terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Taxi Driver

Direção: Martin Scorsese
Duração: 113min

Uma vez, eu fiz um desses testes de internet. O tema teste era: "quem é o diretor de cinema da sua vida?". Fiquei curiosa, porém, não custa tentar. ( Mesmo não gostando desses testes, porque acho difícil decidir quem é a pessoa mais importante da minha vida. Em relação a diretores de cinema e autores, o amor não é exclusivo e nem monogâmico). 

Acreditei que seria o Bergman ou o Tarantino; pois, esses foram os diretores de cinema que mais filmes eu vi, mais me apaixonei e mais pensava sobre seus trabalhos. Entretanto, tive uma grande revelação, segundo esse teste de internet, o diretor de cinema que poderia dirigir um filme da minha vida; não era o pessimismo de Bergman; não era o humor cínico de Tarantino; o diretor era alguém que me era desconhecido, apenas o nome eu tinha conhecimento. A minha vida seria, portanto, um bom filme norte-americano, produzido por Martin Scorsese. 

Passei alguns meses com essa informação. Fiquei um tanto assim, meio assado. Como um diretor de cinema, que nunca vi, pode representar minha vida? Então, fiquei com o nome na minha cabeça. No dia seguinte, encontrei um amigo e ele me disse que tinha visto um filme de Martin Scorsese, contei-lhe, então, essa história. Eu, rindo, disse: " esse cara, nunca vi nenhum filme dele, mas o teste me disse que ele seria o melhor diretor para representar a minha vida?". Ele riu, eu também, mas abriu cada vez minha curiosidade, quando esse meu amigo me disse: " Taxi Driver é um bom filme, o enredo é bem simples, não tem nada de extraordinário. Você vai gostar, Bruna". 

Finalmente, ontem, conheci esse misterioso diretor de cinema que, segundo esse teste de internet, seria o melhor para representar a vida que eu vivi até esse momento. Por isso, faço questão de escrever minhas impressões do filme. 

O que me chamou atenção foi ver um Robert De Niro, jovem, magro e belo. O cenário com cores sombrias, preto e vermelho, de aparência suja e nojenta, a multidão vazia andando nas ruas; depois, um olhar doente, escondido, como se não quisesse ser visto, porém, através de breves flagrantes da câmara, podendo ser observado por nós. Ele observa a cidade, nós observamos aquele que é o observador. 

Atrás disso, há toda uma aparência de insanidade, uma luz vermelha, uma música agradável que acompanha os passos dessa personagem. Descobrimos, então, que essa figura se chama Travis, um homem que resolveu trabalhar de taxista, porque tinha insônia. A narração, ao fundo, é dele; são observações que ele faz e escreve num caderno com lápis. 

Uma criatura sozinha que busca conexões. Ele procura se comunicar com a moça que vende jujubas num cinema de rua, que vende filmes pornográficos, numa cidade suja e cheia de selvagens. Procura se comunicar com os outros taxistas. Até que, no meio do trabalho, Travis encontra a mulher intocável, Betsy, percebe que, talvez, poderia ter alguma comunicação possível; mas, descobre que ela é fria e distante, como todos os outros que conheceu. 

Retorna a violência, não consegue dormir. Finge que não está em lugar nenhum, não se importa com roubos, com prostitutas e com ninguém. Entrega-se a mediocridade, não consegue dormir, escreve que não é saudável, por isso, não procura saúde. Todos os dias, ele vê atos violentos, não se incomoda, não se importa com os outros. Porém, ele se sente sozinho, não dorme, trabalha mais e mais, não transa, não usa drogas e não se incomoda. Travis é um homem de vida banal, um homem que não se preocupa ser grande, aceita o medíocre. 

Até que ele conhece Íris, uma moça de doze anos, prostituta, que fugiu da casa dos pais e passou a viver com viciados e miseráveis. Numa noite, ela entra, assustada, no carro de Travis e pede para correr daí. Travis não age, fica calado. O cafetino agarra a menina força, amassa um nota de dólar e diz que está tudo bem, obrigando Íris sair do carro. Travis, mais uma vez, não age, fica calado. Guarda, então, a nota de dólar amassada, levando-a consigo para todos os lugares. Enfim, sendo obrigado a tomar uma decisão. 

