Duração: 113min
Uma vez, eu fiz um desses testes de internet. O tema teste era: "quem é o diretor de cinema da sua vida?". Fiquei curiosa, porém, não custa tentar. ( Mesmo não gostando desses testes, porque acho difícil decidir quem é a pessoa mais importante da minha vida. Em relação a diretores de cinema e autores, o amor não é exclusivo e nem monogâmico).
Acreditei que seria o Bergman ou o Tarantino; pois, esses foram os diretores de cinema que mais filmes eu vi, mais me apaixonei e mais pensava sobre seus trabalhos. Entretanto, tive uma grande revelação, segundo esse teste de internet, o diretor de cinema que poderia dirigir um filme da minha vida; não era o pessimismo de Bergman; não era o humor cínico de Tarantino; o diretor era alguém que me era desconhecido, apenas o nome eu tinha conhecimento. A minha vida seria, portanto, um bom filme norte-americano, produzido por Martin Scorsese.
Passei alguns meses com essa informação. Fiquei um tanto assim, meio assado. Como um diretor de cinema, que nunca vi, pode representar minha vida? Então, fiquei com o nome na minha cabeça. No dia seguinte, encontrei um amigo e ele me disse que tinha visto um filme de Martin Scorsese, contei-lhe, então, essa história. Eu, rindo, disse: " esse cara, nunca vi nenhum filme dele, mas o teste me disse que ele seria o melhor diretor para representar a minha vida?". Ele riu, eu também, mas abriu cada vez minha curiosidade, quando esse meu amigo me disse: " Taxi Driver é um bom filme, o enredo é bem simples, não tem nada de extraordinário. Você vai gostar, Bruna".
Finalmente, ontem, conheci esse misterioso diretor de cinema que, segundo esse teste de internet, seria o melhor para representar a vida que eu vivi até esse momento. Por isso, faço questão de escrever minhas impressões do filme.
O que me chamou atenção foi ver um Robert De Niro, jovem, magro e belo. O cenário com cores sombrias, preto e vermelho, de aparência suja e nojenta, a multidão vazia andando nas ruas; depois, um olhar doente, escondido, como se não quisesse ser visto, porém, através de breves flagrantes da câmara, podendo ser observado por nós. Ele observa a cidade, nós observamos aquele que é o observador.
Atrás disso, há toda uma aparência de insanidade, uma luz vermelha, uma música agradável que acompanha os passos dessa personagem. Descobrimos, então, que essa figura se chama Travis, um homem que resolveu trabalhar de taxista, porque tinha insônia. A narração, ao fundo, é dele; são observações que ele faz e escreve num caderno com lápis.
Uma criatura sozinha que busca conexões. Ele procura se comunicar com a moça que vende jujubas num cinema de rua, que vende filmes pornográficos, numa cidade suja e cheia de selvagens. Procura se comunicar com os outros taxistas. Até que, no meio do trabalho, Travis encontra a mulher intocável, Betsy, percebe que, talvez, poderia ter alguma comunicação possível; mas, descobre que ela é fria e distante, como todos os outros que conheceu.
Retorna a violência, não consegue dormir. Finge que não está em lugar nenhum, não se importa com roubos, com prostitutas e com ninguém. Entrega-se a mediocridade, não consegue dormir, escreve que não é saudável, por isso, não procura saúde. Todos os dias, ele vê atos violentos, não se incomoda, não se importa com os outros. Porém, ele se sente sozinho, não dorme, trabalha mais e mais, não transa, não usa drogas e não se incomoda. Travis é um homem de vida banal, um homem que não se preocupa ser grande, aceita o medíocre.
Até que ele conhece Íris, uma moça de doze anos, prostituta, que fugiu da casa dos pais e passou a viver com viciados e miseráveis. Numa noite, ela entra, assustada, no carro de Travis e pede para correr daí. Travis não age, fica calado. O cafetino agarra a menina força, amassa um nota de dólar e diz que está tudo bem, obrigando Íris sair do carro. Travis, mais uma vez, não age, fica calado. Guarda, então, a nota de dólar amassada, levando-a consigo para todos os lugares. Enfim, sendo obrigado a tomar uma decisão.
Travis não é mais o mesmo depois dessa nota de dólar. Fico um pouco emocionada, pois, é um filme com cenário sujo e nojento, sufocante, como são as cidades grandes. É uma obra que fala de violência, de doença e de pessoas que procuram conexões, estão sozinhos e abandonados. Curiosamente, é um filme que também fala de bondade. Também fala de uma violência necessária, de uma conexão entre os selvagens, que é imprescindível, (os que sofrem reconhecem, logo, outros sofredores). Travis e Irís são selvagens que, logo, se comunicam, porque se reconhecem sozinhos. Betsy e Travis não se comunicam, porque Betsy não se percebe assim.
A violência de Travis é oriunda de uma angústia, de um entendimento que ele poderia ter feito algo, quando não o fez. Ele não é um herói, é torto, é selvagem, é sozinho. A cena final mostra Travis, depois de fazer uma corrida com Betsy, até a sua casa, retornando para uma visitação solitária numa cidade noturna e sem formas, apenas luzes e cartazes. De novo, sozinho, outra vez, buscando outra conexão. Algum traço de bondade humana, no meio de tanta sujeira e sangue, realmente, é um filme que poderia descrever um pouco da vida que eu tenho, um pouco da vida que acredito.