domingo, 23 de dezembro de 2012

Uma aprendizagem de corpo


Uma menina de onze anos, mais ou menos, sentada numa arquibancada de madeira observando curiosamente, com seus olhinhos negros e ácidos, aquele cenário rústico e sem grandes fantasias. O espaço vazio pode não significar nada à primeira vista. Aquela criança usava um vestidinho de borboletas, caminhava afobada para cima e para baixo, procurando por algo (que talvez nem ela soubesse direito).  À primeira vista era só uma criança com vestido, olhinhos ácidos e rosto meigo.
Eis que entra a primeira música do dia. O som preenche o vazio espacial. A menina cala a boca estupefata, quase engole a saliva de susto, acordando os olhos ácidos subitamente. Havia uma espécie de imã nos olhinhos frágeis, que orbitavam o pequeno espaço do imenso branco, olhando o imenso teatro. Os atores, todos sem nomes e pintados, dançavam uma música atraente e divertida. Ela queria rir, dançar e entrar naquela brincadeira para sempre com eles. Permaneceu sentada.
Eis que entra Miriam Muniz. A menina olhava curiosamente para aquela aparição que não significava nada para ela, somente o fato dessa atriz possuir uma energia libertária e subversiva. Para se proteger do susto, ela começou a rir. Isso chamou a atenção da atriz, que não parecia atuar, Miriam olhou-a de perto com os seus óculos escuros. A menina não viu os olhos da outra pessoa desconhecida que a observava intensamente.
Miriam Muniz – Você tá rindo do quê?
A menina não respondeu.
Miriam Muniz – vem cá!
A menina caminhou até a atriz. 
Miriam Muniz – você sabe abraçar?
Menina – sei sim
Miriam Muniz – então... me abraça!
A menina obedeceu essa aparição de óculos negros, cabelos brancos, que caminhava como corcunda. Dava medo, principalmente, a voz encarniçada e ranheta que ela soltava para preencher o vazio do espaço. Ela a abraçou, quase querendo abandonar a decisão de abraçar um ser desconhecido, abraçou com os braços inseguros.
Miriam Muniz – não, não, você não sabe abraçar. Preste atenção! Você não pode ter medo do meu corpo. Vem cá! Encoste em mim, sem medo, a minha buceta tem encostar na sua, com o homem é a mesma coisa, o pau tem encostar em você. Entendeu? Não pode ter medo do corpo do outro. Nunca! Agora tente me abraçar de novo
A menina sorriu, abraçando-a outra vez.
Miriam Muniz – Isso! Isso! É assim que se abraça... E você que tá rindo? Vem cá me abraçar também (ela abraçava um homem agora). Não, Não, o seu pau tem que encostar em mim, você não vai me comer por causa de um abraço, mas o corpo tem de estar perto do outro corpo. Só é abraço quando é assim, o corpo inteiro colado com o outro.
 A peça acabou por volta das dez horas da noite, ela – a menina de vestidinho – tinha aprendido a abraçar.

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