Travis não é mais o mesmo depois dessa nota de dólar. Fico um pouco emocionada, pois, é um filme com cenário sujo e nojento, sufocante, como são as cidades grandes. É uma obra que fala de violência, de doença e de pessoas que procuram conexões, estão sozinhos e abandonados. Curiosamente, é um filme que também fala de bondade. Também fala de uma violência necessária, de uma conexão entre os selvagens, que é imprescindível, (os que sofrem reconhecem, logo, outros sofredores). Travis e Irís são selvagens que, logo, se comunicam, porque se reconhecem sozinhos. Betsy e Travis não se comunicam, porque Betsy não se percebe assim.  

A violência de Travis é oriunda de uma angústia, de um entendimento que ele poderia ter feito algo, quando não o fez. Ele não é um herói, é torto, é selvagem, é sozinho. A cena final mostra Travis, depois de fazer uma corrida com Betsy, até a sua casa, retornando para uma visitação solitária numa cidade noturna e sem formas, apenas luzes e cartazes. De novo, sozinho, outra vez, buscando outra conexão. Algum traço de bondade humana, no meio de tanta sujeira e sangue, realmente, é um filme que poderia descrever um pouco da vida que eu tenho, um pouco da vida que acredito. 

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Teoria de "The Sims": A vida de Marie Ramone

City The Sims, 2 de Janeiro de 2013

Eu moro nessa casa, pequena, com poucos móveis, há sete anos. A casa tem três cômodos. Moro sozinha, tenho três mil reais na minha conta bancária e trabalho de jornalista no outro lado da cidade. Estou pensando comprar um carro, mas preciso juntar dinheiro para realizar esse negócio. 

Meu nome é Marie Ramone, tenho dois amigos, adoro crianças, sou brava e ciumenta. Me sinto muito sozinha, às vezes, tenho vontade de namorar alguém. Adoro pintar, cozinhar e dançar. Tenho um rádio bem ruinzinho, mas ele serve, consigo ouvir minhas músicas, enquanto pinto. Meu trabalho não é chato, gosto muito de escrever, porém, sou nova na empresa, não posso falar todas as minhas opiniões. Muitos nem sabem que eu tenho uma péssima relação com meus familiares, é, por isso, que nunca visito meus pais e eles nunca me ligaram no dia do meu aniversário.

Hoje, eu comecei esse diário para falar um pouco da minha vida. Apenas me apresentei, porque queria falar um pouco de mim para alguém. Passo o dia inteiro sem ouvir barulhos em casa, às vezes, me esqueço do barulho da minha própria voz. Queria falar um pouco de mim e dos meus desejos para alguém


City The Sims, 4 de Janeiro de 2013 


Comecei o meu diário dois dias atrás, não escrevi nada, porque não havia nada para ser dito. Meu dia foi normal, acordei, tomei café-da-manhã, escovei meus dentes, tomei banho e fui trabalhar. Trabalhei até as 16 horas, cheguei em casa às 17h, estava com muita fome. Preparei macarrão, comi sozinha na minha mesa pequena. 


Semana passada, um ladrão me roubou uma cadeira. Minha cozinha somente tem uma mesa, arredondada e vermelha, e uma cadeira. Eu, o prato sujo, a única cadeira na cozinha e minha sombra, às vezes, me sinto muito sozinha. 

City The Sims, 5 de Janeiro de 2013 

Hoje, eu fiz uma festa para vizinhança. Apareceu na minha casa muitas pessoas que eu não sabia nem o nome. Eu não estava arrumada, estava limpando o banheiro. Logo, hoje, eu tive que desentupir a minha privada, fiquei muito nervosa e suja. 

Quando os convidados chegaram, todos foram rapidamente em direção ao banheiro. Estava desentupindo a privada, fiquei sem jeito de cumprimentar as pessoas, por isso, apenas cumprimentei com meus olhos, já que minhas mãos estavam ocupadas. 

