Ele
não conhecia nenhuma garota, saia de casa sempre às seis horas da tarde e
dormia exatamente às dez da noite. Certo dia, ele conheceu Alessandro, era um
mulherengo, dormia com muitas garotas e, sabe-se lá por que motivo, esse rapaz
gostou do tímido Gabriel. Eles se conheceram em um sábado, exatamente umas seis
e três da tarde.
-
o que você está fazendo?
-
nada. Caminhando
No
dia seguinte.
-
o que você está fazendo?
-
nada. Caminhando
Na
semana seguinte, Alessandro paquerava uma menina bonita, mas quando viu o mesmo
rapaz atravessar a rua, agiu da mesma forma e até se esqueceu da mulher que
estava ao seu lado.
-
o que você está fazendo?
-
nada. Só caminhando
Alessandro
ficou ensimesmado. Porém, não sabia como fazer a aproximação com o tímido
Gabriel, a curiosidade foi abatendo o seu íntimo, queria conhecer a história
desse rapaz. Até onde Alessandro observava, Gabriel lhe parecia mais jovem que
ele e muito distraído, não parecia ter muito jeito com as coisas, andava
desengonçado, mas chamava atenção por todos que estavam na mesma rua.
De
repente, Gabriel parou de andar e viu uma moça exuberante atravessar o caminho,
era uma mulher que tinha cabelos longos, peitos fartos e usava minissaia.
Alessandro percebeu que o olhar do rapaz tímido mudou radicalmente, permaneceu sentado para observar qual seria o próximo passo dele. Nada aconteceu, Gabriel
viu a mulher passar e, no olhar, tinha uma expressão de tristeza, parecia que o
horizonte estava mais longe que aparentava, os limites tendiam ao infinito. Ele
se sentou sobre o chão.
-
o que você está fazendo? – perguntou Alessandro
-
olhando a Beleza que passa – respondeu Gabriel
-
e por que não vai atrás dessa mulher?
-
porque prefiro sentar aqui
-
o que tem aqui?
-
tem você – Gabriel mostrou os dentes timidamente
Alessandro
riu, tinha esquecido que sentia atração por mulheres. Olharam-se muitas horas,
perderam algumas noções de espaço e esqueceu que era quarta-feira.
Na
semana seguinte, Alessandro sentou no mesmo lugar que o Gabriel. Esperou, mas
ele não apareceu. Andou até o lugar que tinha passado a mulher bonita, mas não
encontrou o tímido rapaz. Perguntou para uma senhora com
roupa rosa, ela respondeu: “não vi nenhum menino assim”. Ele procurou por todos
os lugares, perguntou para moça que paquerava na última quarta-feira, essa
menina respondeu: “que menino? Você não estava sozinho?”.
Alessandro
ficou com dúvida, se, de fato, ele tinha conhecido aquele rapaz tímido. Se não
era uma espécie de ilusão criada na cabeça. Perguntou para o moço que vendia
sorvete: “ licença, você viu um rapaz tímido, usando roupa azul e com um
bigodinho discreto, ele falava esquisito e tinha sotaque que não era de São
Paulo?” O homem respondeu: “não vi ninguém assim”. Alessandro parou subidamente
no meio do caminho, voltou ao lugar que tinha sentado antes. Olhou para o céu,
então, lembrou-se que tinha o telefone do Gabriel.
Fez
o telefonema, a senhora que atendeu disse: “esse rapaz não mora aqui não”. Alessandro tossiu e empalideceu. Ele se lembrou das palavras do tímido
Gabriel: “estou olhando a Beleza que passa”, pensou no sorriso bobo dele, sentiu
saudades. O que tinha acontecido com aquele rapaz? Passaram duas horas,
Alessandro não entendia. Não conseguiu encontrar
evidências para solucionar o misterioso desaparecimento do rapaz tímido.
