quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Teoria de "The Sims": A vida de Marie Ramone

City The Sims, 2 de Janeiro de 2013

Eu moro nessa casa, pequena, com poucos móveis, há sete anos. A casa tem três cômodos. Moro sozinha, tenho três mil reais na minha conta bancária e trabalho de jornalista no outro lado da cidade. Estou pensando comprar um carro, mas preciso juntar dinheiro para realizar esse negócio. 

Meu nome é Marie Ramone, tenho dois amigos, adoro crianças, sou brava e ciumenta. Me sinto muito sozinha, às vezes, tenho vontade de namorar alguém. Adoro pintar, cozinhar e dançar. Tenho um rádio bem ruinzinho, mas ele serve, consigo ouvir minhas músicas, enquanto pinto. Meu trabalho não é chato, gosto muito de escrever, porém, sou nova na empresa, não posso falar todas as minhas opiniões. Muitos nem sabem que eu tenho uma péssima relação com meus familiares, é, por isso, que nunca visito meus pais e eles nunca me ligaram no dia do meu aniversário.

Hoje, eu comecei esse diário para falar um pouco da minha vida. Apenas me apresentei, porque queria falar um pouco de mim para alguém. Passo o dia inteiro sem ouvir barulhos em casa, às vezes, me esqueço do barulho da minha própria voz. Queria falar um pouco de mim e dos meus desejos para alguém


City The Sims, 4 de Janeiro de 2013 


Comecei o meu diário dois dias atrás, não escrevi nada, porque não havia nada para ser dito. Meu dia foi normal, acordei, tomei café-da-manhã, escovei meus dentes, tomei banho e fui trabalhar. Trabalhei até as 16 horas, cheguei em casa às 17h, estava com muita fome. Preparei macarrão, comi sozinha na minha mesa pequena. 


Semana passada, um ladrão me roubou uma cadeira. Minha cozinha somente tem uma mesa, arredondada e vermelha, e uma cadeira. Eu, o prato sujo, a única cadeira na cozinha e minha sombra, às vezes, me sinto muito sozinha. 

City The Sims, 5 de Janeiro de 2013 

Hoje, eu fiz uma festa para vizinhança. Apareceu na minha casa muitas pessoas que eu não sabia nem o nome. Eu não estava arrumada, estava limpando o banheiro. Logo, hoje, eu tive que desentupir a minha privada, fiquei muito nervosa e suja. 

Quando os convidados chegaram, todos foram rapidamente em direção ao banheiro. Estava desentupindo a privada, fiquei sem jeito de cumprimentar as pessoas, por isso, apenas cumprimentei com meus olhos, já que minhas mãos estavam ocupadas. 

Senti algo estranho, mesmo que eu sentisse vontade de cumprimentá-los e abraçar os convidados, eu não podia parar o que estava fazendo. Era uma força maior que eu. Fiquei constrangida com essa situação. Senti que não tinha controle dos meus desejos e das minhas ações. 

City The Sims,  6 de Janeiro de 2013 

Aconteceu uma coisa muita estranha hoje. Senti que o tempo passou mais rápido que o normal. Eu estava pintando um quadro e estava, finalmente, me divertindo. Era um quadro que demoraria muito para pintar. Entretanto, algo estranho aconteceu, parece que alguém acelerou os relógios e não senti o tempo passar nas minhas mãos. 

Uma hora o papel estava branco, depois, estava todo pintado, eu não lembro como desenhei tão rápido. 

City The Sims, 8 de Janeiro de 2013

Hoje, eu conheci alguém. Depois de meses, morando nessa cidade muito tranquila, senti que conheci alguém que balançou o meu coração. É um rapaz chamado Chet Burd, tem olhos azuis, cabelos loiros e adora esportes. Eu o conheci na Galeria de Arte, fiquei imediatamente atraída. Acredito que essas coisas acontecem. 

Mas, de novo, aconteceu alguma coisa estranha. Durante as nossas conversas, eu senti uma fome terrível. O tempo passou rápido demais. Era um sábado, (não trabalho aos sábados), tinha chegado às 14h na Galeria de Arte, de repente, era 20h e precisava voltar para casa. Eu não lembro o que conversei com Chet. Aliás, tenho a pequena impressão que eu não escolho as palavras que converso com as pessoas que vão e vem na minha vida. 

Esses dias, eu conversei sobre arte, comida e cor vermelha para senhora D. do mesmo jeito que paquerei Chet. Será que eu não sou uma pessoa criativa? 


City The Sims, 9 de janeiro de 2013 

Nada aconteceu. Trabalhei, fiz comida, escovei os dentes, assisti televisão e fui dormir. 


City The Sims, 10 de Janeiro 2013 

Chet me visitou hoje. Fiquei pulando de alegria, preparei uma comida especial para ele. Pensei que seria a nossa grande noite. Por isso, fiz a preparação perfeita, organizei todos os detalhes, limpei todos os cômodos da casa, tomei banho, vesti a minha melhor roupa e liguei um rádio. 