Senti algo estranho, mesmo que eu sentisse vontade de cumprimentá-los e abraçar os convidados, eu não podia parar o que estava fazendo. Era uma força maior que eu. Fiquei constrangida com essa situação. Senti que não tinha controle dos meus desejos e das minhas ações. 

City The Sims,  6 de Janeiro de 2013 

Aconteceu uma coisa muita estranha hoje. Senti que o tempo passou mais rápido que o normal. Eu estava pintando um quadro e estava, finalmente, me divertindo. Era um quadro que demoraria muito para pintar. Entretanto, algo estranho aconteceu, parece que alguém acelerou os relógios e não senti o tempo passar nas minhas mãos. 

Uma hora o papel estava branco, depois, estava todo pintado, eu não lembro como desenhei tão rápido. 

City The Sims, 8 de Janeiro de 2013

Hoje, eu conheci alguém. Depois de meses, morando nessa cidade muito tranquila, senti que conheci alguém que balançou o meu coração. É um rapaz chamado Chet Burd, tem olhos azuis, cabelos loiros e adora esportes. Eu o conheci na Galeria de Arte, fiquei imediatamente atraída. Acredito que essas coisas acontecem. 

Mas, de novo, aconteceu alguma coisa estranha. Durante as nossas conversas, eu senti uma fome terrível. O tempo passou rápido demais. Era um sábado, (não trabalho aos sábados), tinha chegado às 14h na Galeria de Arte, de repente, era 20h e precisava voltar para casa. Eu não lembro o que conversei com Chet. Aliás, tenho a pequena impressão que eu não escolho as palavras que converso com as pessoas que vão e vem na minha vida. 

Esses dias, eu conversei sobre arte, comida e cor vermelha para senhora D. do mesmo jeito que paquerei Chet. Será que eu não sou uma pessoa criativa? 


City The Sims, 9 de janeiro de 2013 

Nada aconteceu. Trabalhei, fiz comida, escovei os dentes, assisti televisão e fui dormir. 


City The Sims, 10 de Janeiro 2013 

Chet me visitou hoje. Fiquei pulando de alegria, preparei uma comida especial para ele. Pensei que seria a nossa grande noite. Por isso, fiz a preparação perfeita, organizei todos os detalhes, limpei todos os cômodos da casa, tomei banho, vesti a minha melhor roupa e liguei um rádio. 

Mas, aconteceu alguma coisa estranha. Senti, de novo, que não tinha controle nos meus movimentos. Ficamos conversando os mesmos assuntos desimportantes, comemos, ficamos de mãos dadas, dançamos juntos. Nos beijamos várias e várias vezes, mas não transamos. Eu estranhei tanto. O que será que aconteceu? Chet não é religioso, ele queria demais; eu tenho desejo de casar e ter filhos, mas não acho que sexo por diversão seja pecado. Por que não transamos, sendo que nós só pensávamos nisso? 

Chet me deu um longo beijo na boca e se despediu. Eu senti um arrebatamento no meu peito. Chet me disse que sentiu angústia.  

City The Sims, 11 de Janeiro 2013 

Hoje aconteceu de novo. Chet apareceu na minha casa e sentimos vontade de transar, mas não transamos. Não consigamos parar as nossas atividades e fazermos outras coisas que não desejávamos realmente. O tempo de novo parece que foi rápido demais. 

Ele foi embora e não me beijou. 


City The Sims, 12 de janeiro 2013 

Hoje, Chet me pediu em casamento. Eu aceitei imediatamente, não pensei duas vezes, faltei no meu trabalho por cinco dias. Esqueci da arrumar as coisas em casa e, finalmente, nós transamos. 

Quando acordei, descobri que estava grávida. O tempo passou rápido demais e, de repente, estava com nove meses. 


