisamos um do outro para existir, eu adoro beber com ele. Ele é uma figura engraçada, ótimo humorista, quase um palhaço e é um bailarino engraçadíssimo. Ele se parece com uma criança. Aliás, ele adora crianças.
- como é que você quer terminar essa entrevista?
- vamos fazer um pacto, meu querido, eu quero fazer um pacto com a burrice dos jornalistas. Afinal, os poetas daqui alguns anos vão estar fora de moda. Se você topar, meu querido, eu te levo até o labirinto.
Naquele dia, em 1972, eu fiz um pacto com o diabo. Ele prometeu que iria apresentar o labirinto para mim. Não conheci o labirinto. Depois, perguntei a ele porque tinha feito essa promessa para mim. O Diabo me respondeu: “eu menti pra você”. Eu fiquei muito nervoso, acabei me tornando poeta. Mas, depois de quarenta anos, a poesia ficou fora de moda. Morri pobre com dois livros de poesia publicados e uma entrevista com o diabo que me deixou famoso por uns tempos. Namorei duas fadas e fiquei apaixonado, perdidamente, por um elfo. Tive um filho que morreu jovem na guerra. Eu virei poeta.


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