Mas, aconteceu alguma coisa estranha. Senti, de novo, que não tinha controle nos meus movimentos. Ficamos conversando os mesmos assuntos desimportantes, comemos, ficamos de mãos dadas, dançamos juntos. Nos beijamos várias e várias vezes, mas não transamos. Eu estranhei tanto. O que será que aconteceu? Chet não é religioso, ele queria demais; eu tenho desejo de casar e ter filhos, mas não acho que sexo por diversão seja pecado. Por que não transamos, sendo que nós só pensávamos nisso? 

Chet me deu um longo beijo na boca e se despediu. Eu senti um arrebatamento no meu peito. Chet me disse que sentiu angústia.  

City The Sims, 11 de Janeiro 2013 

Hoje aconteceu de novo. Chet apareceu na minha casa e sentimos vontade de transar, mas não transamos. Não consigamos parar as nossas atividades e fazermos outras coisas que não desejávamos realmente. O tempo de novo parece que foi rápido demais. 

Ele foi embora e não me beijou. 


City The Sims, 12 de janeiro 2013 

Hoje, Chet me pediu em casamento. Eu aceitei imediatamente, não pensei duas vezes, faltei no meu trabalho por cinco dias. Esqueci da arrumar as coisas em casa e, finalmente, nós transamos. 

Quando acordei, descobri que estava grávida. O tempo passou rápido demais e, de repente, estava com nove meses. 


City The Sims, 15 de Janeiro 2013 

Estou estressada novamente e com fome. É estranho, porque não engordo. Eu e o Chet, quase não nos beijamos mais, sentimos vontade de transar, mas não transamos. É algo estranho que eu notei semanas atrás, parece que só podemos fazer sexo, quando temos que fazer um bebê. Por isso, temos quatro bebês em casa, todos me deixam maluca.


City The Sims, 20 de Janeiro 2013 

Hoje, eu percebi que existe alguém que nos controla. Essa pessoa poderia ser Deus? Quem será que é essa pessoa? Eu percebi, porque estava claro que eu queria comer e fui obrigada a fazer exercícios físicos. Eu não queria fazer exercícios hoje, principalmente, numa sexta-feira. 

Fiquei observando o meu espelho no banheiro. Fiquei pensando nesse Deus. Será que ele tinha rosto? Será que ele é um velho barbudo de 130 milhões de anos que sabe de tudo e faz de tudo? A minha vida, então, era controlada por uma pessoa que sabe de todos os meus desejos, conhece toda a minha história, brinca com meus sentimentos, fica assistindo minha solidão como um Reality Show, me nega prazeres e acelera o tempo, quando lhe convém.


City The Sims, 22 de Janeiro 2013

Estou traindo o meu marido com o vizinho do lado. Mas, não consigo fazer sexo com meu amante, Deus não deixa. Estou elaborando formas de trapacear Deus. 

City The Sims, 23 de Janeiro de 2013 

Às vezes, Deus se distraí, então, nesse ínterim de tempo, tenho beijos mais calorosos, meu amante consegue até me masturbar. Acho que Deus não sente desejo sexual, por isso, impede os outros. Acho que Deus é uma ameba ou uma mioca piadista que faz torturas com as pessoas e controlam as nossas vontades mais vitais. 

Eu e meu amante temos que agir rápido. O tempo da trapaça é sempre muito curto e, depois, voltamos a ser os bonequinhos de Deus. 


City The Sims, 25 de Janeiro 2013 

Meu marido saiu para trabalhar. Convidei o meu amante para ficar em casa. Deus está mais esperto com as nossas atitudes. Ficamos horas sem fazer nada, jogando xadrez. Ele me deu apenas um beijinho curto. 

Mas, Deus se distraiu, acho que ele foi fazer algo mais importante na vida. Nesse ínterim de tempo, fiz uma rapidinha com meu amante. Quando Deus voltou, meu marido me deu um beijo na boca bem demorado. Preparei a janta, comi e dormi. Tive bons sonhos. 


City The Sims, 14 de Fevereiro de 2013 

Conheci um velho chamado Gurd, conversamos sobre religião. Ele me revelou que é ateu. Eu fiquei confusa e falei que tinha percebido que não controlávamos os nossos desejos vitais e as nossas ações; logo, a única explicação plausível disso era Deus. 

Gurd mudou de expressão e me mostrou uma pasta com fotos de uma menina de 15 anos. Ele me explicou que essa menina controla todos os desejos e vontades de The Sims. Eu olhei para a fotografia da menina, olhos esbugalhados, dentes sujos de salgadinho e coca-cola sobre a mesa. Uma menina na adolescência controla a minha vida? Por quê? Fiquei irritada com essa possibilidade, preferiria acreditar que era um velho sábio de 130 milhões de anos. 

Gurd explicou que, na verdade, nós éramos um jogo de video-game chamado "The Sims", éramos bonecos virtuais, controlados por pessoas de uma outra dimensão chamada Terra. As pessoas controlavam as nossas rotinas, o nosso trabalho, a nossa vida amorosa e nosso lazer. 