City The Sims, 15 de Janeiro 2013 

Estou estressada novamente e com fome. É estranho, porque não engordo. Eu e o Chet, quase não nos beijamos mais, sentimos vontade de transar, mas não transamos. É algo estranho que eu notei semanas atrás, parece que só podemos fazer sexo, quando temos que fazer um bebê. Por isso, temos quatro bebês em casa, todos me deixam maluca.


City The Sims, 20 de Janeiro 2013 

Hoje, eu percebi que existe alguém que nos controla. Essa pessoa poderia ser Deus? Quem será que é essa pessoa? Eu percebi, porque estava claro que eu queria comer e fui obrigada a fazer exercícios físicos. Eu não queria fazer exercícios hoje, principalmente, numa sexta-feira. 

Fiquei observando o meu espelho no banheiro. Fiquei pensando nesse Deus. Será que ele tinha rosto? Será que ele é um velho barbudo de 130 milhões de anos que sabe de tudo e faz de tudo? A minha vida, então, era controlada por uma pessoa que sabe de todos os meus desejos, conhece toda a minha história, brinca com meus sentimentos, fica assistindo minha solidão como um Reality Show, me nega prazeres e acelera o tempo, quando lhe convém.


City The Sims, 22 de Janeiro 2013

Estou traindo o meu marido com o vizinho do lado. Mas, não consigo fazer sexo com meu amante, Deus não deixa. Estou elaborando formas de trapacear Deus. 

City The Sims, 23 de Janeiro de 2013 

Às vezes, Deus se distraí, então, nesse ínterim de tempo, tenho beijos mais calorosos, meu amante consegue até me masturbar. Acho que Deus não sente desejo sexual, por isso, impede os outros. Acho que Deus é uma ameba ou uma mioca piadista que faz torturas com as pessoas e controlam as nossas vontades mais vitais. 

Eu e meu amante temos que agir rápido. O tempo da trapaça é sempre muito curto e, depois, voltamos a ser os bonequinhos de Deus. 


City The Sims, 25 de Janeiro 2013 

Meu marido saiu para trabalhar. Convidei o meu amante para ficar em casa. Deus está mais esperto com as nossas atitudes. Ficamos horas sem fazer nada, jogando xadrez. Ele me deu apenas um beijinho curto. 

Mas, Deus se distraiu, acho que ele foi fazer algo mais importante na vida. Nesse ínterim de tempo, fiz uma rapidinha com meu amante. Quando Deus voltou, meu marido me deu um beijo na boca bem demorado. Preparei a janta, comi e dormi. Tive bons sonhos. 


City The Sims, 14 de Fevereiro de 2013 

Conheci um velho chamado Gurd, conversamos sobre religião. Ele me revelou que é ateu. Eu fiquei confusa e falei que tinha percebido que não controlávamos os nossos desejos vitais e as nossas ações; logo, a única explicação plausível disso era Deus. 

Gurd mudou de expressão e me mostrou uma pasta com fotos de uma menina de 15 anos. Ele me explicou que essa menina controla todos os desejos e vontades de The Sims. Eu olhei para a fotografia da menina, olhos esbugalhados, dentes sujos de salgadinho e coca-cola sobre a mesa. Uma menina na adolescência controla a minha vida? Por quê? Fiquei irritada com essa possibilidade, preferiria acreditar que era um velho sábio de 130 milhões de anos. 

Gurd explicou que, na verdade, nós éramos um jogo de video-game chamado "The Sims", éramos bonecos virtuais, controlados por pessoas de uma outra dimensão chamada Terra. As pessoas controlavam as nossas rotinas, o nosso trabalho, a nossa vida amorosa e nosso lazer. 

Fiquei muito nervosa com Gurd, bati a porta na cara dele. 


City The Sims, 27 de Janeiro de 2013 

Como uma menina de 15 anos pode controlar as nossas vidas? Será que eu sou um jogo de video-game mesmo? Se eu aceitar isso uma possibilidade real, como posso acreditar que essa menina é boa? É insano controlar um outro ser humano e os seus desejos vitais, impedir a agressividade, a sexualidade e o lazer, apenas pelo poder de controlar o outro. Por que isso é divertido? Por que eu tenho que obedecer essa menina de 15 anos? 