Quando
ele atravessou a rua para ir à sua casa, encontrou uma pulseira. Gabriel tinha
sido atropelado por um caminhão. Estava uma grande confusão em volta dele,
Alessandro se lembrou da última frase que Gabriel tinha falado: “estou olhando
a beleza que passa”. Ele, um homem alto, cabelos pretos e olhos confusos, olhou
a morte de perto e pensou: “estou olhando a beleza morrer”.
No
IML, um corpo de baixa estatura, com um bigodinho discreto e olhos sonhadores
estava esquecido. Duas semanas depois ninguém foi procurar por esse corpo.
Alessandro perguntou por Gabriel, a moça de vinte anos que atendeu, disse que
tinha um corpo que podia ter essas características lá. Alessandro mentiu, disse
que era irmão e que queria procurar o corpo, pois havia sumido por duas semanas.
-
é esse daqui – A moça mostrou o último corpo
Ele
olhou, respirou fundo e pensou: “estou olhando a beleza morta”.
-
é sim – tentou engolir o choro.
-
quando tempo ele está aqui?
-
duas semanas
Na
quarta-feira, Alessandro paquerou uma garota. Dormiu com essa menina, olhou os
olhos da garota e só conseguia lembrar a frase do tímido Gabriel: “estou olhando
a beleza que passa”. Marcela que tinha uma vitalidade no olhar, percebeu que Alessandro estava distante e perguntou:
-
o que você tem?
-
eu não esqueço
-
você não esquece alguém?
-
sim – Alessandro respirou profundamente -, era alguém que tinha um sorriso
muito bonito
-
o que aconteceu?
-
sumiu – Alessandro virou de lado e olhou para menina, ele tinha olhos confusos -, Má, será que eu criei uma imagem na minha
cabeça? Será que a gente inventa imagens de beleza?
-
que que você tá querendo dizer?
-
acho que me apaixonei por uma imagem, mas não tenho certeza se ela existe, não
sei se aquele rapaz que eu vi na rua, foi fruto na minha imaginação, se foi sonho
ou se foi delírio. Agora, agora, agora. Ele sumiu
-
por que você não correu atrás?
-
aí que está – suspiro longo – eu fui atrás dele em todos os lugares, eu liguei
para casa dele. Foi uma senhora com uma voz horrorosa e brava que me atendeu e
me disse: ‘não tem ninguém com esse nome que mora aqui’. De repente, voltando
para casa, eu encontrei uma pulseira, Má, essa pulseira aqui – ele mostra o seu pulso – você vê! Essa pulseira é real, eu estou usando ela
-
então, esse menino existiu
-
será? Má, eu encontrei ele morto em uma calçada, ele apareceu como uma faísca e
com tanta vitalidade e tanta energia, sumiu com pressa e hoje, agora, eu aqui,
não consigo esquecer, não sei se isso foi produção minha, se fui eu quem produziu ele, não sei se ele já estava
morto ou se não era para encostar naquela pessoa?
- Lê, parece que você não está falando coisa com coisa
-
Má, – acariciou os cabelos dela – você acha que é possível a gente vivenciar coisas
e não ter certeza sobre as suas próprias vivências?
-
como assim?
-
Má, eu procurei esse rapaz por tudo que é canto, eu menti pra encontrar esse
rapaz, eu fui na puta que pariu, quando eu encontrei, ele estava morto. Mas, no
IML, esse rapaz estava morto já fazia duas semanas, será que ele tinha morrido
atropelado mesmo? Será que eu inventei esse rapaz? Será, Má, que eu estou
inventando tudo isso pra te contar essas coisas?
-
Lê, você tá meio aflito, não é
-
Má, será que eu inventei – ele para subitamente, parece que ele não tem coragem
de dizer -, será que as coisas que eu senti perto desse rapaz foram mentiras?
Será que eu inventei tudo isso?
Passaram
cinco anos, Alessandro casou com Maurício, um rapaz menos bonito que Gabriel, mais extrovertido, mais normal. Alessandro reencontrou a Marcela,
ela perguntou:
-
como você está?
-
eu estou bem – respirou – mas, ainda não esqueço, Má
-
o que você não esquece?
-
Má, eu não esqueço a beleza que eu vi morrer
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