sábado, 19 de julho de 2014

Cópia de Ana C.: para explicar uma reminiscência

ei, querido amigo, que eu tenho tanta intimidade, e não vejo desde quando eu prometi que ia conhecer seus filhos, me desculpe o meu desleixo. Vida de paulistano é intensa e vaga, sabe qualé que é. O Gabriel, seu filho mais velho, já deve ter sete anos. Ele também é leonino, não é? Está chegando o meu aniversário, vou fazer vinte e cinco, já estou sonhando com meus trinta. Essa idade (os trinta), pra mim, na minha infância, era uma utopia distante. As crianças possuem uma limitação para enxergar o tempo, não veem que o tempo pode alargar mais as nossas experiências concretas. Os pequenos humanos vivem em um mundo curto e efêmero, sem expectativas futuras imediatas ou duradouras. Não imagino que elas sejam mais felizes por conta disso, eu mesmo – ó meu querido amigo! – fui uma criança muito triste.
quero contar as novidades e estou fugindo do assunto. Você está rindo? Não tenho dúvidas que está dando gargalhadas. Estou errada? Pois então... Estava eu, sentada na poltrona 35, voltava pra Sampa. Ao sentir o clima seco e a chuvinha suave, (irritante e contínua), sobre minha janela, percebi que a cidade de São Paulo estava próxima. Essas intuições, depois de repetidas tantas vezes, se tornam costumes e hábitos de recepção da cidade, que concebe uma massa de pessoas esquecidas e anônimas dentro de um ônibus quase todos os dias. Acostumada com a multidão, senti que dividia o espaço com uma solidão coletiva, eu estava imersa entre homens e mulheres, sozinhos. “Estamos chegando em São Paulo”, pensei.
senti o cheiro forte de menta no ar. Sonolenta, cochilei em cima de uma mulher com pernas desnudas e camiseta verde, ela também estava cansada, por isso, não reclamou da minha cabeça repousada em seu ombro. Era um sono, mais ou menos vigilante, ora acordava, ora sonhava pequenos fragmentos do que eu vivi no Rio. Fiquei na casa do Bruno, por uns tempos, conversamos sobre literatura e as manifestações duras que estavam acontecendo no Brasil. Logo, em seguida, conheci um colombiano que estava muito animado em conhecer o nosso país, estava achando o Rio lindo e achava as mulheres cariocas muito liberais. Eu disse a ele que não gostava de futebol, entretanto, eu gostava mais do Maradona do que Pelé. Ele riu, comemos batata frita e tomamos duas garrafas de cerveja. O cinema foi pro beleléu, a turma queria mesmo era bater papo. Eu dava risada e decidi que ia passar à noite na casa de Joana.
lembra de Joana? Aquela amiga minha da escola que ficou muito bonita. Ela tem mania inglesa, gosta de chá, quando eu acordei, ao invés, do nosso tradicional café, tomei chá de maçã com bolachas e queijo. Joana pensava em mudar de vez pro Rio de Janeiro, ela se tornou carioca de coração, largou o Corinthians, seu time de infância, pra torcer pro Flamengo, não reconhecia sequer seu sotaque. Era uma outra pessoa! Estávamos felizes. Afinal, somos jovens comuns, sorrimos gratuitamente e, de vez em quando, nos entregamos às ilusões. Fomos beber, era tardezinha, estávamos de férias, conversamos, rimos, contamos piadas. Joana estava um pouco angustiada, pois, daqui algumas semanas, ela voltaria pra São Paulo. Eu brinquei: “sair do Rio pra voltar pra Sampa, isso, minha querida, é carma, é castigo!”. Ela riu concordando, havia tristeza no riso. Cinco minutos depois, eu deixei as minhas chaves cair, abaixei e apanhei-as.
aí, eu vi. Era ele, (esse mesmo, meu amigo, quem você está pensando), o último lugar que eu imaginava encontrá-lo era no Rio, estava lá, belo, audacioso, como se o tempo não estivesse passado pra ele. Era um homem comum pros outros, mas pra mim, era aquele homem. O tipo célebre! Que eu não via há sete anos. Não direi obviedades aqui, meu amigo, baste imaginar um prédio caindo em sua cabeça e, nesse instante, o medo não aparece, porque não há tempo, você só consegue respirar ofegante e enfrentar o risco da morte. Eu o vi, ele também. Me cumprimentou, eu também, tivemos algumas conversas estranhas, ele me perguntou como estava minha mãe, eu respondi que estava bem. Enfim, demos beijos na bochecha e, cada um, foi pro seu canto, escoltados por seus amigos. Desencontrando nossos olhares, voltamos pros nossos rumos.
senti o cheiro de menta no ar. O ar intoxicando minhas narinas, avisando que o aroma não era mais de mar, o cheiro de asfalto substituía. A realidade paulistana me lembrou da minha vida intensa e vaga, quando acordei do meu sono vigilante, era uma pessoa comum que desencontrava com outros olhares anônimos e vagos. O tipo célebre não me perturbava mais. 

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