City The Sims, 28 de Janeiro, 2013

Hoje, passei o dia nervosa com tudo.  

domingo, 4 de janeiro de 2015

Como (não) ser uma pessoa melhor?

Sempre acreditei na possibilidade de ser uma pessoa melhor do que as outras gerações. Pensava que isso seria possível, porque a minha geração viu acontecimentos impressionantes na História. Acreditei que era possível, porque eu li mais livros do que a minha vó, vi mais peças de teatro do que meu bisavô e assisti mais filmes do que minha mãe. 

Sempre acreditei que era possível melhorar o mundo, porque não seria possível cometer os mesmos erros que foram feitos no passado. Eu, por uma questão de tempo e espaço, já estava numa grande vantagem. Todos falavam isso para mim. Todos gritavam o meu nome, me prometendo um belo futuro.  Era o meu troféu, meu destino antes de nascer. A minha geração estava destinada ao gozo supremo, já que todas as batalhas já foram vencidas. 

O que temos? Uma pilha de antidepressivos e alguns jovens suicidas antes de completar trinta anos. Nos deram algumas centenas de frases de autoajuda. Algumas frases de efeito nos autdoors, isso é o mais próximo de poesia que poderíamos chegar nessa geração, (já que ninguém mais gosta de ler essas bobagens artísticas). 


Sempre pensei que poderia escrever o próximo Crime e Castigo. Eu e mais centenas de jovens, tão egoístas e mimados, como aprendemos a ser. Andamos nas esquinas dessa cidade e, para respirar um pouco de ar, precisamos aprender a fumar, para conversar despreocupadamente, precisamos aprender a beber, para sermos fortes, precisamos aprender a cheirar e etc, etc, etc. Aprendemos a nos drogar, porque é impossível viver sem as nossas verdadeiras musas, sem sexo, sem gênero, sem interesses, sem identidade, apenas um gole, um trago, uma carreira e só. Vai ficar tudo bem. 


Os meus melhores amigos sempre diziam essa estúpida frase: "vai ficar tudo bem". Eu como acreditava nos anjos e nos demônios, tinha fé nessa frase da mesma forma que Candinho acreditava no Pangloss sem piscar os olhos, sem sentir indignação e sem questionar. Crer é isso, é não questionar. Essa frase é mais repetida do que comercial de bebidas alcoólicas; as pessoas tentam nos convencer que ela é verdadeira, honesta e mágica.


"Vai ficar tudo bem". Quando Candinho ouviu essa frase, logo aconteceu o terremoto mais famoso de Londres. "Vai ficar tudo bem", de repente, as torres gêmeas são destruídas. "Vai ficar tudo bem", então, massacre de bebês palestinos. "Vai ficar tudo bem", greves, manifestações, medos incontornáveis, mortes, suicídios, greves, manifestações. "Vai ficar tudo bem, temos um partido de esquerda no poder". 


Quando Candinho ouviu essa estúpida frase, ele perdeu uma bunda, foi parar na inquisição, quase morreu. Imagino que a nossa geração seja uma espécie de Candinho que acredita numa promessa bela e maravilhosa; ela nos feita vintes anos atrás e algumas vezes somos capazes de matar por ela. Como alguns homens são capazes de matar por amor. A única morte legítima é a faca de um amante numa mulher amada. Aposto que o amante sempre diz: "vai ficar tudo bem, não vai doer nada, a faca só vai entrar um pouco, é só a cabecinha. Eu te amo!". É assassinato, mas quem se importa, foi por amor. 

Eu que imaginava que, para ser uma pessoa melhor, tinha que estudar, duvidar e ter mais conhecimento do que as outras gerações. Eu que imaginava que, para ser uma pessoa melhor, tinha que ser capaz de matar por amor. Imaginava que precisava ter bondade, ter sede e ter gentileza. Ao contrário, precisava era ser má, muito cruel, precisava ser capaz de ser cínica, precisava mentir, odiar e criar laços de indiferença. Para ser uma pessoa "melhor", eu tinha que ser o que não me ensinaram, precisava ter coragem de falar outra frase: " não vai ficar tudo bem". 

