Qual
é a coisa mais perigosa do amor? Uma
mulher adulta me respondeu: pequena, tudo se começa pela boca.
Qual
é a coisa mais perigosa do amor? Perguntei para as minhas amigas, elas me
responderam: aaah, pequena! É o beijo. É o cheiro.
Mãe,
qual é a coisa mais perigosa do amor? Filha, minha pequena, é o silêncio.
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Curiosidade
mata um homem.
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Estava
em um bar. Tomava cerveja. Falava coisas banais com um menino.
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blá blá blá blá
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blá blá
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batatas fritas
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blá, porção de batatas
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tem muita batata
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blá blá
Em
um minuto distraído, sem interesse de chamar atenção do rapazinho que estava na
minha frente. O olhar do outro abateu em mim uma certa timidez. O desconforto
de silêncio pairou sobre nossas cabeças.
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Um
olhar. Eu estava vestida com uma blusa e calça jeans. Ele estava vestido com calça jeans e uma
camisa estampada. O que ele olhava tanto? De repente, senti um conhecimento
nascendo dentro da minha ignorância sobre essas coisas que acontecia entre duas
pessoas. Entendi como o meu corpo era tão diferente de outros corpos. Um desses
conhecimentos que nós aprendemos no meio do ato-se-fazendo. Se existe alguma diferença entre o homem
e a mulher, além do pau e da buceta , eu não sei. (Samuel Rawet diria isso ou será que Henry Miller diria? Acho que essa frase podia ser escrita por um dos dois.)
Mas, naquele
instante, senti a diferença do meu corpo em comparação com os outros. A solidez ficou evidente. Aquele corpo (o meu corpo) causava uma sensação diferente a esse moço, que pagava minhas batatas fritas. Essa sensação
remexia a imaginação dele. Senti um temor, tremendo o meu rosto, fiquei corada.
Acho que ri, desviando os meus olhos. O que diferencia um moleque de um homem é
o olhar. Esses olhos, (o olhar do moço das batatas fritas), tiravam a minha roupa, me deixavam nua, devagarzinho, sem
medo e pudor. Isso é terrível. Ah que olhar terrível! Nesse momento, a única
certeza que pairava na minha cabeça, era a seguinte: “como é impossível
manipular a imaginação do outro, eu posso estar fazendo qualquer coisa na
cabeça desse menino e eu não sei. Não tenho controle. Ao mesmo tempo que é sedutor, também é perturbador, eu sou a imaginação dele sem ser eu. A imaginação não é minha”.
O
olhar terrível me deixava tão vulnerável, sem poder de controle, desnuda. Eu tinha
tanta consciência de corpo. Os olhos enxergavam os meus pés, a cabeça, a pele e etc. Não tinha como fugir, a imaginação dele se presentificava no silêncio. Esse olhar era a coisa mais perigosa dos homens.
&
Um
movimento pequeno pode ser arrebatador e transparecer a vulnerabilidade do
outro. Sempre me traí com o olhar, os olhos denunciam tudo. Aquele rapazinho
que provocou essa sensação, nunca beijou na minha boca. Viramos amigos depois.
Ele também nunca mais me olhou desse jeito (nunca percebi ao menos) e, no
final, crescemos juntos como cúmplices de pentelhices.
&
Estava
nua, deitada na cama, olhei as grandes costas daquele homem. Vi, então, a
tatuagem de lobo e um nome de mulher escrito em letras gigantes. Respirei como
um suspiro; um segredo imenso separava o meu corpo e o corpo dele. Nunca
perguntaria. Ele se virou para mim, nenhuma palavra foi trocada entre nós dois,
a boca com a boca, o ar separando apenas. Um beijo. Muitos silêncios pronunciariam
as horas.
Gozou
dentro de mim. Ficou parado, segurando os meus cabelos. Respirava perto do meu
ouvido como se tivesse me contando um segredo sem palavras. Algo que jamais
poderia comunicar, eu demoraria tanto tempo para entender esse momento.
Separamos.
Ele olhou para o teto. Permaneci no mesmo lugar.
De
repente, as mãos dele sobre as minhas pernas. Aconteceu o inesperado. Ele me
olhou. Aquele mesmo olhar terrível que o rapazinho do bar tinha olhado uma vez.
Entendi tudo, como era perigoso! Era o olhar mais indecente do mundo. Nua, ele
me imaginava mais nua. Claro que não! Pequena, ele queria mais, queria mais
sacanagem. Queria muito. A palavra querer era advérbio de intensidade. Muito
era segredo.
&
Mamãe
jamais me perdoaria. Mas também, depois de entender qual era a coisa mais
perigosa do amor, entendi qual era o risco do prazer. (Não existem santos e
puritanos na hora que viram os olhinhos!). Como é terrível não manipular a
imaginação do outro, é terrível aceitar que não temos o controle de tudo. O
risco do prazer é intransferível, deve ser essa a mesma sensação de assassinar uma pessoa. Incomunicável.