Fiquei muito nervosa com Gurd, bati a porta na cara dele. 


City The Sims, 27 de Janeiro de 2013 

Como uma menina de 15 anos pode controlar as nossas vidas? Será que eu sou um jogo de video-game mesmo? Se eu aceitar isso uma possibilidade real, como posso acreditar que essa menina é boa? É insano controlar um outro ser humano e os seus desejos vitais, impedir a agressividade, a sexualidade e o lazer, apenas pelo poder de controlar o outro. Por que isso é divertido? Por que eu tenho que obedecer essa menina de 15 anos? 


City The Sims, 28 de Janeiro, 2013

Hoje, passei o dia nervosa com tudo.  

domingo, 4 de janeiro de 2015

Como (não) ser uma pessoa melhor?

Sempre acreditei na possibilidade de ser uma pessoa melhor do que as outras gerações. Pensava que isso seria possível, porque a minha geração viu acontecimentos impressionantes na História. Acreditei que era possível, porque eu li mais livros do que a minha vó, vi mais peças de teatro do que meu bisavô e assisti mais filmes do que minha mãe. 

Sempre acreditei que era possível melhorar o mundo, porque não seria possível cometer os mesmos erros que foram feitos no passado. Eu, por uma questão de tempo e espaço, já estava numa grande vantagem. Todos falavam isso para mim. Todos gritavam o meu nome, me prometendo um belo futuro.  Era o meu troféu, meu destino antes de nascer. A minha geração estava destinada ao gozo supremo, já que todas as batalhas já foram vencidas. 

O que temos? Uma pilha de antidepressivos e alguns jovens suicidas antes de completar trinta anos. Nos deram algumas centenas de frases de autoajuda. Algumas frases de efeito nos autdoors, isso é o mais próximo de poesia que poderíamos chegar nessa geração, (já que ninguém mais gosta de ler essas bobagens artísticas). 


Sempre pensei que poderia escrever o próximo Crime e Castigo. Eu e mais centenas de jovens, tão egoístas e mimados, como aprendemos a ser. Andamos nas esquinas dessa cidade e, para respirar um pouco de ar, precisamos aprender a fumar, para conversar despreocupadamente, precisamos aprender a beber, para sermos fortes, precisamos aprender a cheirar e etc, etc, etc. Aprendemos a nos drogar, porque é impossível viver sem as nossas verdadeiras musas, sem sexo, sem gênero, sem interesses, sem identidade, apenas um gole, um trago, uma carreira e só. Vai ficar tudo bem. 


Os meus melhores amigos sempre diziam essa estúpida frase: "vai ficar tudo bem". Eu como acreditava nos anjos e nos demônios, tinha fé nessa frase da mesma forma que Candinho acreditava no Pangloss sem piscar os olhos, sem sentir indignação e sem questionar. Crer é isso, é não questionar. Essa frase é mais repetida do que comercial de bebidas alcoólicas; as pessoas tentam nos convencer que ela é verdadeira, honesta e mágica.


"Vai ficar tudo bem". Quando Candinho ouviu essa frase, logo aconteceu o terremoto mais famoso de Londres. "Vai ficar tudo bem", de repente, as torres gêmeas são destruídas. "Vai ficar tudo bem", então, massacre de bebês palestinos. "Vai ficar tudo bem", greves, manifestações, medos incontornáveis, mortes, suicídios, greves, manifestações. "Vai ficar tudo bem, temos um partido de esquerda no poder". 


Quando Candinho ouviu essa estúpida frase, ele perdeu uma bunda, foi parar na inquisição, quase morreu. Imagino que a nossa geração seja uma espécie de Candinho que acredita numa promessa bela e maravilhosa; ela nos feita vintes anos atrás e algumas vezes somos capazes de matar por ela. Como alguns homens são capazes de matar por amor. A única morte legítima é a faca de um amante numa mulher amada. Aposto que o amante sempre diz: "vai ficar tudo bem, não vai doer nada, a faca só vai entrar um pouco, é só a cabecinha. Eu te amo!". É assassinato, mas quem se importa, foi por amor. 

Eu que imaginava que, para ser uma pessoa melhor, tinha que estudar, duvidar e ter mais conhecimento do que as outras gerações. Eu que imaginava que, para ser uma pessoa melhor, tinha que ser capaz de matar por amor. Imaginava que precisava ter bondade, ter sede e ter gentileza. Ao contrário, precisava era ser má, muito cruel, precisava ser capaz de ser cínica, precisava mentir, odiar e criar laços de indiferença. Para ser uma pessoa "melhor", eu tinha que ser o que não me ensinaram, precisava ter coragem de falar outra frase: " não vai ficar tudo bem". 

"Não vai ficar tudo bem, não está tudo bem, vai demorar anos, séculos, a nossa tão esperada eternidade, para um dia ficar tudo bem. Somos cruéis demais para ficar tudo bem. Nunca vai ficar tudo bem. Está tudo horrível!".