"Não vai ficar tudo bem, não está tudo bem, vai demorar anos, séculos, a nossa tão esperada eternidade, para um dia ficar tudo bem. Somos cruéis demais para ficar tudo bem. Nunca vai ficar tudo bem. Está tudo horrível!". 

sábado, 27 de dezembro de 2014

Criança

nunca gostei mesmo da forma que os adultos tratam as crianças. Ao contrário, sempre achei muito bonito como os poetas falam das crianças, como é um mundo a ser descoberto. Uma criança não possui forma, pode ser qualquer um, é algo maravilhoso. Hitler já foi uma criança, Einstein também. Acho que nunca gostei desse tratamento dos adultos, porque acho insuportável alguma pessoa ignorar a outra. 

Já viram o que os adultos discutem? Nada demais, crianças, eles morrem de medo do escuro; alguns homens adultos discutem calorosamente qual é a bunda mais bonita entre as empregadas, essa é a discussão mais profunda desses adultos. Porém, vocês enfrentam dragões, monstros no armário e espíritos malignos! Vocês sentem o terrível  gosto do inferno sobre as cabeças e vivem num mundo construído pela estupidez dos adultos. O Mal é real, isso é efeito da maldade e da ignorância que eles fazem com vocês. 

"Ah que saudade da aurora dos oito anos!" O idiota que escreveu isso, era um péssimo poeta e é uma pessoa que não entendeu as atrocidades do tempo. Crianças não caem na lábia dos adultos, eles não sabem o que fazem. Deus é uma criança; eles não admitem isso, preferem acreditar que é um velhote sem humor, sentado na cadeira, olhando o absurdo que é a raça humana.

Os adultos, (alguns, nem todos), já se esqueceram o que é enfrentar dragões cotidianamente, ficaram apáticos e insensíveis. Virem adultos, crianças, mas não esqueçam de enfrentar os seus dragões! Eu compreendo vocês, eu, pelos menos, acho que compreendo. Já faz anos que vou para uma festa de família e não brinco entre as crianças, fico entre os adultos e me sinto tão estúpida do que eles. Já faz anos que não concordo o que é um adulto nesse mundo de ignorância. Por isso, prefiro acreditar na infância de Deus e nos duendes para controlar o absurdo que é o nosso tempo. 

Por ora, prefiro permanecer criança entre a ignorância dos adultos! 

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Telefone

- alô! Alô? Tem alguém aí no outro lado da linha? Eu só queria conversar com você. Como vai você? Pergunte pra mim também. Ok. Ok. Eu vou imaginar que tem alguém do outro lado da linha perguntando isto: "Olá, como vai você?". Vou até fazer uma outra voz: "Oi, pequena, como vai você? Me conte o seu dia"

 Ei voz invisível, aconteceu tanta coisa hoje. Cheguei em casa e coloquei aquela canção do Roberto, sabe, lembrando do tipo célebre que Ana C. descreveu num certo poema disperso. Esquecida, destemida, penso que, dessa vez, o fim é definitivo.  Ó voz invisível, já fiz de tudo para esquecer essa pessoa.

Aprendi inglês, dancei Ragatanga, desenhei, toquei "Hey Jude" no violão, fiz uma viagem para Peru, perambulei asfaltos. Aí, fui dramática, chorei demais, pensei numa cena para fazer esse tipo célebre voltar pra mim. Hoje, vou me suicidar com pílulas anticoncepcionais, deitar em cima da privada e cantar: "por isso eu sou vingativa! Vingativa! Vingativa! Vigantivaaa".

Não tem como se apaixonar e emburrecer pouco?

Pera aí! Não desligue, voz invisível, porra, eu só quero conversar com alguém, (mesmo que esse alguém não exista), não me deixe falando com o teto. Eu já disse que eu te amo. Eu te amo. Nunca falei isso pra ninguém. Nem pro tipo célebre eu disse essa frase, ao contrário, eu disse que odiava ele. Era mentira; eu nem sentia ódio e nem amor o que eu tinha era muito tesão. Pior que levar pé na bunda apaixonada, é levar pé na bunda com calcinha molhada. Fiquei puta! Puta mermo! Sabe o que fiz? Na-da. Só comi uma caixa de chocolate inteira e fui pra casa assistir Faustão. Deprimente, né!

ei, voz invisível, mas a história de suicídio é verdade, vou me matar com essa caixa de anticoncepcional e é pra já! Tô começando agora. Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, dez. 30 pílulas na minha boca, vou engolir tudo com vinho barato, vou morrer assim. Aí, meus harmoniosinhos, todos revoltados querendo briga. Não adianta pedir as suas coisas de volta, não adianta, meu querido, eu estou indignada com a sua ausência. Olha só, minha cartela de anticoncepcional vazia! Eu só estou esperando o efeito da morte, tchau vida!

Não tem mesmo como se apaixonar sem se emburrecer

Você não me entende que sou essa bolha de tesão e sentimentos, eu sou essa coisa toda confusa. Você não entende, pera aí, voz invisível, não vai embora, não me deixa sozinha, eu detesto ficar sozinha, eu não sei o que fazer. Eu não consegui me matar. Poxa, a culpa é sua! Ei, eu não consigo te esquecer, me emburreço tanto.


quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Amigos

é um prazer conhecer cada um de vocês! 

É um prazer enorme saber qual é o rosto de tristeza que você possui. Gosto de saber que reconhecemos as mesmas piadas, temos o mesmo ritmo gestual. Fico muito grata por saber que eu sei qual é a sua comida favorita, ainda uso o seu número de telefone sem constrangimento. 

- olá, amanhã, você vai fazer alguma coisa?
- amanhã, não! Vamos beber?
- vamos sim! 

Fico contente que não concordamos com tudo, mas fico grata por saber que não é nenhum esforço permanecer ao meu lado em silêncio. Gosto de reconhecer o seu rosto de alegria, o seu rosto de excitação, o temor que você tem por conta do escuro ou seu medo infantil de altura. Sei que ainda sente medo de barata, mesmo tendo completado a maioridade. Assim, eu prometo que não vou usar esses medos contra você. 

é um prazer saber que tenho uma história com cada um de vocês. Você pode contar mais um episódio desastroso sobre mim, quando senti vontade de rir gratuitamente. Risos gratuitos são melhores do que doces desavisados. É um prazer rir com vocês, chorar com vocês, é um prazer enorme saber que o meu nome é carregado de sentido; eu não sou anônima para vocês.

é um enorme prazer reconhecer a voz de vocês ao longe e saber que estamos seguros no escuro. Saber que vocês existem. É um prazer enorme saber que vocês atravessaram os meus pensamentos, criaram passagem para os meus conceitos e destruíram meus monumentos de preconceitos. É um prazer enorme (re) conhecer cada um de vocês!  

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Educação Amorosa: a vida amorosa e sexual de uma galinha

Não resisti. Disse que preferiria escrever a vida amorosa das galinhas a escrever algo sobre a minha vida amorosa. Não é que eu seja derrotista, como diria minha amiga Alice, não concordo que eu seja uma derrotista. Só acho que minha vida amorosa não é importante, ela é parecida com todo mundo que eu conheço, é mais uma vida insignificante que não vai mudar a perspectiva de ninguém. Principalmente, a tua, meu caro leitor inteligente! 

Esse lance de escrever autobiografias faz as pessoas acreditarem que a sua vida foi maravilhosa e com enredo desenhadinho. Não é verdade, minha vida é tão insignificante quanto a vida de um inseto. Entre uma galinha e um inseto, pareço mais com uma formiga. Sou uma formiga desprezada sem a companhia de outras formigas, muitas das melhores formigas morreram pisadas pelos humanos. Queridas e desprezadas formigas, uni-vos! 

Uma galinha é outra coisa. Ninguém nasce galinha, ser galinha é um dom. 

Apêndice - a vida amorosa e sexual da galinha 

Britney Spears, pensamos em Britney Spears. Aposto que você, caro leitor, nunca pensou nessa princesinha pop. Eu não gostei de Britney Spears na adolescência, mas tenho que admitir que a melhor coisa de Britney Spears não foi a música, foi a sua história. Pense que milhares de fãs eram apaixonadinhos pela figura da princesa do pop, o rosto limpo, a virgem mais famosa da modernidade, chupando pirulitos, com saias curtas e danças sensuais. Namorando Justin Timberlake, beijando na boca de Madonna e cantando músicas que não foram composições dela. 

De repente, um boom! O término de namoro com Justin se torna assunto internacional, ela casa com outro homem, vira mãe de dois filhos. Bebe demais, usa drogas demais, a justiça impede de ter a guarda dos seus dois filhos. Ela, então, raspa os cabelos, abandonando de vez o rosto limpo, puro e virginal. A princesinha pop, que não era a virgem mais famosa da modernidade, era agora uma louca e careca. Realmente, temos que admitir que isso foi mais rock n' roll do que as bandinhas do começo do século XXI. 

Uma galinha famosa, conhecida por todos, amada por todo o galinheiro. Era apaixonada por Saltimbancos, de Chico Buarque, não desejava botar ovo. O ovo, para ela, era um mistério que não saberia comunicar. Era uma galinha jovem, assustada. O galo olhou-a de longe e decidiu que ia fazer um ovo com essa galinha. A galinha tinha asas, mas não sabia voar. 

O galo prendeu-a pelas costas, pôs o seu esperma dentro dessa galinha. Essa galinha concebeu o mistério, esperava um ovo sem ter consciência que esperava um ovo. Depois do sexo selvagem, a galinha famosa caminhou para cima e para baixo, cantando músicas de Britney Spears, sem ter a consciência da maternidade. 

Os humanos, então, sentiram necessidade de fazer uma galinhada, estavam com fome. O homem da família foi atrás das galinhas no galinheiro. A galinha famosa, com sorriso de galinha no rosto, a mais feliz, chamou-lhe a atenção. O homem pensou: essa é uma boa galinha para comer.  Uma galinha feliz, porque tinha descoberto a violência prazerosa e intensa da vida sexual, percebeu que era observada de longe pelos humanos. Sentiu um arrepio no pescoço. 

A galinha mais velha disse: estão procurando uma galinha jovem para comer

A galinha sentiu medo de morrer. Dias seguintes, o homem da família preparou a caça. Procurou um lugar para um esconderijo perfeito. A galinha famosa estava vivendo um dos mais maravilhosos dias banais, quando percebeu que uma mão humana estava sobre a sua cabeça. Ela não pensou duas vezes, correu para proteger a sua vida infinita e maravilhosa. 

O homem da família ficou assustado diante de tamanha coragem que uma galinha podia ter para proteger uma vida de animal. Ele chamou o menino mais velho para correr atrás da galinha destemida. O menino mais velho chamou a irmã mais velha para correr atrás da galinha corajosa. A irmã mais velha chamou a mãe para correr atrás da galinha furiosa. Aí, a mãe chamou a irmã mais nova para correr atrás da galinha anônima. 

A irmã mais nova conseguiu ficar próxima da galinha. Rosto a rosto. A galinha estava cansada de correr pelo galinheiro. Todos gritavam para a irmã mais nova: mata a galinha! Mata a galinha!. De repente, ela ficou assustada com o olhar da galinha. Era um olhar intenso de uma galinha com medo. Quando as duas ficaram distraídas, a galinha sem querer botou um ovo. 

A irmã mais nova mostrou o ovo para a sua mãe e disse: mãe, não vou matar essa galinha, ela é mamãe também. Todos ficaram com pena da galinha, poupando a sua vida jovem e animal. 

Depois de uma semana, o ovo tinha virado um pintinho. A galinha que já tinha sido esquecida pela família, virou comida no jantar de domingo. Um belo domingo de sol, nuvens bonitas, alegria familiar e mistério.